Em 5 de junho é comemorado o Dia Mundial do Meio Ambiente. Há 50 anos, em 1972, a data foi instituída durante a Assembleia Geral das Nações Unidas e marcou a abertura da Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano, em Estocolmo, na Suécia. A data tem o objetivo de chamar a atenção para a emergência climática, para problemas ambientais já sentidos em todo o mundo, inclusive no Brasil, e para a necessidade de preservação dos recursos naturais.
A mais recente publicação do 6° relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, sigla em inglês) aponta que as alterações do clima já levaram a perdas globais e danos irreversíveis nos ecossistemas, como a migração e as primeiras extinções de espécies. O IPCC é um comitê composto de cientistas do mundo inteiro que avaliam periodicamente o conhecimento científico sobre as mudanças no clima.
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“Nas últimas décadas, não só no Brasil, mas em todo o mundo, já se observa um aumento na frequência dos extremos. Quando digo extremos, não estou falando só de ondas de calor ou ondas de frio, mas também o que se refere a chuvas intensas, secas, furacões e os impactos que eles produzem, por exemplo, deslizamento de terra, enxurradas e enchentes”, explica José Marengo, climatologista e coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).
O climatologista também ressalta que o aquecimento global é um processo natural da Terra, mas que é gradativo e lento ao longo da história. Entretanto, as atividades humanas aceleram esse processo.
“Com a injeção extra de gases de efeito estufa, metano e óxido de carbono, esse aquecimento está acelerando e os eventos estão ficando mais intensos”, explica Marengo.
De acordo com resumo disponibilizado pelo Observatório do Clima sobre as principais conclusões do relatório do IPCC, os eventos climáticos extremos, cada vez mais frequentes, expuseram milhões de pessoas à insegurança alimentar e hídrica, com os maiores impactos observados na África, na América Latina, na Ásia, nos pequenos países insulares e no Ártico.
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“A mudança do clima retardou os ganhos de produtividade da agricultura mundial nos últimos 50 anos. A desnutrição aumentou, afetando principalmente idosos, crianças, mulheres grávidas e indígena”, explica o resumo.
Atualmente, de 3,3 a 3,6 bilhões de pessoas vivem em regiões ou contextos altamente vulneráveis à mudança climática, sendo que gênero, etnicidade e renda são fatores de aumento de vulnerabilidade. A mortalidade causada por tempestades, secas e enchentes foi 15 vezes maior nas regiões mais vulneráveis entre 2010 e 2020. Os impactos das mudanças são desproporcionais, sobretudo em países desiguais como o Brasil.
“Nas cidades, por exemplo, que vêm sendo atingidas por ondas de calor e outros impactos climáticos ampliados por problemas de desenvolvimento, as populações de favelas são afetadas de forma desproporcional”, apontam as conclusões do estudo do IPCC, que revela a necessidade de que o assunto seja uma das prioridades nas agendas governamentais dos países.
Pela primeira vez, o relatório também afirma que essas mudanças no clima podem estar agravando problemas de saúde mental, como o trauma relacionado à perda de condições de vida devido aos eventos climáticos extremos.
A Alma Preta Jornalismo separou alguns acontecimentos ocorridos recentemente no Brasil e que são reflexo das consequências geradas pelas alterações no clima.
Chuvas intensas
Tragédia em Petrópolis é a maior da Cidade Imperial no Rio de Janeiro | Crédito: Tomaz Silva/Agência Brasil
Só entre o final de 2021 e o primeiro semestre deste ano, chuvas intensas provocaram tragédias no Sul da Bahia, Minas Gerais, nos municípios de Petrópolis e Paraty no Rio de Janeiro e, agora, também em Recife, no Pernambuco.
A tragédia em Pernambuco teve, até o momento, o registro de 127 mortes, com uma pessoa ainda desaparecida, essa se tornando a maior catástrofe dos últimos 50 anos no estado. Já passa de 9 mil o número de desalojados.
No dia 15 de fevereiro deste ano, o município de Petrópolis, na Região Serrana do Rio de Janeiro, foi tomado por uma tragédia considerada a maior da Cidade Imperial. O município recebeu um volume de chuva nunca antes registrado em sua história. As vidas de ao menos 238 pessoas foram perdidas no município de Petrópolis.
O temporal ocorrido em Pernambuco, Rio de Janeiro e em outras regiões do Brasil observados desde o fim do ano passado é um reflexo das mudanças climáticas ao longo das últimas décadas. Segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM), os sete anos mais quentes foram registrados desde 2015, com 2016, 2019 e 2020 no topo desse ranking. De acordo com o órgão da ONU, a temperatura média global ultrapassou os níveis pré-industriais em mais de 1°C.
O aumento desses eventos intensos impacta diretamente as populações mais vulneráveis que sofrem com a falta de políticas públicas habitacionais e de ações preventivas e com a precariedade social e econômica.
O climatologista José Marengo reforça que as chuvas não matam pessoas. O que mata é a combinação entre um volume muito alto de chuvas e pessoas morando em áreas de risco, áreas vulneráveis e exposição de cidades a ameaças climáticas.
“Junto à intensidade dos desastres, a vulnerabilidade da população e a exposição das cidades também estão piorando. As cidades não estão preparadas para isso e então vemos como consequência enchentes, enxurradas e pessoas que morrem soterradas. Se isso está acontecendo no presente, imagine como será no futuro que os modelos estão fazendo projeção de eventos mais intensos, o que pode piorar a situação atual?”, indaga o coordenador-geral do Cemaden.
