Texto: Thiago Borges, para Periferia em Movimento / Foto: Thiago Borges / Edição de Imagem: Vinicius de Araújo
Encurralados, exterminados, silenciados e com inquéritos arquivados. Apesar da ditadura militar ter acabado há 30 anos, a violência estatal segue firme na democracia brasileira. Haja visto o recorde de mortes praticadas pela Polícia Militar de São Paulo em 2014, com 801 vítimas no estado – alta de mais de 80% em comparação ao ano anterior, segundo a Ouvidoria da PM.
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“A democraria por uma lado nega direitos sociais e, por outro, coloca seu braço armado para reprimir. Saúde, educação e lazer não tem. Porém, não falta coturno, farda limpa, viatura nova, armamento e bala”, diz o professor e militante Douglas Belchior, da UneAFRO.
Um passo importante para visibilizar e conter esse massacre foi dado no dia 20 de fevereiro, quando entidades da sociedade civil instalaram na Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) a Comissão da Verdade da Democracia Mães de Maio.
Nos mesmos moldes da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que apurou casos de tortura, mortes e desaparecimentos forçados pelo Estado durante a ditadura militar, o grupo pretende examinar e esclarecer violações de direitos humanos praticadas por agentes estatais após a redemocratização do País em 1985.
“Eles vêm matando desde a ditadura, hoje estão aposentados, mas a ditadura não acabou. O Brasil fabrica 50 mil mães de maio por ano. Somos pobres, pretos, periféricos, não criminosos”, diz Debora Maria da Silva, fundadora do movimento Mães de Maio, que dá nome à Comissão.
Natural do município de São Vicente (SP), Debora perdeu o filho um dia após o dia das mães de 2006. Com 29 anos na época, o gari negro Edson Rogério da Silva desapareceu após ser abordado por policiais militares (PM) da Baixada Santista enquanto abastecia a motocicleta em um posto de combustível. Dias depois, o corpo de Edson foi encontrado jogado em uma vala. Registrada como “resistência seguida de morte”, a versão oficial é de que ele confrontou a PM.
Os chamados “Crimes de Maio de 2006” resultaram em pelo menos 493 mortos pela PM paulista em represália aos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC). Mas os casos de vítimas não reconhecidos pela Secretaria de Segurança Pública (SSP) do estado de São Paulo passam de 100, e cerca de 30 pessoas continuariam desaparecidas.
“Sabemos que nossos filhos morreram e não voltam mais, mas precisamos de uma resposta do Estado. Os assassinos de nossos filhos têm nome, sobrenome e profissão. Eles não são invisíveis”, ressalta Débora.
Além dos Crimes de Maio, o grupo vai examinar casos como o massacre do Carandiru (1992); o massacre de moradores de rua na Praça da Sé, em 2004; os crimes praticados no final de 2012 e início de 2013 nas periferias paulistanas, incluindo a chacina do Jardim Rosana; entre outros.
Outra comissão foi criada na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) e, a princípio, as investigações devem se restringir aos dois estados.
“Estamos criando esta comissão e vamos lutar para criar uma nacional, com força de lei, como a Comissão Nacional da Verdade”, aponta Rafael Schincariol, coordenador-geral da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República.
Herança da ditadura
Dois analistas da Comissão de Anistia, José de Jesus Filho e Maria Pia Guerra, trabalham para obter dados sobre esses casos. Entre outros levantamentos, está prevista a execução de uma pesquisa sobre a violência policial como herança da ditadura.
“Na Constituição de 1988, as vozes da segurança pública não foram ouvidas e essa estrutura permanece praticamente inalterada. A repressão que existia contra militantes políticos se voltou à população pobre”, explica Maria Pia Guerra.
Para Dario de Negreiros, membro da Comissão da Anistia, a instalação desse grupo fortalece inclusive a apuração dos crimes da ditadura. “Isso porque o acontecimento mais importante da história presente brasileira é o massacre da população preta, pobre e periférica”, destaca Negreiros,
Debora, das Mães de Maio, lembra que o grupo trabalha pela memória, verdade, justiça e reparação desses crimes. “Estamos aqui para mostrar que nossos mortos têm voz”, conclui.
Com informações da Agência Brasil