O Alma Preta fez levantamento sobre o índice de desenvolvimento humano municipal das cidades com as melhores classificações no ranking e investigou qual é o status dos municípios com maioria populacional negra
Texto / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / Marcello Casal Jr. / Agência Brasil
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Salvador, capital da Bahia, é a cidade brasileira com maior população negra em termos proporcionais que tem o melhor IDHM (índice de desenvolvimento humano municipal) do Brasil. A população do município é composta por 75% de pessoas pretas e pardas – 2,126 milhões de negros de um total de 2,675 milhões de pessoas – e tem IDHM total de 0,759, considerado alto. A cidade ocupa a posição 383ª no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil.
Dentro desse cenário, o indicador para a população branca na capital baiana é 0,841, considerado muito alto segundo o mesmo Atlas. Já o IDHM da população negra é 0,737, considerado alto pela mesma pesquisa.
Conforme parâmetros do Atlas, feito por meio de parceria entre o PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento), IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e Governo Federal, o IDHM pode ir de 0 a 1.
O indicador será mais alto quando estiver próximo a 1 e mais baixo quando estiver perto de 0. Conforme o grau de desenvolvimento da cidade em questão, o índice pode ser muito alto (acima de 0,800), alto (entre 0,799 e 0,700), médio (entre 0,699 e 0,660), baixo (entre 0,599 e 0,500) e muito baixo (inferior a 0,499).
Para efeito de comparação, Florianópolis (SC) é a capital federal com o melhor IDHM, de 0,847 – a cidade tem o terceiro indicador entre todas as cidades do Brasil. Ao desagregá-lo entre grupos raciais, o índice da população branca é 0,863, enquanto o de pretos e pardos é 0,763. Vale dizer que a cidade tem apenas 14,7% de população negra.
Tais informações foram comparadas com os dados obtidos no Censo 2010, feito pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Pesquisa e Estatística), que abrange informações relacionadas às características da população brasileira, como classe socioeconômica, faixa etária, média de longevidade e etnia; e o Mapa da População Preta & Parda, desenvolvido pela equipe do Laeser (Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas das Relações Raciais), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Ainda em termos proporcionais, a cidade brasileira que tem a maior população preta e parda é Serrano do Maranhão (MA), com 94,5% do total. A cidade tem IDHM de 0,519, considerado baixo, e ocupa a posição 5.461 no ranking entre o total de 5.565 municípios .
Na sequência entre os municípios com maior população relativa composta por pretos e pardos estão Terra Nova (BA), com 93,2% da população e IDHM de 0,578 (posição 4.670); Teodoro Sampaio (BA), com 92,6% da população e IDHM de 0,594 (posição 4.284); Pedrão (BA), com 92,5% da população e IDHM de 0,588 (posição 4.444); e Salinas da Margarida (BA), com 92,1% da população e IDHM de 0,617 (posição 3.756).
O IDHM médio no Brasil é 0,727, o que é considerado alto. No entanto, o indicador médio da população branca é 0,777 – alto e acima da média nacional –, ao passo que o IDHM da população negra é 0,679 – médio e abaixo do índice brasileiro. No ranking geral, o município com o melhor IDHM é São Caetano do Sul (SP), com 0,862.
Foto: José Cruz / Agência Brasil
Mais dados para comparação
São Paulo é a cidade que tem a maior população preta e parda em termos numéricos, com 4,169 milhões de pessoas entre os 11,2 milhões de habitantes. A capital do estado homônimo tem 37% da população total composta por negros. O IDHM da cidade é 0,805.
Desse modo, São Paulo está no 28º lugar no Atlas de Desenvolvimento Humano, empatado com Porto Alegre, capital do Rio Grande do Sul; Campinas, São Carlos e São Bernardo do Campo, municípios situados no estado de São Paulo. Ao se levar em conta os critérios de desempate, a cidade está na 30ª posição.
Um aspecto a ser levado em conta sobre o IDHM de São Paulo diz respeito à disparidade entre os indicadores para pessoas brancas – 0,839, muito alto – e para pretos e pardos – 0,740, ou seja, alto.
Foto: CNM / CUT
O que se pode interpretar?
A disparidade entre cidades com IDHM elevado e municípios com maioria populacional negra é veemente.
Fatores históricos e socioeconômicos têm influência nessa área, como a concentração da população preta e parda nas regiões Norte e Nordeste, assim como a presença significativamente menor desse grupo na região Sul.
Apesar de a disparidade de indicadores entre as populações negra e branca, alguns cuidados devem ser tomados durante as análises de tais dados.
“Se trabalharmos com a lógica de que o índice maior de população negra em uma cidade significa baixo IDHM, no que diz respeito à baixa qualidade de vida e ao transporte, à educação, à saúde e renda, de modo geral, pode-se entender que sim [há disparidades entre indicadores de brancos e negros]. Mas é necessário ter muito cuidado em estabelecer vínculo entre a presença de população negra e a baixa qualidade ou falta de políticas públicas”, explica Dagoberto José Fonseca, docente da Faculdade de Ciências e Letras do campus de Araraquara da UNESP (Universidade Estadual Paulista) e coordenador do CLADIN (Centro de Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra).
Os cuidados são importantes para que não se cristalize uma falsa inabilidade do negro na administração pública e para que não haja uma reprodução do racismo, explica Dagoberto.
“Deve-se ter muito cuidado em fazer certas relações, pois elas podem nos colocar diante de quadro político [o qual induz a] dizer que a população negra não sabe fazer gestão pública”.
Tais dados mostram que a desigualdade socioeconômica existente entre as populações negra e branca são grandes a ponto de parecer que os dados são relativos a continentes diferentes.
“No Brasil, a população negra encontra-se em patamares de diversos países pobres no continente africano. Do outro lado, encontramos na população branca algo muito próximo do que é a Escandinávia”, reforça Dagoberto.
Ainda dentro desse panorama, o status financeiro da cidade, seja pelo o que produz ou pela concentração de renda, tem influência nesse cenário.
“É verdade que o desenvolvimento econômico se concentrou no Sul e no Sudeste do país. Com certeza, essas duas trajetórias históricas influenciam diferentes níveis de IDH ainda nos dias de hoje”, destaca Irene Rossetto, doutora em sociologia da USP (Universidade de São Paulo) e pesquisadora sobre como a influência financeira da região, concentração de renda e o acesso a serviços públicos influenciam na diferença do desenvolvimento humano.
Apesar dos avanços socioeconômicos observados nas últimas décadas e no consequente aumento da qualidade de vida, é visível a diferença do nível de infraestrutura entre brancos e negros. E o cenário econômico atual pode ter influência nada positiva nas próximas análises.
“Se por um lado, observamos avanços, as assimetrias ainda são muito elevadas em quase todos os aspetos. E, infelizmente, acredito que a recessão econômica nos últimos anos, a reforma trabalhista e os cortes nas políticas públicas recentes influenciarão em novo aumento na distância social entre a população branca e negra”, finaliza Irene.