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Cineastas negras e negros se mobilizam em defesa do audiovisual brasileiro

8 de maio de 2019

O Encontro em Defesa do Audiovisual Brasileiro reuniu profissionais do setor em seis capitais do país

Texto / Amanda Lira e Gabriel Araújo | Imagem / Gabriel Araújo | Edição / Simone Freire

Cineastas, estudantes e profissionais do setor audiovisual se reuniram, no dia 29 de abril, em diferentes capitais do Brasil – Belo Horizonte (MG), São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ), Curitiba (PR), Salvador (BA) e Aracaju (SE) – para discutir os impasses relacionados ao cenário presente do setor audiovisual brasileiro.

As discussões do encontro, mobilizado pela Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro (APAN), vêm em um momento delicado: se o cenário é de crise para o audiovisual como um todo, cineastas negros e negras ainda se encontram no fim da cadeia de fomento, com dificuldades para acessar aos editais e às políticas públicas que sustentam o setor.

“É impressionante você entrar numa grande produção do cinema e não ver negro nenhum. Nem mulher!”, constatou Cida Reis, produtora de elenco do filme “Vazante”, de Daniela Thomas e diretora de “Marias do Misericórdia”, de 2007.

A cineasta ainda fez referência ao estudo mais recente realizado pela Ancine, revelando que nenhuma mulher negra dirigiu um longa lançado comercialmente em 2016. Segundo o levantamento, dos 142 filmes nacionais lançados naquele ano apenas 2% tinha na direção um homem negro.

Ainda segundo a pesquisa, apenas um a cada cinco filmes foram dirigidos por mulheres brancas, enquanto homens brancos dominavam o setor com 75,4% das direções. “É um momento muito propício para discutir com a Ancine a questão do fomento. A gente só ganha se a Ancine tiver uma política audiovisual de fomento”, disse Reis.

Políticas específicas para grupos à margem

“Quando corta [o orçamento] como um todo, esses grupos que já eram marginalizados vão ser ainda mais”, sinalizou Pablo Moreno, doutor em Ciências da Comunicação pela ECA-USP e professor dos cursos de Comunicação e Cinema da PUC-MG, durante o encontro.

Leo Vidigal, professor da Escola de Belas Artes da UFMG, concordou. Ele vê o cenário com preocupação, principalmente num momento em que a universidade, ainda um importante espaço de formação para novos cineastas, se tornou mais inclusiva e democrática.

Já o cineasta Gabriel Martins aproveitou de sua experiência para deixar um conselho aos presentes. “Para além da gente ser otimista ou pessimista, acho que é o momento de a gente ser realista. É importante estar informado”, aconselhou Martins, que é um dos produtores, diretores e roteiristas da Filmes de Plástico, produtora de Contagem que completa dez anos em 2019. No ano passado, a produtora levou o Candango de melhor filme em Brasília (DF) com o longa “Temporada”, de André Novais Oliveira.

O setor audiovisual vive um momento de crise sobretudo depois que o diretor-presidente da Ancine, Christian de Castro, suspendeu o repasse financeiro para a produção de filmes e séries nacionais. O anúncio, realizado na véspera do feriado do dia 18 de abril, é mais um capítulo da longa questão envolvendo a Agência Nacional do Cinema (Ancine) e o acórdão do Tribunal de Contas da União (TCU).

“Acho que pra gente que está começando no cinema é interessante estar discutindo isso”, afirmou Jacson Dias, produtor audiovisual da Ponta de Anzol, membro da APAN e um dos organizadores do encontro. “Esse governo achou que a gente ia desistir e a gente não desiste fácil. Então eu acho que só está começando. É nesse momento de convulsão social que a gente tem mais força”, reforça Jacson, que vê na emergência de cineastas da negritude e da periferia um importante ponto de virada para o audiovisual brasileiro como um todo.

Foto 13 SPO evento reuniu cineastas e pesquisadores do setor audiovisual. 

Embora mobilizados por negros e negras, os encontros contaram com a participação de diversos integrantes do setor. Entre outros temas, os participantes discutiram a necessidade da efetivação de políticas públicas que garantam a manutenção das conquistas alcançadas, com destaque para a regionalização das verbas.

Presente no encontro promovido em São Paulo, a presidente da APAN, Viviane Ferreira, reconhece os resultados da discussão difundida pelo país. “O saldo positivo foi perceber o setor inteiramente mobilizado e os profissionais do audiovisual apropriados de sua identidade e dispostos a defender a indústria audiovisual nacional”, ressalta. “No final das contas, todos nós saímos conscientes de que a grande batalha dos novos tempos políticos do país é a defesa da soberania nacional”, destaca, mencionando a importância de defender a produção brasileira frente ao conteúdo e capital estrangeiro.

Fundada em maio de 2017, a Associação dxs Profissionais do Audiovisual Negro está presente em todo o território nacional, trazendo uma perspectiva inclusiva, com recorte racial e de gênero, para discutir as políticas audiovisuais a nível nacional. Atualmente, 213 participantes compõem o grupo da APAN no WhatsApp.

Segundo Viviane Ferreira, os “profissionais negros não se permitirão estar às margem do processo produtivo da cadeia audiovisual. As empresas vocacionadas para produzir, distribuir e exibir conteúdos identitários buscam espaço no mercado, e estão ávidas para comunicar com 51% de pessoas pardas e negras que formam a população brasileira”.

Entenda o impasse com o TCU

Embora existam investimentos privados ou diretos em algumas produções específicas do cinema nacional, é possível dizer que o setor hoje sobrevive por meio do incentivo público. Essa verba é acessada através da Ancine e do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA) ou de políticas de fomento a níveis municipal e estadual.

Por se tratar de dinheiro público, o proponente que angaria recursos para sua produção audiovisual precisa prestar contas de todo o dinheiro utilizado, seguindo determinações precisas do Manual de Prestação de Contas da Ancine. Acontece que, por conta da enorme quantidade de projetos em andamento em todo o território brasileiro, a Ancine não dispõe de pessoal para analisar, uma a uma, todas as prestações de contas enviadas. É nesse ponto que o acórdão do TCU toca.

“O TCU não tem dimensão do tamanho que é a produção audiovisual do Brasil”, critica Renato Cândido, vice-presidente da APAN. O Tribunal critica o modelo Ancine+Simples, forma encontrada pela Agência em 2015 para agilizar os processos de análise de prestações de contas. O ponto é que tal modelo funciona por amostragem: apenas 5% das prestações enviadas são analisadas pelos funcionários da empresa.

“De fato, existem prestações de contas que não foram avaliadas. Mas o próprio sistema de avaliação de prestação de contas é estatístico: você não avalia todas as prestações, você avalia uma parte. E essa estatística já se encontra aprovada pela Controladoria Geral da União, a CGU. Ela é entendida como um bom mecanismo de observação”, afirma Cândido.

A APAN defende o modelo, porém destaca que é necessário um aprimoramento na análise das prestações. Contudo, seu vice-presidente vê, na atitude do TCU, um claro exemplo do uso da Justiça para o aparelhamento do mercado audiovisual nacional. “Isso vai causar desemprego, vai causar uma quebra no setor. Quanto mais tempo ficarmos nessa, vai ser pior”, explica.

Enquanto a situação não se regulariza, a APAN propõe atuar com amparo jurídico para os associadas e as associadas que estão com projetos embargados pela suspensão do repasse dos recursos.

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