O Observatório de Direitos Humanos, Crise e Covid-19 realizou uma denúncia sobre as violações de direitos feitas pelo governo federal à Organização das Nações Unidas (ONU) e à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH). O informe levanta o descaso da CPI da Covid em abordar a vacinação em comunidades tradicionais e quilombolas e também na população carcerária do Brasil. A Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) apoia a denúncia.
Em resposta, o TJ-SP determinou que sejam adotadas, por parte do governo estadual, as medidas necessárias para a vacinação de todas as pessoas encarceradas nas unidades prisionais paulistas, e apresentar no prazo máximo de 48 horas o cronograma de vacinação e, em quinze dias, efetivar a imunização.
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O observatório avalia que a implementação do Plano Nacional de Vacinação (PNI) criou uma agenda nacional de vacinações, centralizada pelo Ministério da Saúde e operacionalizada por meio dos municípios. Segundo a entidade, até 2003, 77% dos imunobiológicos utilizados eram de laboratórios brasileiros, fazendo com o que o Brasil fosse reconhecido como um dos melhores países do mundo no campo da pesquisa e cobertura vacinal, com a capacidade de atingir 70% da população nos últimos dez anos.
“Em 2020, primeiro ano da pandemia da Covid-19 e segundo ano do governo de Jair Bolsonaro (sem partido), o país teve o seu segundo pior desempenho vacinal da década (66,42%), o que certamente importou sérios agravos e sobrecarga à saúde pública, em um momento em que a rede já estava a beira de um colapso total”, diz a denúncia.
A recusa na compra das vacinas e o planejamento da campanha de imunização também são pontos abordados no informe. De acordo com o levantamento realizado pelo Observatório, em março de 2021 foi possível ainda constatar o baixo grau de transparência na gestão da saúde durante a pandemia e as falhas do governo quanto à priorização dos grupos para o processo de vacinação.
O quadro do sistema prisional
“Mesmo estando presentes no público prioritário no Plano de Vacinação, alguns grupos estão inseridos apenas nas etapas finais da imunização o que, na prática, resulta numa não prioridade. É o caso da população privada de liberdade”, descreve a denúncia do observatório.
Para o doutor em Direito e pesquisador do Observatório Direitos Humanos, Crise e Covid, Felipe da Silva Freitas, o risco de contaminação é muito maior em pessoas privadas de liberdade. Ele explica que as prisões brasileiras não têm hospitais e o índice de doenças infectocontagiosas, como tuberculose, é extremamente alto.
“Desde o começo não há política para as prisões. O monitoramento realizado pelo projeto ‘InfoVirus: pandemia e prisões’, por exemplo, mapeou mais de 50 manifestações de familiares de presos denunciando maus tratos; não realização de testes; distribuição de cloroquina e outras violações de direitos. O quadro do sistema prisional é aterrorizante e a falta de vacina é apenas a etapa final desta tragédia”, avalia o doutor.
Em 8 de julho de 2021, a ex-coordenadora do Programa Nacional de Imunização (PNI), do Ministério da Saúde, Francieli Fontana Fantinato, afirmou à CPI da Covid que Elcio Franco, ex-secretário executivo da pasta, pediu para não incluir a população carcerária entre os grupos prioritários.
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Comunidades quilombolas
“Esperamos conseguir que os nossos direitos sejam respeitados e que as comunidades quilombolas consigam, em sua totalidade, serem vacinadas”, salienta a articuladora estadual da Conaq em Brasília, Sandra Maria, sobre a denúncia.
Em relação aos povos quilombolas, segundo o Boletim Epidemiológico publicado no dia 1º de julho pela Conaq, há municípios que ainda não receberam as doses da vacina com a justificativa de que os estados não fizeram o repasse ou que não há imunizantes disponíveis. A quantidade de vacinas da AstraZeneca/Oxford, disponibilizada pelo Ministério da Saúde com base no contingente populacional quilombola, estimado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não é suficiente.
“Os estados que mais sofreram com a falta de vacina e com o maior número de óbitos são: Amapá, Pará, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais e Goiás. Perdemos várias lideranças quilombolas e até mesmo jovens. Isso nos deixou muito vulneráveis, preocupados e indignados”, desabafa Sandra.
CPI da Covid
O doutor e pesquisador Felipe Freitas avalia que a CPI já abordou diversas temáticas e optou por investigar primeiro assuntos que não atendem o grupo prioritário na vacinação. Todavia, Felipe pondera que a denúncia destaca a urgência na situação da população carcerária, quilombola e indígena, e que a participação de Jurema Werneck foi essencial para trazer à tona dados do povo negro.
“É preciso que haja outros momentos semelhantes. A CPI já deveria ter ido a algumas comunidades indígenas; ter visitado comunidades quilombolas e ouvido destas lideranças os resultados da política genocida do governo federal, para que isso fosse documentado também pelo poder legislativo. Em todo o caso, seguimos pressionando”, pondera o doutor.
Para a coordenadora executiva da Conaq, Givânia da Silva, a imprensa geral também não se posiciona a favor das comunidades quilombolas e este trabalho fica para as mídias independentes. Ela ressalta que essa invisibilidade se reflete na CPI.
“A grande contribuição seria a CPI dar algum resultado ou um basta nesse poço de corrupção que tem como alimento as vida de mais de meio milhão de pessoas, dentre elas, muitos quilombolas. Lamento realmente que as pessoas negras, que foram as mais acometidas pela Covid, sejam ainda as que menos foram vacinadas. Por isso precisamos combater o racismo todos os dias”, finaliza.