O primeiro semestre deste ano trouxe grandes tragédias relacionadas a chuvas intensas e deslizamentos de terra que tiraram a vida de centenas de pessoas. Diante da crise climática que torna os fenômenos naturais cada vez mais intensos, além de uma questão social e habitacional que não é resolvida nas cidades, algumas alternativas são pensadas para atenuar o problema dos deslizamentos de terra em áreas de risco.
De acordo com levantamento do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), de 1988 até abril deste ano, já são 3.790 pessoas mortas no Brasil vítimas de deslizamentos de terra. O Rio de Janeiro é o estado com mais número de vítimas: 1.906. Os dados nem estão atualizados com a recente tragédia das chuvas ocorrida em Pernambuco, com 128 mortos.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Os casos de vítimas e desabrigados por conta de deslizamentos de terra, entre outras tragédias envolvendo as chuvas, são situações presenciadas em vários estados de diferentes regiões do país. Um estudo da Confederação Nacional dos Municípios e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais revela que aproximadamente oito milhões de brasileiros vivem em áreas de alto risco sujeitas a desastres naturais, a maioria localizada nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste.
Segundo o biólogo e gestor ambiental Clayton Martins Rangel de Souza, os deslizamentos, quase em sua totalidade, ocorrem quando é retirada a vegetação natural para estabelecer moradias, plantios e criação animal em tempo de chuva.
“Sendo assim, a forma mais eficaz é reintroduzir plantas para restaurar condições mais naturais possíveis à anteriormente existente. As plantas servem como uma rede de resistência para solo através das raízes, desta forma não permite a movimentação do mesmo, evitando o deslizamento”, explica Clayton.
O arquiteto e urbanista Conrado Gonçalves Carvalho pontua que, quando o solo não está exposto, há um aumento da capacidade drenante dele, o que diminui mais as possibilidades de calamidades decorrentes de chuvas.
“O solo fica protegido nesse sentido. A água chega ao solo em uma velocidade menor, dando tempo dele conseguir absorver. Por isso é importante ter essa camada de vegetação”, complementa Conrado, também mestre em Engenharia Urbana.
Introdução de vegetação em áreas de risco com moradias
De acordo com o arquiteto e urbanista Conrado Carvalho, algumas plantas contribuem para, além de melhorar a capacidade drenante de solo e reduzir a chance de ocorrência de erosões, melhorar a integridade física e estrutural do terreno.
“As raízes de algumas espécies de plantas, principalmente, vão ajudar muito a manter esse solo mais unido e mais coeso”, destaca.
Segundo Clayton Souza, uma planta que pode ser utilizada com essa finalidade de sustentação e contenção do solo é o capim vetiver.
“Segundo a Embrapa, o capim vetiver é uma planta que possui uma raiz com cerca de 5 metros de comprimento abaixo da terra. Associada a reflorestamento na recuperação de área degradada, está se mostrando muito eficaz na prevenção de deslizamento”, comenta o biólogo.
O mestre em Engenharia Urbana Conrado Carvalho também destaca que o recomendável é que cada situação seja analisada individualmente, porque as localidades tem suas próprias características, como grau de inclinação, solo exposto, esgoto a céu aberto, problemas de drenagem e outros fatores que, associados, intensificam os riscos de deslizamento.
“Não são todas as plantas que têm raízes que vão conseguir contribuir para melhorar essa estrutura do solo. Tem alguns fatores relacionadas às plantas que podem prejudicar a situação em relação a aumentar a possibilidade de ocorrência de deslizamento. Algumas plantas nas encostas, como árvores grandes e pesadas – como mangueiras e abacateiros -, podem prejudicar e aumentar o risco de deslizamento”, explica.
Bananeiras não são recomendadas em morros e encostas | Crédito: Prato Verde Sustentável
Segundo informações da Defesa Civil do Estado da Bahia – principal instituição responsável por monitoramento em áreas de risco-, algumas plantas não recomendadas em morros e encostas, como bananeira, mamão, coco, jaca e vegetação de raízes curtas. Pode-se utilizar plantas como capim sândalo, grama forquilha e algumas frutíferas, a exemplo do limão e acerola. De forma geral, são recomendadas plantas com raízes compridas, gramas e capins que sustentam mais a terra.
