Faculdade é uma das mais elitistas do país com mensalidades entre R$ 2.890 e R$ 3.788. A política de bolsas adotada pela ESPM não é suficiente para a entrada de jovens negros e periféricos na universidade, apontam estudantes.
Texto / Pedro Borges
Imagem / Caio Timpone Corradini/Coletivo Afroria
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No dia 12 de Abril, o debate o “Negro no mundo dos brancos: como é a vivência de um negro na sociedade atual” marcou a fundação do coletivo Afroria na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) em São Paulo.
Para construir o grupo, os estudantes se encontram e mantêm diálogos desde o segundo semestre de 2016, quando alguns alunos sentiram a necessidade de aproximar os cerca de 20 ou 30 estudantes pretos e pardos da ESPM, como calculam os integrantes do Afroria.
As reuniões do coletivo, formado até o momento por 4 pessoas, são fechadas para os estudantes negros, que pretendem convidar os funcionários da ESPM a participar dos encontros e das formações. O grupo também reforça o convite para os alunos não negros acompanharem os debates abertos e os eventos do Afroria.
O nome surgiu da união entre as palavras “Afro” e “Euforia”, que representam o estado de emoção dos jovens negros ao construir o coletivo. No primeiro momento, os integrantes pensaram em homenagear figuras como Malcolm X, ou Dandara dos Palmares, mas o receio de apresentar ideias diferentes desses ícones fez os alunos optarem por Afroria.
Entre as motivações para construir o grupo, Guilherme Biazão, estudante de Publicidade e Propaganda, afirma a necessidade de discutir a questão racial durante a formação. “Como a ESPM, que se põe como melhor faculdade de comunicação da América Latina, não conscientiza os alunos sobre isso?”.
O grupo tem mantido diálogo com os coletivos Coralina, feminista, e Prisma, LGBT, também da ESPM e com grupos de outras universidades para, a partir de diferentes experiências, construir atividades na faculdade, segundo Yara Eleutério, graduanda em administração. “Em parceria chegamos mais fortalecidos. A gente pensa muito em trazer eventos para dentro do espaço. A maior questão é o respaldo de infraestrutura de fato da ESPM, por conta da burocracia interna”.
Os Centros Acadêmicos e o Diretório Acadêmico também estão na mira do coletivo para a construção de políticas e para pressionar a ESPM de maneira conjunta, quando necessário.
Ana Reis, estudante de jornalismo, acredita que, além de se aproximar do movimento estudantil, os coletivos têm a missão de politizarem esses espaços. “As entidades representativas dentro da faculdade não são nem um pouco politizadas. Elas nunca se manifestam em nada, elas nunca colocam a opinião. Acontece impeachment, reforma da previdência, e se mantém o silêncio”.
Programa de bolsas por mérito é insuficiente, segundo coletivo
Uma das primeiras sensações despertadas ao entrar na ESPM e em outras universidades brasileiras é a falta de estudantes negros. Mesmo que nas faculdades públicas a quantidade seja também muito baixa, os fatores para essa não entrada são mais complexos.
A não presença de estudantes negros na ESPM tem uma explicação óbvia para os integrantes do coletivo, a mensalidade. Para Ana Reis, estudante de jornalismo, o valor é absurdo e aumenta todo o semestre.
No site da universidade, as mensalidades iniciais de alguns dos cursos são as seguintes: ciências sociais e do consumo, R$ 2.890,00; Administração, R$ 3.772,00; Design, R$ 3.702,00; Jornalismo, R$ 3.598,00; Publicidade e Propaganda, R$ 3.788,00; Relações Internacionais, R$ 3.772,00.
A imagem da ESPM enquanto faculdade destinada à elite também diminui o interesse da comunidade negra, de acordo com Ana. “Se você é negro ou periférico, você não vai se identificar com aquela faculdade. Não tem alunos pretos, não tem ninguém parecido comigo, quem dirá professores negros”.
No site oficial da universidade, a ESPM tem uma seção destinada a apresentar seu programa de bolsas de estudo, tido pela entidade como “parte de um campo mais amplo de responsabilidades defendido pela instituição que é inclusão social e o estímulo à permanência”.
Uma das possibilidades de se adentar na ESPM é por meio da “bolsa de estudo meritocrática”, que oferece descontos para 5 pessoas em cada um dos cursos da universidade. Das bolsas oferecidas, 3 são dedicadas a estudantes de escolas públicas e 2, de privadas. Em ambos os casos, o critério é a melhor colocação no vestibular.
O primeiro colocado do vestibular proveniente de escola pública recebe uma bolsa de 90%, o segundo de 80% e o terceiro de 75%. Como a universidade tem 7 cursos, são oferecidas todo ano, 21 bolsas de estudo. Para estudantes provenientes de escolas particulares, os descontos oferecidos são menores. De 60% e 40% para primeiro e segundo colocados, respectivamente, o que totaliza outras 14 bolsas de estudo.
Ana questiona o conceito de meritocracia adotado pela universidade. Para ela, o processo histórico de escravidão de negras e negros garante uma condição privilegiada aos brancos para melhor superarem desafios sociais e inclusive se preparem para o vestibular. “Não é à toa existirem mais brancos ricos do que os pretos. Não existe esse lance de meritocracia. Só de entrar na ESPM a gente sabe que não”.
Outra possibilidade para ingressar na ESPM é por meio da “bolsa social” que leva em consideração o desempenho no vestibular e o critério socioeconômico. Para se inscrever, a família precisa ter até 15 salários mínimos brutos. O salário mínimo levado em consideração pela ESPM é de R$ 1.017,00. Ou seja, o teto para receber a “bolsa social” representa uma renda bruta de até R$ 15.255, ou uma renda média per capta de R$ 3.813,75 para uma família com 4 pessoas e R$ 5.085 para uma família com 3 pessoas. Os dados mais recentes do IBGE sobre renda per capta no Brasil são de 2015 e apontam para o valor de R$ 1.113.
Para famílias com rendimentos familiares brutos de 1 a 7 salários mínimos, a ESPM oferece desconto de 75% no valor da matrícula e da mensalidade. Levando em consideração o curso de Publicidade e Propaganda, com mensalidade de R$ 3.788,00, o aluno nesta condição pagaria todo mês um boleto de R$ 947, quase a totalidade de um salário mínimo. Para as famílias entre 8 e 15 salários mínimos brutos mensais, o desconto é de 50% da mensalidade.
Yara Eleutério acredita na impossibilidade da atual política inclusiva da ESPM aumentar a diversidade socioeconômica e racial nos cursos. Para ela, melhorar essa proposta deve ser uma das principais pautas do coletivo negro. “A gente quer diversificar o perfil dos alunos. É uma coisa que o coletivo tem que abraçar, que é discutir com o setor de bolsa um recorte racial, um recorte menor de renda, senão os negros não vão ter acesso à universidade. A nossa grande briga lá dentro é a revisão das bolsas, que precisa ser refeita”.
A equipe de reportagem do Alma Preta entrou em contato com a universidade e até o fechamento desta matéria não houve retorno.