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Com poucos espaços públicos de lazer, periferias de São Paulo contam com projeto de jogos manuais ​

18 de julho de 2019

Apesar de leis sobre direito ao lazer e de condições plenas de desenvolvimento, crianças nas periferias sofrem com ausência de espaços adequados

Texto / Lucas Veloso | Edição / Pedro Borges | Imagem / Divulgação

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O designer Luan Barbosa tem seis sobrinhos e mora no Grajaú, periferia na zona sul de São Paulo, e nos fins de semana é o responsável por cuidar das crianças.

Ele gosta de levar os pequenos para brincar, mas segundo ele, perto de sua casa, há poucos espaços públicos em que pode ir. Na maioria dos casos, recorre ao shopping ou algum parque de diversão privado para divertir.

“Toda semana é um desafio pensar o que fazer com eles e onde levar. Aqui na região, a gente encontra poucas opções e quando tem algo, o local é precário, como as quadras de futebol no bairro”, exemplifica Barbosa.

Em outubro passado, a pesquisa Viver em São Paulo: A criança e a cidade ouviu 800 paulistanos com 16 anos ou mais para entender a relação das crianças com a cidade.Das pessoas que responderam, 44% eram pretos e pardos.

Feito pela Rede Nossa São Paulo e o Ibope Inteligência, o levantamento mostrou que os parquinhos foram os espaços públicos mais mal avaliados e a principal dificuldade encontrada por quem circula com crianças e adolescentes pela cidade é a lotação do transporte público.

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Parquinhos foram os piores avaliados em pesquisa da Rede Nossa São Paulo | Foto: Eduardo Silva/Agência Mural

No evento de lançamento da pesquisa, Marisa Villi, diretora executiva da Rede Conhecimento Social e integrante do GT (Grupo de Trabalho) Criança e Adolescente da Rede Nossa São Paulo, defendeu a necessidade de instalar mais equipamentos e espaços públicos para crianças e adolescentes nas periferias.

“As melhores avaliações dos equipamentos públicos foram feitas na região central, onde tem o menor número de crianças e adolescentes”, apontou Marisa, ao avaliar os resultados da pesquisa. “É necessário pensar em uma melhor distribuição desses equipamentos pela cidade”, indicou.

“Podia ter um pensamento sobre a qualidade dos espaços em toda cidade, e não somente nas áreas nobres. Afinal, criança gosta de brincar e precisa ter lazer, mas se perto de casa não tem opções, como a gente fica?”, questiona Barbosa.

Caravana Lúdica

A Caravana Lúdica surgiu em setembro de 2013. Thiago Maia Attié e Ricardo Paiva Marques, em parceria com o professor Ivan Andres Peña Jonshon, estudioso e entusiasta dos jogos do mundo. Eles realizaram a primeira apresentação de jogos do mundo na praça Elis Regina, zona oeste de São Paulo. 

A partir dos conhecimentos compartilhados com o professor, o grupo passou a pesquisar e construir jogos do mundo com material reciclável e realizar apresentações em locais de acesso público, difundindo o conhecimento de jogos de povos e culturas.

Em 2014, além das apresentações o grupo passa a realizar oficinas de construção de jogos do mundo, realizando encontros onde cada participante constrói seu próprio tabuleiro de jogo do mundo com material reciclado.

Atualmente o grupo conta com 3 integrantes (Thiago, Vanessa e Maria), mas já trabalharam mais de 10 apresentadores no projeto..

Vanessa Ribeiro estuda pedagogia. Ela, nascida e crescida em São Paulo, percebeu desde muito nova, a ausência de espaços adequados e atividades de lazer para as crianças nas regiões mais afastadas do centro da cidade.

Para ela, o objetivo é promover lazer nos bairros. No início, eram apenas 3 jogos construídos com material reciclado. Hoje, conta com cerca de 40 opções, todos manuais e feitos com reciclados.

“Assim como vemos a falta de estrutura nas redes de esgoto e de eletricidade, na falta de asfaltamento e de órgão de saúde, também vemos a falta da opção de lazer nessas áreas, menos visitadas pelas políticas públicas”, critica Maia.

“Isso faz com que quem mora nas periferias tenha um longo deslocamento, não só para sacar dinheiro em um caixa eletrônico, por exemplo, mas também para consumir diferentes tipos de lazer”, analisa.

O projeto foca os locais públicos e realiza atividades em parques, praças, ruas de lazer, e casas culturais nas periferias da Grande São Paulo, como Capão Redondo, Campo Limpo e zona leste, como a Vila Curuçá.

Para Vanessa, a atração é bem recebida nos bairros e promove a integração de pessoas em diferentes faixas etárias, já que é comum as crianças, depois de aprenderem as regras repassarem aos outros o aprendizado.

“A recepção é bem legal. O idoso joga com a criança e adolescente. Por exemplo, no Campo Limpo, as pessoas já conhecem a história e os modos de jogar, então as próprias crianças apresentam para os demais”, destaca.

“Os menores são mais livres na questão da jogabilidade. Os adultos têm um medo de perder, as crianças são mais abertas a esse mundo. A ideia é que todos acessem os jogos do mundo nas atividades”, observa.

Jogos africanos

O projeto trabalha com jogos dos 5 continentes, de diferentes períodos., inclusive com brinquedos africanos. “Esses jogos são importantes porque a África é o berço da civilização humana, e também dos jogos”, destaca Vanessa.

