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“Devemos nos unir e ser solidários à luta do negro”, diz professor da Uneb

2 de junho de 2018

Em entrevista ao Alma Preta, André Luís Santana fala sobre fatores sociais e históricos usados para colocar a pessoa negra em posição de subalternidade na sociedade

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Texto / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / Arquivo pessoal

Em 30 de maio foi ao ar a reportagem “Por que a intelectualidade negra não é reconhecida?”, que abordava as razões pelas quais o conhecimento e a capacidade intelectual de pessoas negras eram desmerecidos e como esses fatores refletiam na condição subalterna à qual esse grupo é condicionado em âmbito social.

André Luís Santana, diretor de Comunicação do Instituto Mídia Étnica, coordenador do Portal Correio Nagô e professor da Uneb (Universidade do Estado da Bahia), falou a respeito do assunto com a reportagem do Alma Preta.

Confira a seguir, na íntegra, a entrevista concedida por ele.

Alma Preta: É possível dizer que tentativas sistemáticas de subestimar e desmerecer a capacidade intelectual de pessoas negras é um mecanismo de controle sociorracial? Se sim ou não, por quais motivos?

André Luís Santana: Acredito que todas as questões estão relacionadas, pois são estratégias e mecanismos de dominação utilizadas pelo racismo. Para haver dominação, é necessário haver justificativas e elas vêm por meio de desqualificação intelectual e como povo, de toda a sua cultura e, e devem ser o tempo todo deslegitimados e desqualificados para ser possível justificar a dominação.

Em último ponto, as desigualdades que a gente vê em relação à população negra se devem à falta de acesso, de oportunidades e ao genocídio. Deve-se dizer que esse povo vale menos e é menos importante para justificar o extermínio e o genocídio – isso é histórico. Chegou-se ao ponto de haver legitimação da própria ciência, todo o processo de eugenia nos séculos XIX e XX, quando grandes nomes da ciência apoiavam e estavam unidos para legitimar isso. Essa lógica foi proliferada para outros campos, como o das artes.

O discurso da eugenia na história, na ciência, na antropologia e nas artes [mostra que ambas] estavam unidas para comprovar que havia no povo negro a predisposição genética para o mal, violência, crime e para o não desenvolvimento intelectual. Isso fez, por muito tempo, que estivéssemos ausentes de espaços de produção de conhecimento, de legitimação do que é o saber, como na academia, na própria ciência e nas universidades. Isso mudou quando a população negra percebeu que era importante entrar nesses espaços e lutar por isso.

A resistência às cotas é a própria resistência para a população negra começar a ter ferramentas de desconstruir esse discurso. Você tem espaço ao conhecimento e saber, e também tem espaço para falar sobre isso, ou seja, espaço legitimado para produzir ciência e ter voz sobre isso – isso desestrutura sistemas produzidos para nos deslegitimar.

A própria antropologia passa por transformação porque o negro sempre foi o “outro” e alguém sobre quem se fala. A partir do momento em que o negro adentra a ciência e pode falar de si, você deixa um espaço de disputa até hoje.

AP: De modo contraditório, setores da sociedade defendem que pessoas negras e brancas devem ser consideradas como pessoas iguais quando estão em um processo seletivo ou em um vestibular, por exemplo, mas pretos e pardos são preteridos por motivos ligados à questão racial, mesmo indiretamente. Como o falso discurso da meritocracia torna conveniente a restrição do acesso da pessoa negra a oportunidades que poderão lhe proporcionar crescimento?

AS: Dois aspectos são interessantes para se falar sobre. O negro é usado para negar o próprio racismo, pois há quem parta pela lógica de que basta se esforçar pelo próprio o mérito para conseguir – ele é utilizado como negador do racismo. Em vez de sua presença representar uma exceção e confirmar o racismo, é usado pelos discursos de que não há racismo.

Mas, ao mesmo tempo em que é usado para negar o racismo, ele está sob vigilância e há olhares atentos aos seus passos nesses espaços, pois há expectativa de que haja uma falha ou alguma conduta em desacordo com esse sistema montado para deslegitimar a sua presença ali e mostrar que ele não deveria estar nesse local.

Conversando com todos os professores em universidades, assim como médicos, advogados e políticos negros, [costuma-se] falar de estar em um lugar onde não é bem recebido e, ao mesmo tempo, sobre haver vigilância e controle.

É por esse motivo que a gente aprende com os mais velhos, ao dizerem que a gente tinha de fazer bem feito e melhor do que outro, e que a gente não poderia errar. Todas essas expressões foram colocadas na mente da pessoa negra desde a infância porque a expectativa de que se erre é muito grande.

AP: Pode-se dizer que ainda há herança escravocrata nesse cenário? Por quê?

AS: Como a gente combate isso? Primeiro, como o movimento negro tem feito, especialmente agora, indo para a rua, denunciando, e criando organizações e articulações. Em resumo: constranger esse sistema racista. Todas as tentativas de desqualificar são estratégias de dominação e não têm respaldo científico.

Outra coisa é você fazer parte desses espaços. É importante romper a programação mental colocada na pessoa negra de que ali não é o espaço dela e que não deve estar lá. Ela deve, sim, disputar voz e lugar de produção de conhecimento. O movimento negro fez isso também: durante a exigência de ações afirmativas, [o movimento] mirou fortemente nas cotas em universidades, especialmente públicas, e nos cursos que dão prestígio social e econômico.

Claro, deve-se reconhecer o racismo e exigir o seu espaço. A partir do momento em que se tem consciência da estrutura montada para te desqualificar, é necessário ter força e resistência, assim como criar formas de articulação para resistir, pois não há espaço fácil.

Ouvi durante uma fala do professor Ubiratan Castro de Araújo, em uma aula, falando da escravidão e dos espaços ocupados pela população negra naquele período. Ele contava como era dividido: havia o escravo que trabalhava na plantação, outros que estavam na indústria da cana-de-açúcar e os que trabalhavam nas casas.

Lembro-me de que a sensação era extremamente dolorosa: o racismo diz que quem ia para casa era melhor. Não havia [ninguém melhor do que outro]. Havia dor, sofrimento, desumanidade e violência de todas as formas, como estupro, violência física, de tudo. Se você fosse plantar ou ficasse nas casas, todas as atividades eram voltadas à humilhação e à brutalidade.

Acho que a gente pode pensar nisso agora, nas nossas lutas no século XXI. Não dá para a gente fazer a separação de que quem luta na academia é melhor do que quem luta nas instituições públicas. Quem está no governo e na política, ou em uma rede de televisão altamente racista e genocida, esses são espaços nos quais o negro também disputa para estar lá.

A gente precisa entender que devemos nos unir e ser solidários à luta do negro. Se ele resolve que é importante disputar espaço na maior emissora de televisão, na qual são produzidas as diversas subjetividades e ideologias do brasileiro, e onde o tempo todo são potencializados os discursos [dominantes], especialmente para as pessoas mais simples e com menos acesso à informação, é dali onde ela tira a sua subjetividade, os seus gostos e preferências.

Devemos respeitar um negro que quer disputar esse espaço para produzir e construir sua arte, assim como sermos solidários nessa luta. A mesma coisa vale para outro escolhe ir para a academia, em vez de se dizer que a academia não é o lugar [para ele estar]. O que nos cabe é a luta e estarmos em rede e e unidos.

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