Más condições nas estradas e fortes chuvas, que arrastam casas, atrapalham a comunicação e o acesso à cidade, são as mais recentes dificuldades que a comunidade quilombola e caiçara do Camburi enfrenta. O quilombo, localizado na cidade de Ubatuba – litoral norte de São Paulo – , próximo a Paraty, no Rio de Janeiro, tenta se restabelecer após as tempestades que assolaram a região recentemente. Com o grande volume de chuvas, a comunidade do Camburi passou dias isolada, devido aos inúmeros deslizamentos de terra nas estradas adjacentes.
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A entrega de insumos aos moradores foi feita por mar enquanto a Defesa Civil tentava liberar parcialmente a rodovia BR 101, que estava fechada. A energia elétrica demorou dias para ser religada, o que atrapalhou a comunicação dos quilombolas para além dos limites da comunidade. É o que conta o biólogo e escritor Santiago Bernardes, um dos coordenadores do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra-Paraty-Ubatuba, movimento social dos povos caiçaras, indígenas e quilombolas dessas três cidades.
“Além de todos esses problemas que as chuvas causaram, os rios, córregos e veios d’água, que servem à comunidade, foram prejudicados pelo barro. E não podendo sair, a alimentação também foi afetada, pois perdemos o acesso à saída do quilombo para buscar alimentos”, ressalta o escritor.
A assistência social do município foi fundamental nos últimos dias, de acordo com Santiago. Ele destaca que, além da doação de cestas básicas, a entidade se dirigiu até Camburi para discutir benefícios que podem ser concedidos aos quilombolas e caiçaras, prestando – mais que um socorro emergencial – solidariedade. No entanto, ele pontua que a comunicação com a Prefeitura Municipal de Ubatuba “é muito insuficiente”.
Falta de titulação prejudica direitos dos quilombolas
Residente do Camburi, Santiago explica que a comunidade não possui ainda a titulação de terras, mas é autorreconhecida enquanto quilombola e caiçara perante o Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo) desde 2004. Cerca de 50 famílias ocupam a área há aproximadamente 150 anos. O local é extremamente valorizado como ponto turístico, segundo informações da Prefeitura Municipal de Ubatuba.
Relatos dos moradores da comunidade contam que um grupo de negros, liderado por uma escravizada chamada Josefa, vieram fugidos de fazendas da região de Paraty, no Rio de Janeiro. Eles teriam sido os primeiros a ocupar a área do Camburi, tanto que alguns moradores se referem à escravizada Josefa como uma “parenta” distante e o lugar onde ela teria se refugiado até hoje se mantém na comunidade como um marco histórico: a Toca da Josefa.
Apesar dos esforços do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra-Paraty-Ubatuba, e também da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), a morosidade do estado de São Paulo e também da Fundação Cultural Palmares (FCP) tornam a titulação uma possibilidade cada dia mais distante, segundo Santiago, o que gera mais problemas para a comunidade, que acaba por ficar sem respaldo em algumas questões.
“O Camburi é sobreposto por dois parques de conservação integral, que interferem na vida da comunidade com restrições ambientais baseadas em modelos de conservação que são autoritários. Essa proteção integral não se adequa às necessidades do quilombo, que já estava presente no território, preservando e garantindo seu uso sustentável por meio de práticas ancestrais”, explica.
Os parques pontuados por Santiago são: Parque Nacional da Serra da Bocaina e Parque Estadual da Serra do Mar. Por conta dessas áreas de preservação, atividades como agricultura e pesca foram restritas aos quilombolas. “O Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] não toma atitude perante essa situação e a Fundação Palmares menos ainda”, aponta Santiago.
Falta de segurança, transporte e evasão escolar
Contudo, os quilombolas do Camburi sofrem com outras coisas que independem do clima, como falta de segurança pública na área, principalmente em época de temporada turística – por se tratar de uma região litorânea. Com o alto número de visitantes, assaltos ocorrem nas estradas para o quilombo e nada é feito para garantir a segurança dos quilombolas, segundo o escritor.
Além disso, a comunidade do Camburi conta apenas com uma escola no território, mas que somente atende estudantes nos primeiros ciclos de educação. O ensino médio, portanto, deve ser cursado no centro de Ubatuba, que fica a 44km do quilombo.
A distância entre Camburi e a escola, bem como as más condições das estradas e falta de transporte público de qualidade são determinantes para mais um percalço: a evasão escolar.
“Os estudantes, a partir da 5ª série, precisam se locomover para a escola do Puruba, comunidade caiçara vizinha. Mas para cursar o ensino médio, a dificuldade aumenta. A estrada de acesso da rodovia ao Camburi tem, em média, 3,5 km, e está em precárias condições”, salienta Santiago.
“A Prefeitura de Ubatuba não resolve. A empresa de ônibus [Verdebus] não disponibiliza o suficiente. São apenas três ônibus por dia, e apenas de segunda à sexta. Esses são os principais motivos da evasão escolar”, finaliza.
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Prefeitura Municipal de Ubatuba para repercutir as informações a respeito da falta de transporte para a comunidade quilombola e caiçara do Camburi e questionou a possibilidade de ampliação da escola no território. Outro ponto perguntado à entidade foi em relação às condições da estrada que leva para o interior do quilombo e quais os próximos passos para normalizar o acesso ao Camburi devido às chuvas. A empresa Verdebus de ônibus também foi contatada.
Além disso, o Incra também foi procurado, bem como a Fundação Cultural Palmares, a respeito do andamento do processo de titulação da comunidade tradicional. Sobre a segurança, a Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo e a Guarda Civil Municipal foram acionadas.
A SSP respondeu o seguinte:
“As ações de patrulhamento na região de Ubatuba são reorientadas e intensificadas constantemente, de acordo com as dinâmicas criminais. No primeiro bimestre de 2022, o trabalho das forças policiais resultou na prisão de 98 criminosos e apreensão de 15 armas de fogo ilegais. A Polícia Civil não localizou registros de ocorrências relacionadas a roubos de veículos na região apontada pela reportagem. As forças policiais ressaltam a importância do boletim de ocorrência, para que os crimes sejam investigados e para auxiliar nas estratégias de policiamento na área. Os registros podem ser feitos nas delegacias territoriais ou na Delegacia Eletrônica”.
Até o momento, nenhum dos outros órgãos se pronunciou. Caso respondam, o texto será novamente atualizado.
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