A detentora de tecnologias do processo civilizatório ancestral Jacira Roque conta que as plantas são ótimas companheiras e têm um rico histórico de ancestralidade africana
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Ilustração: Alma Preta
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A diáspora africana, por conta da migração forçada de homens e mulheres do continente africano para serem escravizados no Brasil, também trouxe plantas e histórias que formam uma rica tradição de mais de 500 anos.
A detentora de tecnologias do processo civilizatório ancestral Jacira Roque conversou com o Alma Preta sobre algumas dessas plantas que podem ser cultivadas dentro de casa ou no jardim e que são também registros históricos da negritude. O conhecimento e a sabedoria que Jacira divide foram reforçados nos quintais da Zona Norte de São Paulo e nos saberes e fazeres de mãe.
“A Guiné tem certo nível de toxina e é conhecida como ‘amansa-senhor’. É um nome ligado à luta dos haitianos contra a violência dos traficantes de escravos”, conta Jacira, que também é tecelã e pesquisadora do patrimônio imaterial da humanidade.
De acordo com os estudos de Maria Thereza Lemos de Arruda Camargo, etnofarmacobotânica e especialista em plantas medicinais, a guiné foi usada no Haiti e no Brasil também pelos escravizados que, sutilmente e por tempo prolongado, misturavam a planta na bebida dos escravizadores para proteger as mulheres negras da violência sexual.
Outra planta que tem uma boa história é a arruda, muito comum e usada para fins medicinais. “A minha sogra era parteira e usava muito a arruda. Ela contava 40 dias após o nascimento do bebê e então preparava um prato que era feito com um punhado de arruda fervida em um litro de cachaça. Ficava no fogo até restar só uns dois dedos da mistura. Então ela fazia um feijão com temperos e carne. Ficava uma delícia e dava para a mãe do bebê comer”, detalha Jacira.
Entre as plantas que fazem parte da negritude brasileira, uma das mais conhecida é a babosa, que tem o nome científico Aloe Vera, muito usada no tratamento dos cabelos cacheados e crespos. Lendas antigas dizem que a rainha Cleópatra, a mais poderosa do antigo Egito, usava a babosa como segredo no tratamento de beleza e rejuvenescimento.
A planta também é um segredo natural para quem gosta de horta e jardinagem. “A babosa também é um poderoso enraizador. Toda vez que vou fazer um canteiro de raizeiras como cenoura, mandioquinha, flores, beterraba, etc, uma vez por semana eu bato a babosa no liquidificador e rego as plantas”, disse Jacira.
Talvez a mais popular e fácil de cuidar das plantas de origem africana é a espada de São Jorge e suas variações, como a espada de Iansã ou de Santa Bárbara. É uma planta muito resistente, bonita e com aura mística.
“Ela limpa o ar dos maus pensamentos, da energia de pessoas tóxicas.Todo mundo que tem fé coloca ela na entrada da porta”, diz Jacira.
O formato de espada representa a resistência da planta contra as adversidades. “Ela vai crescendo, crescendo e estoura vasos, estoura calçada. Não é a toa que ela é chamada de ‘abre-caminhos’. Eu planto em todos os lugares, planto no meu portão e dou de presente. Agora que a gente tem esse político imbecil aí que liberou o uso de armas, a espada de São Jorge é como eu armo os meus”, completa a escritora, tradicionalista e tecelã.