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Comoção Seletiva

Por que a morte de Cristian Andrade comove menos que a de Alan Kurdi?

11 de setembro de 2015

Texto: Jonas Pinheiro, da Revista Afirmativa

Não tem se falado muito sobre outra coisa nos últimos dias que não a onda migratória de refugiados de países em conflito para a Europa. Apesar desta ser uma discussão que já vem acontecendo há um certo tempo, a foto do menino sírio, Alan Kurdi, morto numa praia turca chocou o mundo. A imagem é uma daquelas que quando nos deparamos temos a certeza de que a humanidade (ou o que julgamos ser este aglomerado de corpos vivos) fracassou, seja lá qual for sua empreitada. Fato é que a imagem correu o planeta causando comoção de milhões de pessoas, e no Brasil não foi diferente.

A imagem e a história da família de Alan foi exaustivamente noticiada pelos diversos meios de comunicação. Pessoas que desconheciam até então o assunto, se tornaram solidários aos povos que um dia foram explorados pelo velho continente, e hoje tem asilo negado por países, populações ou cinegrafistas xenofóbicas quando buscam ajuda.

Milhares de quilômetros distante da praia turca, onde o corpo de Alan Kurdi foi fotografado, na Favela de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro, Cristian Andrade de apenas 13 anos foi atingido por uma bala disparada por policiais durante uma operação. Tão próximo e tão distante. A imagem de Cristian morto não estampou a primeira página dos jornais brasileiros. Bonner não exibiu reportagens durante 3 dias seguidos no maior telejornal da TV Brasileira. O país não se comoveu como se comovera uma semana antes com a imagem do menino sírio morto.

Talvez a naturalidade com que a cena se repete nas periferias brasileiras explique as lágrimas não derramadas com a imagem de Cristian morto. A Polícia brasileira é uma das mais letais do mundo, como afirma estudo recente publicado pela Universidade Federal de Campina Grande (UFCG).  Em agosto, 18 pessoas foram mortas num espaço de 3 horas na Grande São Paulo. Tudo indica que se tratou de retaliação policial. De acordo com o SIM/Datasus do Ministério da Saúde, mais da metade dos 56.337 mortos por homicídios, em 2012, no Brasil, eram jovens (30.072, equivalente a 53,37%), dos quais 77,0% negros (pretos e pardos) e 93,30% do sexo masculino. É um genocídio promovido pelo Estado brasileiro, denunciado diariamente por movimentos sociais, dos quais o mais relevante é o Reaja.

O Brasil, tal como a Europa, também vive sua onda migratória. Milhares de Haitianos desembarcam no país, fugindo de um conflito no qual as tropas brasileiras fazem o trabalho sujo da ONU e dos Estados Unidos, sob a fachada de “missão de paz”. Os mesmo que se comovem com o menino sírio hoje, hostilizam e perseguem os imigrantes que vieram do Haiti.

De acordo com o tio do adolescente morto em Manguinhos, ele estava jogando bola e foi ajudar uma senhora que havia caído na rua, foi quando acabou sendo baleado. A tropa dos haters que povoam a web não irão lamentar sua morte, pelo contrário, prontamente irão criar alguma ligação do menino com o PCC ou alguma organização criminosa para justificar o injustificável. Esta comoção não existirá e muitos nem irão saber do caso. O mar em que Cristian morreu é vermelho e tem sangue de preto, que se esvai junto com sua vida no precário asfalto da comunidade pobre em que morava. Mas é só mais um jovem preto morto.

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