As fortes chuvas nos estados de Pernambuco e Alagoas estão causando enchentes, deslizamentos de terra, mortes e diversos transtornos para a população. No Pernambuco, já são, até o momento, 129 mortes devido às chuvas. Os impactos também são sentidos em comunidades quilombolas, que, além da perda de moradias, veem ameaçada seu meio de ganhar renda.
De acordo com o antropólogo Antônio Crioulo, também coordenador executivo da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), há duas comunidades que estão muito impactadas pelas chuvas em Pernambuco, são a Povoação de São Lourenço e a Onze Negras. Seus moradores estão perdendo casas e móveis, além da colheita, por conta das chuvas fora de época.
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“A grande maioria das comunidades quilombolas de Pernambuco e Alagoas foram atingidas, porque com o excesso de chuva e tendo em vista a situação das entradas das comunidades, muitas ficaram sem acesso. Algumas estradas ficaram intransitáveis e algumas comunidades ficaram ilhadas”, explica Crioulo.
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Estradas interditadas e meios de subsistência ameaçados
Segundo Romero Antonio de Almeida Silva, membro do Coletivo Nacional de Educação da Conaq, a sua comunidade do Quilombo de Trigueiros fica na Zona da Mata Norte de Pernambuco e enfrenta um maior problema na questão de acesso ao território pelos transtornos nas estradas de terra.
Muitas comunidades tiveram seus acessos bloqueados | Crédito: Acervo pessoal
“Nós estamos com dificuldade de conseguir sair de Trigueiros e voltar pelas estradas. De cara, ficamos sem conseguir sair e sem energia também, que conseguiu retornar e se estabelecer de forma mais rápida. Alunos também ficaram com aula suspensa na comunidade, porque não conseguem chegar às escolas”, destaca o quilombola Romero.
Além de alguns quilombolas que acabam perdendo seus móveis ou precisando sair de suas casas por conta de danos nas estruturas, os meios de subsistência e ganho de renda são prejudicados.
O quilombola Natanael Fernandes, presidente da Associação Quilombola de Povoação de São Lourenço, em Goiana/PE, relata que um problema que está atingindo a comunidade por conta das chuvas e que afeta a questão econômica da população é a mortandade de caranguejos, porque a maioria das famílias da região sobrevivem da pesca e da venda de crustáceos.
“A gente ainda não sabe se veio algum produto químico nessa água ou se foi a grande quantidade de água doce, mas eu sei que matou muitos caranguejos nas praias daqui e nos manguezais onde os pescadores vão buscar o crustáceo. Já temos um problema porque no período chuvoso fica difícil de pescar e o acesso fica difícil. A visibilidade na maré e no mangue ficam muito difíceis e muitos pescadores neste período de chuva não conseguem ir. Agora veio essa outra situação”, ressalta o quilombola.
Caranguejos mortos após chuvas fortes em Pernambuco | Crédito: Acervo pessoal
De acordo com Natanael Fernandes, a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH) e outros órgãos públicos responsáveis foram ao território para iniciar a análise da água e dos crustáceos mortos. Entretanto, ainda não se sabe as medidas que serão tomadas para os pescadores que terão suas rendas impactadas.
“Isso vai acarretar muitos problemas mais tarde, porque ficamos muito tempo sem vender o crustáceo. Às vezes, o sururu também morre nesse período por causa da grande quantidade de água doce. Nós sabemos que é um período muito difícil, porque quem tira o crustáceo a semana toda pra chegar no final de semana e executar a venda, não fez isso esta semana. Não sabemos como é que vai ficar e as pessoas precisam manter as suas famílias”, comenta Natanael.
Apoio dos órgãos públicos
De acordo com quilombolas ouvidos pela Alma Preta Jornalismo, os órgãos públicos de alguns municípios têm dado assistência social a famílias impactadas, como cadastramento em auxílio aluguel, e procurado consertar as estradas interditadas, mas ainda existe muita insegurança sobre outras medidas para auxiliar os quilombolas impactados. As doações tornam-se necessárias para garantir a subsistência das famílias nesse período.
De acordo com Sylvia Siqueira, ecofeminista e diretora do movimento Nossa América Verde, não existe hoje um apoio amplo chegando às comunidades quilombolas.
