A deputada estadual Ana Cunha (PSDB-PA) é acusada de fechar uma via de acesso à Vila da Barca, no bairro do Telégrafo, em Belém (PA), impedindo a circulação de cerca de dois mil moradores.
Na manhã desta quarta-feira (16), cerca de 50 pessoas fecharam as entradas de um terreno da empresa Arapari Navegação, da qual Ana Cunha é uma das sócias, para reivindicar a liberação da estrada.
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De acordo com moradores ouvidos pela Alma Preta, a Passagem Praiana fica entre um campo e um prédio abandonado há mais de 20 anos, ambos de propriedade da Arapari Navegação.
A estrada também é a principal via de acesso para a Vila da Barca, comunidade centenária conhecida por ser uma das maiores comunidades em palafitas da América Latina, e também para a sede de projetos sociais desenvolvidos no território, como o Barca Literária – Comissão Solidária Vila da Barca, uma biblioteca itinerante.
Segundo os relatos, na noite de terça-feira (15), os responsáveis pela Arapari Navegação mandaram colocar contêineres e tanques de combustível de navios na via para bloquear a passagem, com a alegação de que a área é de propriedade da empresa.
“Eles fecharam desde ontem um pedaço de rua de mais de oito metros alegando que era de propriedade deles. A passagem já tem dados históricos que alegam que esse espaço é uma via pública, não tem dono. Mas por ser próximo ao terreno da empresa, eles entenderam que é tudo uma coisa só”, explica a educadora popular e moradora da Vila da Barca, Suane Barreirinhas.
O protesto para liberação da via de acesso à comunidade ocorre em um terreno da empresa, localizado na Rua Nelson Ribeiro, onde os caminhões estão sendo impedidos de entrar.
“A gente fechou a entrada de um campo da Arapari Navegação, que é utilizado como depósito de embarcações. A polícia chegou agora aqui, estamos tentando negociar, mas a gente não vai sair enquanto não liberarem a rua”, ressaltou Suane.
Ainda segundo a moradora, os comunitários das palafitas são constantemente ameaçados de perder seus territórios, que a empresa também diz ser deles.
“A Vila da Barca está vivendo um conflito desde ontem, quando a empresa Arapari, da deputada estadual do PSDB [Ana Cunha], decidiu fechar a rua, que dá acesso a comunidade. Já sabíamos que o projeto de tirar pobres da beira do rio ia acontecer, só não sabíamos que tão cedo”, escreveu a liderança em uma publicação nas redes sociais.
Em ofício assinado por Joaquim Magno Cunha, sócio administrador da Arapari Navegação e irmão de Ana Cunha, direcionado à Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), a empresa comunicou à Prefeitura de Belém que iria iniciar a supressão da passagem, isto é, extinguir a via de acesso da comunidade. No documento, ele também reforça que a área é de propriedade da empresa.
Em nota à reportagem, a Prefeitura de Belém informou que “nenhuma empresa privada possui direitos sobre a área que abriga as obras do empreendimento Vila da Barca, localizado no bairro do Telégrafo, e que está tomando providências urgentes para a desobstrução da via que dá acesso às obras do empreendimento”. A gestão municipal completou que “a área está em fase de regularização fundiária pela Prefeitura de Belém, que está trabalhando para dar segurança jurídica às famílias que vão ocupar o empreendimento e o entorno da obra”.
“A Secretaria de Habitação de Belém (Sehab), responsável pela obra, reforça que em 2003, o então prefeito Edmilson Rodrigues lançou a obra da Vila da Barca com a previsão de entrega de 618 unidades. As gestões municipais seguintes suprimiram 308 apartamentos e 16 comércios. No retorno do prefeito Edmilson em 2021, após 16 anos da obra parada, ele retomou a Política de Habitação de 198 unidades, das quais 130 serão entregues ainda neste mês de outubro”, conclui a nota.
Nas redes sociais, a deputada estadual Lívia Duarte (PSOL) também se manifestou e disse que irá buscar providências junto ao Ministério Público do Estado do Pará (MPPA) para barrar a ação da Arapari Navegação.
Em nota, a assessoria de comunicação de Ana Cunha, deputada estadual há seis mandatos, disse que a empresa pertence à família dela e que a parlamentar não exerce controle sobre as decisões administrativas do empreendimento. Por essa razão, ela não teria tomado conhecimento sobre o ocorrido na Vila da Barca. A deputada ainda ressaltou que a medida teve autorização do secretário de Habitação de Belém, Márcio Freitas.
O posicionamento da parlamentar entra em conflito com informações oficiais do site da Receita Federal, onde Ana Cunha aparece entre os sócios da empresa Arapari Navegação.