Front lace, full lace, entrelace… seja lá qual for a nomenclatura, as laces têm feito a cabeça das pessoas que buscam maior versatilidade e praticidade na hora de escolher um cabelo.
Se tratando das mulheres negras, para além da escolha de um cabelo, as laces têm sido uma aliada no resgate da autoestima, já que permite uma multiplicidade de texturas, tamanhos e cores, que muitas vezes são tidas como inadequadas para o tom de pele das pessoas negras.
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Historicamente excluídas do mercado estético, as mulheres negras têm apostado nas laces como uma nova possibilidade de mudar o visual sem agredir os cabelos naturais, o que também auxilia na transição capilar e até no processo para o tratamento de doenças que atingem o couro cabeludo, como é o caso da dançarina e influenciadora Gisele Soares.
Desde fevereiro, Gisele tem enfrentado problemas emocionais após sofrer violência psicológica durante uma abordagem racista de um guarda municipal.
Diante de uma depressão, a artista passou a sentir fortes dores de cabeça e, após diagnóstico, descobriu que estava com três coágulos bacterianos na cabeça devido ao estresse e os atritos causados pelas colocações de fibras.
Foi nas laces que ela encontrou uma alternativa para passar pelo tratamento sem deixar de cuidar dos fios naturais. Apesar da escolha, ela ressalta que não foi um processo de fácil adaptação. “Justamente por sabermos que tudo em nossas corpas pretas tomam uma conotação diferente, um peso de negatividade e julgamentos”, diz a influenciadora.
No Brasil, artistas negras como Ludmilla, Brunna Gonçalves e Camilla De Lucas são alvos constantes de críticas pelo uso das laces. Em junho do ano passado, Camilla fez um desabafo nas redes sociais após receber comentários ofensivos e racistas sobre o seu cabelo natural.
“Mulheres brancas que fazem transição nunca são questionadas para mostrar os cachos. Com mulheres negras sempre surge um fiscal para perguntar quando vai mostrar o black. Eu uso lace antes, vou usar durante e até quando eu quiser. Isso não está associado a vergonha capilar. Se informem”, desabafou a influenciadora.
Gisele acredita que esses questionamentos fazem parte de uma construção estética onde as mulheres negras são colocadas em um lugar que vai contra o padrão estabelecido na sociedade.
“De início, por eu ser uma influenciadora e formadora de opiniões, ser Deusa do Ébano de Ilê Aiyê e representar muito esse lugar de afirmação estética da beleza negra, me via na obrigação imposta de usar apenas laces crespas ou cacheadas, como se não pudesse usar laces onduladas e lisas […] e todos esses questionamentos internos/externos por conta do lugar que nós, mulheres pretas, somos colocadas de não belas e de não aceitas, como se nosso povo não fosse diverso”, pontua Gisele Soares.
“Eu amo meu cabelo natural, sim, mas também amo e posso ser lisa, cacheada, ondulada, crespa, loira, careca e isso não vai mudar minha racionalidade. Afinal, estética é política e o empoderamento pra ser consistente tem que nascer de dentro para fora”, completa a influenciadora.
Afinal, o que é lace?
A multiplicidade das laces é vasta e não existem estimativas suficientes sobre o faturamento desse mercado no Brasil. O fato é que o acessório tem se popularizado no país e pode ser encontrado em diversos modelos, tamanhos e formatos em lojas físicas e virtuais.
Apesar de ter uma estética quase parecida com a peruca, as laces se diferem por terem uma tela transparente que se assemelha ao couro cabeludo e permite repartições no cabelo, dando um maior realismo aos fios.
“A lace é uma prótese feita fio a fio em uma tela. Neste caso, os fios são colocados um a um sobre o tecido, o que permite um efeito mais semelhante ao couro cabeludo. Já a peruca é tecida em tiras e colocada em uma touca, portanto o acabamento fica menos parecido com o cabelo natural”, explica Elaine Cristina, empreendedora da Ori Candaces.
“Ancestralidade é parte fundamental do empoderamento”
Elaine Cristina é trancista há 15 anos e empreendedora do studio Afro Ori Candaces, onde confecciona laces e wigs, em Salvador. Ela conta que chegou a atender clientes que não conseguiam se olhar no espelho por falta de autoestima e já ouviu relatos de mulheres que não aceitam os cabelos crespos.
Por meio de diálogos, a empreendedora conta que também faz um trabalho de resgate ancestral com as clientes como forma de auxiliar no processo de autoconhecimento e autoestima das mulheres negras.
“Estar ciente de sua ancestralidade é parte fundamental do empoderamento da mulher negra. É você aliar a prática com a teoria e saber quem você é sem estigma e livres para assumir a estética que quiser”, diz.
“Eu procuro incentivar essa mulher a ser livres de padrões, ela pode ser careca, usar a lace que quiser, na textura que quiser porque ela finalmente está livre de padrões”, completa a empreendedora.