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Crescimento de mortes de quilombolas tem ligação com conflitos por terra

Segundo análise da Conaq, paralisia dos órgãos competentes está na raiz das causas dos crimes
"Na maioria dos casos, lideranças históricas foram assassinadas sem ver a titulação pela qual lutaram acontecer, como Mãe Bernadete."

Foto: Lucas Martins

4 de setembro de 2024

Um levantamento inédito realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) mostrou aumento exponencial dos crimes contra lideranças nos últimos cinco anos. 

Os dados apontam para a maior média anual de assassinatos neste período. Foram 46 execuções registradas de janeiro de 2019 a julho de 2024, uma média anual de oito assassinatos. A cada um mês e meio, uma vida quilombola foi perdida violentamente.

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O principal tipo de conflito impulsionador dos assassinatos de quilombolas é o conflito pela terra (35%). Nestes casos, na data do crime, a maioria dos quilombos estava em fase de certificação, com processo de regularização fundiária aberto no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). 

“Nos casos de conflito pela terra, a média de tempo decorrido entre a certificação e o assassinato é de aproximadamente 10 anos. Em outras palavras, o processo de titulação fica paralisado numa fase por uma década, em média, enquanto a situação de violência e conflito se intensificam e alcançam seu ponto mais trágico, o assassinato de lideranças”, diz o documento.

A base de dados atualizada da entidade tem registro de pelo menos 58 situações de ameaça enfrentadas pelas comunidades quilombolas em diferentes estados do Brasil. 

Com base na estimativa de população quilombola levantada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), é possível estimar que aproximadamente 900 pessoas quilombolas, pelo menos, têm a vida em risco por viverem em territórios sob intenso conflito, com invasões violentas, presença de homens armados, ameaças de morte, perseguições, destruição de moradias e lavouras, etc.

Lideranças históricas quilombolas foram assassinadas

Conforme aponta a análise conduzida por Selma Dealdina Mbaye e Élida Lauris, dos coletivos de mulheres e jurídico da Conaq, os anos de 2021 e 2023 se destacam por apresentarem números de assassinatos superiores à média anual.

Em agosto de 2023, Mãe Bernadete foi assassinada em sua casa, no Quilombo Pitanga dos Palmares, aos 72 anos. Apesar de estar no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos (PPDDH), ela foi alvejada por 22 tiros. Após o caso que repercutiu em todo o país, 12 pessoas quilombolas foram assassinadas no país no período de um ano. 

“Na maioria desses casos foram assassinadas lideranças históricas do quilombo, que morreram sem ver a titulação pela qual lutaram toda a vida acontecer, como Mãe Bernadete”, diz um trecho da pesquisa.

Do total de assassinatos, 16 (35%) aconteceram por disputa de terras. Além disso, quase metade dos alvos (42%) exercia papel de liderança no quilombo. Desses casos, 36% tinham mais de 50 anos.

Na grande maioria dos casos, o crime é cometido com arma de fogo (60%), seguido pelo uso de objetos cortantes, pontiagudos e contundentes (24%). Em 48% dos assassinatos as pessoas suspeitas de praticar os crimes são pistoleiros, terceiros não identificados, vizinhos, posseiros e proprietários de terra em conflito com o quilombo.

“De maneira geral, a maior parte dessas mortes dizem respeito a assassinatos por encomenda com contratação de pistoleiros ou em decorrência de confronto de posseiros, proprietários, vizinhos e invasores que tem interesse em se apropriar das terras do quilombo”, ressalta a análise

Ainda segundo o estudo, Maranhão, Bahia e Pará são os estados com maior concentração de mortes ao longo da história. Segundo a Conaq, “essas regiões enfrentam dois tipos principais de violências sistemáticas que resultam em assassinatos em série”, denuncia a entidade ao pontuar que “a paralisia dos órgãos competentes está na raiz das causas que geram uma parte significativa dos assassinatos”. 

  • Mariane Barbosa

    Curiosa por vocação, é movida pela paixão por música, fotografia e diferentes culturas. Já trabalhou com esporte, tecnologia e América Latina, tema em que descobriu o poder da comunicação como ferramenta de defesa dos direitos humanos, princípio que leva em seu jornalismo antirracista e LGBTQIA+.

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