PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

DJ Rennan da Penha: prisão e o apagamento da população jovem, negra e favelada

19 de junho de 2019

Desde que foi preso, o Baile da Gaiola, que movimentava a economia do Complexo da Penha (RJ), com cerca de 20 mil pessoas por edição, deixou de acontecer

Texto / Simone Freire | Imagem / Reprodução

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

A prisão de Renan Santos da Silva, conhecido como DJ Rennan da Penha, completa dois meses na próxima semana. Desde que foi preso, o Baile da Gaiola, que movimentava a economia do Complexo da Penha, no Rio de Janeiro, com cerca de 20 mil pessoas por edição, deixou de acontecer.

No início, a prisão do DJ, acusado de ser “olheiro” do tráfico, gerou revolta, vários comentários nas redes sociais de amigos, parceiros de trabalho e até mesmo uma mobilização na Lapa, que denunciou o racismo estrutural do sistema judiciário no caso, uma vez que, segundo os manifestantes, a prisão do músico representava a nítida “tentativa de criminalização da cultura popular e do funk carioca”.

No entanto, passados quase 60 dias, as denúncias sobre o aspecto de sua prisão parecem ser cada vez menos evidenciadas. Para Raul Santiago, ativista de direitos humanos e integrante do Coletivo Papo Reto, há um processo grave de silenciamento coletivo após a prisão do DJ ao mesmo tempo em que seu som, seu nome e o nome do baile que ele fazia continuam circulando por várias casas de show pelo Rio de Janeiro e pelo país.

“O caso dele está sendo apagado de forma estratégica. Agora que ele está preso, ele cai no isolamento e no silenciamento, no apagar de memória que significa o sistema penitenciário para a juventude negra, periférica e favelada”, pontua.

O site “Deixa eu dançar” criado pela Chama Agência Rede foi criado para rebater as argumentações que acusam Rennan. Há também um trabalho de mobilização online por meio da hashtag #deixaeudançar que visa chamar mais atenção para o caso.

Criminalização

Em suas redes sociais, Santiago pediu para que todos que curtem as músicas de Rennan, e que curtem os bailes, mobilizem suas redes sociais e peçam por sua liberdade. “Não podemos permitir este silenciamento e apagamento e darmos por vencido que ele está preso e acabou quando, na verdade, se trata de uma prisão extremamente racista e perseguidora da cultura da periferia, da favela, da juventude negra”, diz.

A prisão do DJ Rennan da Penha escancara o racismo do processo de criminalização do funk! Acesse o site, entenda o caso e compartilhe: (link: http://www.deixaeudancar.org/) deixaeudancar.org Use a hashtag e compartilhe o video: #DeixaEuDançar #ChamaAgenciaRede

Companheira de Rennan, Lorena Vieira tem visitado o músico na prisão desde que a Justiça permitiu que ele recebesse visitas, há pouco mais de um mês. O aspecto racista também é pontuado por ela: “criminalizam o funk, o preto e o ´’favelado’ e ele [Rennan] é as três coisas, né!? Não tem outra explicação a não ser preconceito! É por esse motivo a revolta de todos, porque todos sabem que ele só está preso pelo gênero da música que tocava, da origem e a cor da pele!”, explica.

O caso na Justiça começou em 2015 depois de uma denúncia apresentada pelo promotor Sauvei Lai em outubro daquele ano. Rennan era um dos últimos de uma lista com mais de 30 nomes. Em 2016, ele foi absolvido em primeira instância. No entanto, na apelação do caso, a Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio, emitiu um mandado de prisão contra ele e mais dez pessoas, no final do mês de março deste ano.

A Justiça do Rio o condenou por associação ao tráfico de drogas com pena prevista de seis anos e oito meses em regime fechado. Sua defesa chegou a apelar para o Supremo Tribunal Federal, mas a ministra Rosa Weber negou o pedido de habeas corpus impetrado.

 
 
 
 
 
Ver essa foto no Instagram
 
 
 
 
 
 
 
 
 

Seguimos acreditando na Justiça ! #Equiperennandapenha

Uma publicação compartilhada por Rennan da Penha (@djrennandapenha) em

Também em março, advogados da Ordem dos Advogados do Brasil do Rio de Janeiro (OAB-RJ), por meio de uma nota, criticaram o pedido de prisão lembrando que o Estado brasileiro sempre controlou classes sociais por meio da criminalização de estilos musicais e representações culturais como a capoeira, o samba e, mais recentemente, o funk.

“A teratologia do caso de emitir juízo de valor negativo em relação a alguém que demonstra afeto a pessoas que faleceram na falida guerra às drogas ou que possuem uma atividade econômica lícita vinculada a um estilo musical marginalizado pela classe dominante da sociedade salta aos olhos”, pontuaram na época.

Além da sobrevivência

Assim que a prisão do DJ foi decretada, MC Carol também criticou a decisão nas redes pontuando o quão cíclico era esta situação. “É isso que está acontecendo desde sempre com os funkeiros, pretos e favelados, estamos sendo seguidos, perseguidos, caçados, difamados, presos e mortos o tempo todo e ninguém faz nada. Sabe qual é nosso crime? Ganhar dinheiro falando sobre a realidade da favela, sendo preto”, escreveu a cantora em suas redes sociais.

Quando estava na ativa, o Baile da Gaiola chegou a reunir em uma única edição cerca de 25 mil pessoas. Ao passo que o baile ficava mais famoso, sua fama e renda aumentavam na mesma proporção. Ele teve a oportunidade de fazer várias parcerias musicais e estava ao lado de outros grandes nomes do gênero musical como Ludmilla e MC Livinho, por exemplo.

Com a mesma percepção de MC Carol, o ativista Raul Santiago afirma que a prisão de Rennan também busca determinar que a cultura da favela só pode ir até um certo ponto, que é o ponto da sobrevivência. “Quando a gente começa a fazer grana, a empreender, a gerar renda e alcançar outros espaços sem abandonar as nossas raízes e as nossas verdades, eles [Estado] vêm e minam a gente, quando não assassinam ou encarceram”, critica.

Rennan e o Baile da Gaiola ganharam ainda mais notoriedade por serem protagonistas da vertente do funk conhecida como 150 BPM (batidas por minuto), que vem sendo considerada uma tendência que devolve o protagonismo no gênero às produções do Rio de Janeiro. Antes de sua geração, o funk era produzido em um ritmo menos acelerado, o 130 BPM.

“O Rennan é um grande artista, que sustenta famílias, que ajudava a favela, que ajudava as crianças! Coisas que o governo não faz! É um cara brilhante, com sonhos bons e planos bons, que teve zero oportunidade na vida, e que luta até o fim! E está lutando contra essa covardia!”, lembra Lorena.

Pouco antes da prisão definitiva de Rennan, o Baile da Gaiola já vinha sendo alvo de operações para acabar com a atividade. Em fevereiro, por exemplo, uma das intervenções policiais acabou com quatro feridos e um mês depois outra operação policial foi realizada.

Desejando que o funk, assim como o favelado, um dia deixe de ser associado ao crime, Lorena afirma que ela e o DJ tem recebido apoio de muitas pessoas e fãs. “Com certeza ele vai voltar com várias ideias ótimas pros fãs dele! Ele é muito grato por tudo! Estamos juntos até o fim!”, diz.

Enquanto isso, DJ Rennan da Penha entra para as estatísticas de um país que tem quarta maior população carcerária do mundo com aproximadamente 700 mil presos, dos quais 61,7% são pretos ou pardos.

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia Mais

PUBLICIDADE

Destaques

AudioVisual

Podcast

papo-preto-logo

Cotidiano