Na terceira fase do censo da população de rua da cidade de São Paulo, prevista para ser concluída ainda em 2022, deve ser apresentado um relatório temático de identificação das necessidades, segundo os dados socioeconômicos, das cerca de 31,8 mil pessoas estão desabrigadas na capital. Porém, o censo não tem informações sobre cor ou raça de aproximadamente 9,5 mil pessoas em situação de rua, o que representa 30% do total.
A Prefeitura pagou R$ 1,7 milhão pelo censo feito pela empresa Qualitest Inteligência em Pesquisa, de acordo com critérios e metodologia científica, no final de 2021, por cerca de 220 recenseadores contratados pela empresa.
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“Não ter recorte de raça de 30% é um descompromisso muito grande com o combate ao racismo estrutural. É um número significativo de pessoas em vulnerabilidade e que continuam invisibilizadas. Como pode haver alguma perspectiva séria de implantação de políticas públicas se não tem o mínimo de dados sobre a identificação dessas pessoas”, questiona o advogado Flávio Campos, que também é militante da luta antirracista.
Segundo o edital da prefeitura, o objetivo do censo seria: a identificação quantitativa e espacial da população em situação de rua na cidade; o perfil socioeconômico completo dessa população; e as necessidades específicas encontradas com base nos resultados detalhados dos dois primeiros levantamentos.
“Ao meu ver essa pesquisa foi equivocada ao desprezar a importância do recorte racial no planejamento. Foi uma metodologia errada. Será mais difícil aplicar recursos públicos, por exemplo, na área da saúde para a população negra, que tem uma política específica, se não tem o recorte racial de três em cada grupo de dez pessoas na rua”, diz Robson César Correia Mendonça, presidente do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo.
A Qualitest Inteligência em Pesquisa, que segundo a prefeitura é uma empresa especializada em levantamentos do gênero, foi contratada no mês de setembro de 2021 por meio de pregão eletrônico para fazer o censo da população de rua. De acordo com a própria prefeitura, o resultado geral do censo será importante para a elaboração de políticas assistenciais, aplicação de recursos públicos e planejamento dos programas do governo.
“Sem o dado racial completo não tem informação qualitativa ou quantitativa suficiente para implementação das medidas necessárias. O dinheiro público foi usado em um censo que não contempla a realidade da população negra”, explica o advogado Campos.
O levantamento anterior, de acordo com a SMADS (Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social), foi feito em 2019 e apontou que existiam 24.344 pessoas vivendo nas ruas. Agora, os dados do censo da Qualitest mostram 7.540 pessoas a mais em dois anos de intervalo.
Das cerca de 22,6 mil pessoas em situação de rua que declaração a cor ou raça na pesquisa da Qualitest, foram 10,9 mil pardos e 5,5 mil negros. Pela legislação municipal, o próximo censo deveria ser feito apenas em 2023, porém, a prefeitura antecipou o estudo para que também pudesse ser analisado o impacto da pandemia de Covid-19.
A Alma Preta Jornalismo questionou a SMADS sobre a falta de informações completas sobre a cor e a raça da população de rua da capital. A pasta informou que o critério de autodeclaração de cor e raça é usado desde o início da série histórica dos censos de população de rua, iniciada em 2000. Além disso, os resultados obtidos na série histórica identificam maioria preta e parda nas ruas.
Em nota a secretaria diz que “entende o racismo como estrutural também na cidade e, neste sentido, todos os profissionais da rede socioassistencial que atuam na abordagem de pessoas vivendo em situação de rua e/ou nos centros de acolhida estão preparados para atender às demandas da população negra”.
A pasta também destacou que existem condições específicas em torno de um levantamento que envolve a população de rua. “Um censo demográfico, ou mesmo de uma pesquisa de fundo eleitoral, por exemplo, público alvo e condições de abordagem, têm características diferentes das encontradas durante o trabalho de pesquisa de campo com pessoas em situação de rua”, diz a nota. Em 2019, o percentual de pessoas que não responderam à pergunta de raça e cor foi de 26%.