A cidade de São Paulo já se consolidou como o destino mais procurado para o carnaval de 2020, na frente de outras grandes metrópoles como o Rio de Janeiro, Recife e Salvador. A expectativa da Secretaria Municipal de Cultura é de que mais de 15 milhões de pessoas movimentem pelo menos 2,6 bilhões de reais em todos os dias do evento, nas ruas e no Sambódromo do Anhembi.
Do lado de fora do carnaval paulista está parte da população negra e pobre, sem condições de arcar com os custos da comemoração como a aquisição de ingressos para assistir aos desfiles das escolas de samba. Para especialistas ouvidos pelo Alma Preta, essa é uma das provas de como a festa é elitizada.
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A jornalista Claudia Alexandre, pesquisadora do samba e das escolas de São Paulo há 30 anos, afirma que o carnaval sempre foi uma festa mais acessível para a população branca e rica. Na época do surgimento dos bailes carnavalescos, os clubes mais famosos da cidade não aceitavam a presença de pessoas não brancas, impulsionando a criação de clubes liderados por negros como o Cordão Esportivo Carnavalesco Vai-Vai.
“Ao analisarmos a história do carnaval popular veremos que a festa surgiu como uma manifestação da elite. Em São Paulo, por exemplo, os desfiles das grandes sociedades carnavalescas e os grandes bailes aconteciam tendo a massa pobre e negra distante das festas. Cada vez mais o povo é tirado do centro do carnaval, dessa vez por não conseguir arcar com o custo da participação na manifestação que ele mesmo criou”, explica.
Segundo informações do site da Liga das Escolas de Samba de São Paulo (Liga-SP), o valor dos ingressos para assistir a cada noite dos desfiles do Grupo Especial no Sambódromo do Anhembi são de R$ 90 (arquibancada), R$ 270 (cadeira de pista), R$ 1.210 (mesa de pista com quatro lugares) e R$ 10 mil (camarote).
A média salarial da população negra é de R$ 1.012,76, segundo levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Isso significa que um ingresso para a arquibancada do Anhembi corresponde a quase 10% da renda de um trabalhador negro no país.
O músico percussionista e diretor artístico e musical Fernando Alabê relembra que sua família tinha uma ligação forte com o carnaval da cidade, mas o alto custo da festa causou afastamento de muitos no decorrer dos anos.
“Se hoje eu, minhas duas irmãs e meus pais fossemos frequentar o cenário das escolas de sambas gastaríamos pelo menos R$ 44 com a tarifa do transporte, R$ 28 com um refrigerante para cada e a cerveja do meu pai, mais R$ 500 das fantasias, fora os ensaios extra que existem. Evidentemente fica muito caro para uma família pobre e sabemos que a maioria dos pobres no nosso país são negros”, conta.
O Alma Preta procurou a Liga-SP e perguntou como é definido o valor dos ingressos e se a possibilidade de a população de menor renda ter acesso aos desfiles é um fator levado em consideração. A reportagem também perguntou a respeito do repasse do valor arrecadado para as escolas do Grupo Especial e do Grupo de Acesso. Os questionamentos não foram respondidos.
Elitização dos bloquinhos de rua
Além dos tradicionais desfiles das escolas de samba, nos últimos anos o carnaval de São Paulo passou a ter uma nova cara com o crescimento recorde dos bloquinhos de rua. De acordo com a Secretaria Municipal de Cultura, serão 796 blocos em 861 desfiles no carnaval de 2020.
Assim como em 2019, a Ambev é a maior patrocinadora da festa pelas ruas da cidade e deve desembolsar 21,9 milhões de reais para exibir as marcas da empresa em placas, totens e outros materiais visuais. O patrocínio de grandes empresas não alcança, no entanto, os blocos menores. Segundo a prefeitura, 20% dos que haviam se cadastrado para desfilar neste ano desistiram por falta de investimento.
De acordo com Fernando Alabê, que também é fundador e vice-presidente do bloco afro afirmativo Ilu Inã, os blocos pequenos têm mais dificuldade de conseguir patrocínio e de realizar seus ensaios. Para Alabê, uma das barreiras é a Lei do Sossego, instituída pelo decreto 3.688/41, de 2017.
“Os grandes blocos já vêm com contratos para realizar seus eventos com artistas de renome e em locais com maior estrutura e sem perseguições aos seus ensaios, ao passo que os blocos de menor tamanho, no que se refere o poder econômico, têm seus ensaios dificultados pela dita Lei do Sossego, como instrumento legal de controle tanto em seus ensaios quanto nas suas saídas, o que parece não ocorrer com os blocos patrocinados e com organização corporativa ao longo do ano”, comenta.