“Mas ainda assim, algumas dessas plantas não são interessantes se estiverem em terrenos muito inclinados. Quando se fala em situação de grandes inclinações, as plantas e as vegetações vão ter pouquíssima eficiência no sentido de conter e mitigar os riscos”, alerta o arquiteta Conrado, que destaca a importância de uma análise de acordo com as diferentes situações.
Além disso, a Defesa Civil também recomenda outras práticas como a construção de canaletas, o conserto o mais breve possível de vazamentos e a retirada de lixos e entulhos nos morros, porque podem entupir as saídas de água e aumentar o peso sobre o solo.
O geógrafo e gestor ambiental Wagner Ramalho é criador do Prato Verde Sustentável, um projeto de impacto socioambiental localizado na periferia de São Paulo que visa conscientizar a população de baixa renda para o consumo de alimentos nutritivos e saudáveis.
Na horta urbana comunitária do projeto, localizada na parte de cima de uma encosta, o território é trabalhado de forma a preservar a mata original e evitar o processo de erosão e degradação do solo. São utilizadas algumas plantas, como a taioba e espécies nativas, que enraizam no solo.
O criador do projeto conta que o terreno é aproveitado em curva de nível e as plantações ocorrem de acordo com o declínio, o que acaba preservando a encosta.
Curvas de nível no projeto Prato Verde Sustentável | Crédito: Prato Verde Sustentável
“A gente acaba cultivando no meio dessas espécies e aproveitando o máximo o espaço sem criar algum tipo de erosão. Então tem uma curva de nível, a gente prepara esse solo. Diminuímos o número de água escorrendo. Conforme você consegue captar essa água da chuva numa cisterna, você diminui as enchentes ao redor do projeto. Fora os canteiros que absorvem essa água também e não deixam escorrer com uma força desproporcional, principalmente nas encostas dos morros”, explica Wagner.
“A agroecologia pensa muito nisso, em como a gente diminui os impactos da própria periferia ambiental. Então a gente já pensa em um projeto social que, além de criação de renda, pensa nos impactos ambientais, preservação de desastres naturais, principalmente em época de chuva”, complementa.
Folhas de taioba | Crédito: Prato Verde Sustentável
Wagner Ramalho pontua que deveria haver políticas públicas efetivas para repassar o conhecimento do que as pessoas deveriam plantar ou não nos terrenos, além de receberem apoio e assistência de como melhor drenar a água das chuvas
“O ideal é preservar a floresta nativa, mas como a gente tem um problema de moradia em SP e nas grandes cidades, então não temos uma fiscalização. Tinha que passar conhecimento primeiramente para essas pessoas. Sem uma política pública é muito difícil, as pessoas constroem de acordo com suas necessidades”, destaca o geógrafo.
Existem medidas estruturais e não estruturais – como a implantação de vegetação – que podem ser aplicadas em áreas de risco para evitar deslizamentos. As estruturais, que englobam obras de engenharia e equipes mais especializadas são as mais caras e muitas vezes inviabilizadas pela falta de investimentos públicos.
Entretanto, existem órgãos e serviços públicos encarregados de pensar medidas de implantação de vegetação nos espaços urbanos e também de se atentar e monitorar áreas de risco, como é o caso da Defesa Civil.
O Departamento de Estradas de Rodagem do Estado de São Paulo (DER), que administra o sistema rodoviário estadual, também utiliza a implantação de vegetação para evitar deslizamentos de encostas próximas a rodovias.
“O DER utiliza grama em placa e/ou por hidrossemeadura para prevenção de deslizamentos de terra em todo o Estado. Além disso, o Departamento realiza projetos de engenharia para estabilização de solo, que podem compreender em obras para instalação de muro de arrimo; sacaria ou grampeamento do solo”, respondem em nota.