O Mancala é um jogo do continente africano, que pode ter até 8.000 anos. Conhecido por vários nomes, é chamado de Wari, no Sudão, no Gâmbia, Senegal e Haiti; Aware, no Burkina, ex-Alto Volta; Adi, no Benin, ex-Daomé; Baulé, na Costa do Marfim, Filipinas e Ilhas Sonda; Ayo, na Nigéria, por exemplo. No Brasil, as pessoas escravizadas o chamavam de Adi.

Em geral, são jogados sobre tabuleiros de madeira, com duas ou mais fileiras alinhadas, as chamadas casas. A quantidade de fileiras, bem como a quantidade de casas depende do tipo de mancala. As peças costumam ser sementes secas e até conchas pequenas.

Feito para dois jogadores, o objetivo é capturar o máximo de sementes. A organização é colocar quatro sementes em cada um das casas. Cada jogador fica diante de uma fileira de seis buracos, os seus ‘campo’. As duas áreas maiores, nas pontas do tabuleiro, não são usadas no jogo, mas servem para colocar as sementes capturadas. No fim, ganha quem tiver capturado mais sementes.

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Crianças aprendem jogos manuais no tabuleiro | Foto: Divulgação

O Senet é outra possibilidade. Do antigo Egito, pode ter até 3.500 anos. As idades não são unanimidade entre os estudiosos, mas trazem a dimensão de quão antigos podem ser.

Para os egípcios, o jogo tinha um significado religioso, embora fosse praticado como diversão. Ele representava a viagem do Ba (a “alma”) pelas terras do outro mundo e sua luta contra as forças do Mal e os inimigos de Osíris, o deus dos mortos. O êxito no jogo correspondia ao sucesso do Ba em sua difícil trajetória rumo à vida eterna.

Jogado sobre um tabuleiro de 3 x 10 casas, com sete peças para cada jogador e o auxílio de quatro dados especiais – chamados “egípcios” -, os dados egípcios podem cair com a face reta ou curva para cima, o que gera os resultados.

“A difusão destes conhecimentos colabora para o reconhecimento dos povos do mundo. Desta forma estamos deixando um pouco das culturas que formaram a nossa civilização com costumes expressos nos jogos, sobretudo quando trabalhamos com as crianças negras”, pontua Vanessa.

Equipamentos de lazer nas periferias

A promoção do lazer é algo importante na infância. O Estatuto da Criança e Adolescente, o ECA, em seu quarto artigo determina: “é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos à vida”.

Além disso, “à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, à convivência familiar e comunitária”, com o objetivo de garantir desenvolvimento na sociedade.

Uma das conclusões da pesquisa “Viver em São Paulo: A criança e a cidade” mostra que, além de nenhum dos equipamentos públicos apresentar avaliações positivas por pelo menos metade da população, os que proporcionam atividades ao ar livre tem avaliação negativa mais acentuada do que os culturais.

“Numa cidade em que a maioria das crianças e adolescentes faz uso de ensino público, é preciso que o município esteja pronto para atendê-los de forma adequada no âmbitos educacional e cultural”, concluiu a pesquisa.

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Meninas se divertem durante atividade promovida por coletivo de jogos que atua nas periferias de São Paulo | Foto: Divulgação

O Alma Preta fez contato com a Secretaria Municipal do Verde e Meio ambiente, pasta responsável pelos parques e praças públicas na cidade, mas até o fechamento do texto não houve resposta a respeito das ações e política públicas adotadas para melhorar o lazer das crianças nas periferias.

Plano Municipal pela Primeira Infância

Para dar conta das demandas das crianças, São Paulo adotou o Plano Municipal pela Primeira Infância, que visa o atendimento aos direitos das crianças na primeira infância (até os seis anos de idade) no âmbito do município, cuja elaboração é recomendada pelo Marco Legal da Primeira Infância.

O objetivo central é articular diferentes setores da administração municipal com o objetivo de estabelecer metas e complementar ações e cumprir o dever do Estado na garantia da prioridade absoluta dos direitos das crianças, como prevê a Constituição Federal.

O Plano Municipal pela Primeira Infância foi elaborado com participação das diferentes secretarias e órgãos públicos da administração municipal, poder legislativo, judiciário e sociedade civil.

Nasceu após um diagnóstico da situação de vida, desenvolvimento e aprendizagem das crianças no município, além disso, uma lista de ações das diferentes secretarias para garantir os direitos integrais atendidos.

A elaboração do plano teve como referência o Plano Nacional pela Primeira Infância, aprovado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e Adolescente em 2010. O material é uma carta de compromisso do Brasil com suas crianças.

O documento traça diretrizes gerais para o governo e a sociedade civil na garantia das crianças, com marco final em 2022. A infância é a prioridade absoluta e deve promover o respeito à criança como sujeito e indivíduo, sua integralidade, o respeito às diversidades étnicas, culturais e geográficas, a inclusão, a integração da visões científica e humanista.

Também em São Paulo, a Lei 16.710, de 11 de outubro de 2017, determina políticas públicas para a primeira infância, período dos primeiros seis anos de vida da criança.

A Lei, de autoria da vereadora Janaína Lima (NOVO) com coautoria de alguns vereadores, é justificada pela fase das crianças, essencial para a capacidade cognitiva e social do indivíduo. Neste período, o cérebro absorve todas as informações recebidas de forma rápida e duradoura.

A Lei visa criar um plano municipal da primeira infância, capaz de integrar todos os setores da administração pública, para que seja realizado atendimento à criança na fase inicial da vida. A meta é desenvolver programas, serviços e ações voltadas ao atendimento integrado para atender as necessidades dessa população.

Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta,Casa no Meio do Mundo, Desenrola E Não Me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento, TV Grajaú – SP, DiCampana Foto Coletivo e Nós, mulheres da periferia, com patrocínio da Fundação Tide Setubal.

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