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Catador de recicláveis completa um mês preso após reconhecimento por ‘porte físico inconfundível’

25 de junho de 2020

Acusado de ter participado de um assalto, Ailton Silva, de 23 anos, teve seu reconhecimento baseado apenas na aparência física e a polícia não investigou o paradeiro do celular e do dinheiro roubados; familiares consideram sua prisão como racista

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Acervo pessoal

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O catador de materiais recicláveis Ailton Silva, de 23 anos, está preso há um mês. Ele foi abordado por policiais militares no dia 25 de maio, no Capão Redondo, Zona Sul da cidade de São Paulo, e levado para o 47ª delegacia de polícia, na mesma região, acusado de participação no assalto a um motorista do aplicativo Uber e uma passageira, minutos antes da abordagem. O catador alega ser inocente e a família classifica a prisão como um ato de racismo.

Ailton nasceu e cresceu no Capão Redondo, onde é conhecido por todo mundo, segundo seus familiares. O pai Jaiton, baiano da cidade de Cândido do Sales, chegou em São Paulo, em 1985, aos 18 anos, para ganhar a vida como pedreiro. Ele conheceu Carmem e casaram um ano depois. O casal teve cinco filhos, Ailton é o segundo mais novo, um ano mais velho que o caçula, Alexandre, de 22 anos.

“O meu pai sempre foi muito rígido. Não deixou que a minha mãe fosse trabalhar fora para ficar cuidando da gente. Todo mundo indo para escola e sem poder sair na rua. Tivemos uma educação muito correta. Meu pai sempre trabalhou para dar o sustento da família”, conta Alessandra Silva, de 32 anos, a mais velha dos cinco irmãos.

O casamento de Jailton e Carmem durou 15 anos. Depois da separação, dona Carmen foi trabalhar como auxiliar de limpeza e os filhos começaram a ajudar na despesas. Ailton e Alexandre foram ajudantes do pai, entregadores de panfletos e ajudavam a montar e desmontar barracas na feira.

“Ailton trazia o dinheiro e a mãe dizia para ele comprar um doce, mas ele dizia que era pra ela ir no mercado e comprar a mistura pra gente. O olho dele chegava a brilhar quando via que o trabalho dele ajudava no sustento da casa”, diz Alessandra, que trabalhou em lava-rápido quando tinha 14 anos e ajudou a criar os irmãos mais novos.

De acordo com os amigos de Ailton, o jovem é uma pessoa muito alegre e querida na vizinhança. “Bondoso” e “respeitador” são alguns dos adjetivos usados pelos vizinhos que estão ajudando a família a provar a inocência do rapaz.

“Tenho uma ligação muito grande com o Ailton e o Alexandre. É como se eu fosse irmã e mãe. Os dois andavam com roupas iguais. Eles iam juntos pegar a carroça para recolher material reciclável. Há cinco anos a nossa mãe teve um AVC (Acidente Vascular Cerebral) e perdeu 90% da fala. É o Ailton que limpa a casa, faz a comida e cuida dela”, diz a irmã.

O advogado Flávio Campos conversou com Ailton na prisão na semana passada. “Ele disse que é inocente. Está muito assustado. Que não sabe porque estão acusando ele e não o deixam ver a família”, conta a defesa do jovem.

Ailton estava preso no Centro de Detenção Provisória (CDP) do Belém, na Zona Leste, e foi transferido para o CDP de Osasco, na região metropolitana.

“Os depoimentos das vítimas são incompletos e cheios de contradições. A identificação das roupas também não bate, mas a polícia diz que o meu irmão foi reconhecido pela aparência inconfundível. Eu queria saber o que é isso, ele parece com mais de 90% dos rapazes do bairro”, recorda a irmã ngela Silva, de 25 anos.

O crime

De acordo com os registros policiais, cinco motociclistas cercaram o motorista de aplicativo quando a passageira estava para embarcar e fizeram o assalto. Um deles entrou no banco de trás, ameaçou e bateu na moça. Todos os suspeitos estavam de capacete e fugiram levando o celular do motorista e R$ 120 em dinheiro.

Os policiais militares começaram a seguir o celular roubado por conta do aplicativo de localização que estava ligado. Ailton e um amigo estavam de moto indo comprar cigarros em uma adega. Os PMs pararam os dois e deram voz de prisão. Eles não estavam nem com o dinheiro e nem com o celular, mas foram levados para a delegacia. Os policiais disseram que tinha outra moto, mas essa fugiu.

Na delegacia, segundo o registro da ocorrência, as vítimas reconheceram Ailton como o assaltante que entrou no carro e agrediu a passageira. A família de Ailton contesta a versão dos policiais e afirma que ele foi preso por ser negro. “Tenho medo que o racismo deixe meu irmão lá, esquecido. O nosso país é racista”, diz Alessandra.

A assessoria da Polícia Civil afirmou, em nota, que o rapaz foi preso em flagrante, o inquérito relatado e está preso preventivamente por decisão judicial. No entanto, a assessoria não respondeu à reportagem sobre os procedimentos que levaram ao reconhecimento do Ailton como um dos criminosos. A Polícia Civil também não esclareceu o porquê não foi investigado o paradeiro do celular roubado ou as evidências que podem comprovar a inocência do rapaz.

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