“Os que estão no interior e no sertão, principalmente, muito menos. Como os municípios do sertão também são mais pobres em termos de recurso público, a última área onde se olha é o território quilombola. O acesso inclusive a esses locais é muito mais difícil. O governo está chegando hoje em Pernambuco no que é mais fácil, que é disponibilizar algumas escolas públicas para servirem de abrigo e para cozinhas comunitárias”, ressalta Sylvia, que também destaca que a solidariedade tem sido fundamental em alcançar espaços que o órgão público não chega.
De acordo com o coordenador executivo da Conaq Antônio Crioulo, algumas ações estão sendo feitas em algumas comunidades quilombolas por parte da organização, como a buscar por cestas de alimentos e material de construção.
“Quanto ao apoio do governo, a gente tem recebido visitas nas comunidades, mas estrutura mesmo ainda não chegou nenhuma que garanta apoio direto a essas comunidades quilombolas. Eles justificam que estão no momento de levantamento de informação, mas as chuvas aqui não cessaram e o pessoal tem o temor de que a situação fique ainda mais grave do que está”, pontua o antropólogo.
Segundo informações da Coordenação Estadual de Articulação Comunidades Quilombolas de Pernambuco (CEACQ), o estado tem 196 territórios quilombolas somando mais de 500 comunidades e uma população aproximada de 250 mil quilombolas. Em Alagoas, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) estima que existam 183 localidades quilombolas no estado.
Posicionamento
Em nota, o Governo do Estado de Pernambuco afirma que, para apoiar as pessoas afetadas pelas tragédias e transtornos ocorridos após as fortes chuvas, estão atuando de forma conjunta, entre suas secretarias estaduais e as prefeituras municipais, na reconstrução das áreas atingidas e no auxílio à população.
“Na última sexta-feira (3), foi anunciado o Auxílio Pernambuco, um benefício emergencial que vai atingir mais de 82 mil famílias de vítimas das chuvas. O benefício será pago em uma parcela única no valor de R$1.500 e prevê um investimento de R$124 milhões da gestão estadual para a medida. O Governo repassará o dinheiro diretamente às prefeituras, que farão a logística de pagamento”, explicam.
Também em nota, o Governo de Pernambuco destaca que, de acordo com o Cadastro Único da Assistência Social, há em Pernambuco mais de 18 mil famílias quilombolas, o que equivale a mais de 47 mil pessoas, cadastradas no sistema. Desse quantitativo, o monitoramento indica que cerca de 14 mil famílias estão em situação de extrema pobreza. A população está espalhada em 103 municípios.
“Dentro desse contexto e do que determina os requisitos para acesso ao Auxílio Pernambuco, as comunidades quilombolas serão beneficiadas”, afirmam.
Além disso, o Governo do Estado pontua que, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social, Criança e Juventude (SDSCJ), também mobiliza a campanha Pernambuco Solidário como forma de arrecadar doações de itens de primeira necessidade para atender as pessoas afetadas pelas chuvas. São 19 pontos em funcionamento como locais de coleta, onde pessoas físicas ou empresas podem fazer suas doações de segunda a sexta, das 8h às 17h.
“Para além do PE Solidário e seguindo a orientação do planejamento do governador Paulo Câmara, as secretarias estaduais se dividiram para atuar diretamente com os municípios e seus gestores, levantando as demandas específicas de cada área afetada. Na Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), por exemplo, há o apoio aos agricultores afetados pelas enchentes. Em relação às comunidades quilombolas, especificamente, o Instituto de Terras e Reforma Agrária do Estado de Pernambuco (Iterpe), órgão vinculado à SDA, segue executando as ações de regularização fundiária, a qual está entre suas atribuições”, finalizam.
A Alma Preta Jornalismo também entrou em contato com o Governo do Estado de Alagoas, além do Corpo de Bombeiros de Pernambuco e da Fundação Cultural Palmares para obter informações sobre as medidas que estão sendo investidas para auxiliar os quilombolas impactados. Até o fechamento do texto, não foi enviado um posicionamento. O texto será atualizado quando as respostas forem enviadas.
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