Entre os anos de 1980 e 2019, o número de desastres naturais no Brasil passou de 5 mil para aproximadamente 33 mil, sendo que o aumento desses eventos foi mais acentuado nos últimos anos.
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Tempestade de areia no Brasil
Tempestade de areia no interior paulista | Crédito: Reprodução/Twitter
Em setembro de 2021, regiões do interior paulista e mineiro foram tomadas por uma tempestade de areia nunca antes vista em tanta magnitude. O fenômeno aconteceu após um período sem chuvas no estado, o que causou o tempo seco e a baixa umidade. Rajadas de vento frio e seco que antecedem as chuvas expulsaram, então, a poeira acumulada nas superfícies.
O fenômeno já foi observado em outros momentos no fim dos períodos mais secos, sobretudo em áreas de plantações, entretanto a intensidade maior e a formação de nuvens gigantes é um reflexo também das mudanças climáticas e do aumento das temperaturas globais, que favorecem maiores períodos de estiagem.
Estiagens, secas e frio fora de época pelo Brasil
Desde o segundo semestre de 2020 a setembro de 2021, o Brasil se viu diante da maior seca em 91 anos. As hidrelétricas das regiões Sudeste e Centro-Oeste chegaram em uma situação crítica com a falta de chuvas e a escassez histórica. As estações mais secas que a média têm acontecido com mais frequência nos últimos anos, afetando a oferta de água potável para a população e também levando ao aumento das contas de energia e perigos de apagões.
De acordo com relatório do IPCC em publicação do ClimaInfo, as áreas do Nordeste sujeitas à seca, aumentaram em 65% no período de 2010 a 2019 e, para o futuro, espera-se que os impactos das mudanças climáticas impulsionem o aumento da seca na região.
Estiagens afetam os reservatórios de água do Brasil | Crédito: Reprodução/ IBBL
O relatório também pontua que o calor e a umidade ultrapassarão a tolerância humana, inclusive no Brasil se as emissões de gases de efeito estufa não forem reduzidas. As mortes por calor no país poderão aumentar em 3% até 2050 e em 8% até 2090. O eventos extremos como a queda nas temperaturas e frios fora de época no país também fazem parte de um cenário causado por um planeta mais quente, segundo informações do Observatório do Clima.
Políticas de adaptação e de prevenção são necessárias
A ecofeminista e diretora do movimento Nossa América Verde Sylvia Siqueira pontua que a cultura do Brasil é de emergência, em que as principais decisões políticas são tomadas de última hora. Além disso, as pessoas normalmente não entendem como funciona a burocracia do estado e como se pode intervir ou participar da decisão orçamentária.
“Quando a gente olha para o Legislativo, a função dele no âmbito de justiça climática é fazer a atualização da legislação. É preciso ter uma atualização da legislação ambiental no sentido de preservação, mas também de fiscalização. Diversos desastres ocorrem no nosso país pela falta de fiscalização. Em termos ambientais, a gente precisa de um sistema de fiscalização do solo, das águas e do ar. Por outro lado, o Executivo precisa desenhar políticas mais eficazes e implementá-las com qualidade, mas principalmente em territórios historicamente vulneráveis ou vulnerabilizados”, explica a ecofeminista.
De acordo com Sylvia, a mudança climática tem tudo a ver com a forma de se redesenhar o modelo de governança com ampla participação popular. “Quando a gente fala sobre participação popular, não é simplesmente colocar uma consulta na internet. É sobre um redesenho de como a gente envolve os territórios no desenho orçamentário das cidades para que as pessoas que moram naquela cidade, tanto na área urbana quanto rural, e que a gente sabe que é de maioria negra, decida também sobre esse orçamento”, destaca.
O climatologista José Marengo ressalta a importância de, além de se buscar reduzir o aquecimento do planeta o máximo possível nesse contexto, também trabalhar nas possibilidades de adaptação às alterações climáticas, como investir em sistemas de alertas e políticas para auxiliar e retirar pessoas de áreas de risco.
“Se tivéssemos uma chuva muito forte no futuro, mas se a cidade é resiliente e se a população não mora em áreas de risco, nós teríamos desastres naturais que não matariam pessoas. Nós chegamos em um momento no qual já não é possível dizer que a chuva não vai acontecer, o que temos que reduzir é o impacto dessas chuvas e aí entram as políticas de urbanização, de governo, ambiental e plano de mudanças climáticas” explica o climatologista.
A diretora do movimento Nossa América Verde também pontua que as tragédias que ocorrem por conta da falta de planejamento em torno dos eventos naturais mais intensos interfere em todas as áreas da vida de uma pessoa, como na alimentação e no acesso ao trabalho, por exemplo.
“Um impacto muito grave para nossa população, para a população negra e periférica, seja urbana ou rural em diferentes dimensões, é o acesso à comida. Porque seja pela seca, seja pela enchente, a produção agrícola ou agroecológica das famílias agricultoras é prejudicada. Isso prejudica essas famílias em termos tanto alimentar, como também econômico e financeiro, porque ela não tem o que vender, logo outras áreas da vida dela são afetadas. E, nas cidades, o que consegue chegar das produções agrícolas, chega com preços mais altos”, finaliza a ecofeminista.
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