No Brasil, algumas doenças crônicas não transmissíveis acometem mais a população negra, tanto por fatores genéticos como sociais/raciais. Dentre essas patologias, destacam-se a Hipertensão ou Pressão alta – doença que ataca os vasos sanguíneos, coração, cérebro, olhos e pode causar paralisação dos rins – e a Diabetes, quando o pâncreas é incapaz de produzir insulina, a sua produção é insuficiente ou o corpo não consegue fazer bom uso da insulina que produz.
Dados do Ministério da Saúde mostram que a diabetes mellitus (tipo II) atinge com mais frequência os homens negros (9% a mais que os homens brancos) e as mulheres negras (em torno de 50% a mais do que as mulheres brancas). A hipertensão arterial tende a ser mais complicada nos negros, de ambos os sexos. A pasta destaca que realmente a incidência desses dois diagnósticos são maiores na população negra, mas ainda está em fase de pesquisa científica em nível global qual a relação da raça/cor com a predisposição.
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Existem hipóteses sobre como a cultura alimentar é responsável por esses problemas crônicos de saúde. Contudo, o Ministério destaca a predisposição não somente pela antecedência genética como também por fatores socioeconômicos aos quais essa população é exposta.
De acordo com a doutora em Saúde Coletiva, Ionara Magalhães de Souza, essas doenças são causadas por múltiplas causas, comportamentos de risco e de exposição. “Caracterizadas pelo curso prolongado, podem incidir em períodos de agudização, resultar em incapacidades funcionais, anos potenciais de vida perdidos e produzir sofrimento psíquico, transtornos familiares e impactos sociais”, explica a doutora, que integra o GT Racismo e Saúde da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva).
Segundo o médico Laio Victor Tavares, especialista em Medicina de Família e Comunidade, os fatores de risco das doenças crônicas podem estar relacionados à falta de acesso da população negra ao sistema de saúde.
“São doenças que demandam muito um sistema de saúde mais robusto e várias frentes de trabalho. Isso chega com muito mais dificuldade para as pessoas negras”, pondera o mestrando de Epidemiologia em Saúde Pública.
Os perigos para pessoas em insegurança alimentar e nutricional, com pouco acesso à alimentação saudável e informação e que, normalmente, são discriminados nos serviços de saúde são múltiplos. Associados aos processos de adoecimento, o tabagismo, o consumo abusivo de álcool, a alimentação pobre de frutas e hortaliças, além do sedentarismo, são pontos que merecem atenção.
“É importante considerar que esses fatores e comportamentos de risco e de exposição são determinados por aspectos políticos e socioeconômicos e não podem ser analisados isoladamente, descontextualizados”, complementa a doutora Ionara.
Ainda de acordo com a doutora em Saúde Coletiva, é necessário reconhecer o racismo institucional presente no SUS (Sistema Único de Saúde) e seus efeitos na saúde da população negra, especialmente quando se trata das doenças crônicas não transmissíveis.
Ionara lembra que outros grupos socialmente vulneráveis também são mais afetados por doenças crônicas não transmissíveis como os povos de terreiros, comunidades indígenas e quilombolas, populações em situação de rua e privadas de liberdade.
“No Brasil, um país racista e profundamente iníquo, a população negra apresenta as piores condições de vida, elevadas taxas de morbidade e maiores chances de morrer precocemente, por causas mais agressivas e violentas, quando comparada com a população geral”, ressalta.
Identificação do racismo como fator de risco
Para evitar os danos que as doenças crônicas não transmissíveis podem causar na população negra, Ionara destaca a adoção de políticas públicas e hábitos saudáveis, como alimentação mais equilibrada e prática de esportes.
“Implementar em todo o território nacional a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra, investir em ações e programas de enfrentamento da discriminação nos serviços de saúde e utilizar a raça/cor da pele nos formulários e instrumentos de pesquisa para monitorar e produzir indicadores de saúde e análises desagregadas por raça/cor da pele”, ressalta.
Segundo Laio, sem identificar o racismo como fator de risco é impossível compreender o que faz a população negra ser mais suscetível às doenças crônicas não transmissíveis. “A situação é fruto do adoecimento programado, usado para dominação colonial, portanto persiste. Grupos populacionais específicos são submetidos a jornadas de trabalho mais longas, por exemplo. Logo, é criada uma necessidade de uma alimentação menos saudável e mais rápida, o que mostra o desligamento da cultura alimentar ancestral”, pondera o médico.
Identificar necessidades específicas de saúde para o planejamento e priorização de ações e serviços, gerar e disseminar informações sobre a saúde da população negra também são medidas que contribuem para a melhora da qualidade de vida. Ionara alerta ainda sobre o investimento em informação e formação de profissionais de saúde como estratégias.
“Muitos adoecimentos e mortes são preveníveis, evitáveis, injustificáveis e inadmissíveis. A atenção à saúde da população negra requer a compreensão do racismo como determinante da saúde e o reconhecimento do direito à saúde como bem inalienável de todas as populações”, finaliza a doutora em Saúde Coletiva.
Este conteúdo é resultado de uma parceria entre a Alma Preta Jornalismo e a ACT Promoção da Saúde, organização não governamental que atua na promoção e defesa de políticas de saúde pública, especialmente nas áreas de controle do tabagismo, alimentação saudável, controle do álcool e atividade física. Esse trabalho é realizado por meio de ações de advocacy, que incluem incidência política, comunicação, mobilização, formação de redes e pesquisa, entre outras.
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