Muros de contenção são medidas a serem consideradas em áreas de risco | Crédito: Reprodução/ Mapa da Obra
A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Defesa Civil do Estado de São Paulo para saber sobre a atuação da instituição em áreas de risco. Em nota, o órgão informou que mantém disponível e de modo permanente instrumentos de identificação de risco, com mapas de setorização e suscetibilidade de risco, além de capacitar os municípios paulistas para a leitura, interpretação e aplicação desses instrumentos em seus respectivos territórios.
“Também são realizados simulados e treinamentos buscando preparar a população para os mais variados tipos de desastres, como rompimento de barragens, deslizamentos de terra e inundações”, explicam.
Além disso, dentre as ações desenvolvidas pela Defesa Civil Estadual, estão as obras recuperativas e preventivas, onde há investimento direto do Governo do Estado para restaurar os municípios após a ocorrência de algum desastre.
“Dentre as obras construídas, os muros de contenção em áreas de encosta e barreiras buscam garantir uma maior segurança para a população local, quanto ao surgimento de novos deslizamentos. Nos últimos três anos, a Defesa Civil do Estado de São Paulo investiu cerca de R$ 90,6 milhões em obras recuperativas e preventivas de Defesa Civil”, informam.
Já a Divisão de Arborização Urbana da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente (SVMA) do município de São Paulo ressalta que, para locais considerados áreas de risco, somente obras de engenharia de contenção e muros de proteção são capazes de suportar a sobrecarga exercida pelo intenso volume no solo. As plantas são utilizadas para manter a cobertura do terreno, após a realização da obra.
“A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras informa que está em elaboração o Programa de Redução de Áreas de Risco (PRAR). A iniciativa está voltada para a mitigação do efeito das chuvas principalmente nas áreas de risco R3 e R4 (grau alto e muito alto) mapeadas pela Defesa Civil, por meio de obras pontuais e de rápida execução. O programa será lançado em breve”, também informam em nota.
Só vegetação não resolve o problema, a questão é social e habitacional
Priscila Cevada, estudante de florestas urbanas no Senac, também conta que começou a se interessar pela temática de introdução de plantas em terrenos quando começou a ver um processo de erosão próximo ao sítio que possui, mas destaca que só a introdução das plantas não resolve o problema.
“Quando a gente trata de natureza, precisamos pensar que é todo um complexo, não adianta fazer um concreto na rua de cima e só colocar a grama e achar que não vai desmoronar. Se eu coloquei concreto na rua de cima, eu preciso escoar a água antes de botar grama. Não dá pra gente ser leviano e dizer que só botando capim já resolve o problema. Precisa haver um estudo da encosta”, ressalta.
Nesse sentido, o arquiteto e urbanista Conrado Carvalho ressalta que, apesar da atenção à vegetação das encostas e morros ser muito importante, até mesmo em meio a florestas nativas os desastres naturais envolvendo deslizamentos ocorrem.
“Se a inclinação for muito alta e tiver uma associação com outros fatores de risco, as plantas vão ter uma eficiência muito pequena. Precisa de obra de infraestrutura, precisa-se fazer uma contenção, como um muro. Então não dá para dizer que vai ser uma solução eficiente a [introdução só de plantas], porque deslizamentos ocorrem por uma soma de fatores”, explica.
O arquiteto pontua que, na verdade, não se deve ocupar em áreas de risco e permitir ocupações nesses locais, mas as moradias que já existem têm que ter seus problemas mitigados e a solução mais eficiente, falando de áreas urbanas , são obras de infraestrutura, de engenharia e de contenção.
“Aí a gente entra na questão do investimento e do recurso público em áreas periféricas, que ocorre historicamente em número muito menor do que deveria. A causa principal de tanta gente morrer todo ano, desde que a população brasileira começou a aumentar nas cidades, é de certa forma uma decisão do estado. É uma decisão pela não atuação. A real causa dos deslizamentos no Brasil é uma decisão por não investir e por não se destinar recursos para que esses problemas diminuam e se atenuem”, explica Conrado.
O mestre em Engenharia Urbana relembra que existe a Lei 11.888, de 2008, que pontua que o estado deve fornecer assistência técnica gratuita para que as pessoas possam construir e reformar suas casas, mas ela em pouquíssimas situações foi implementada.
“Falar de deslizamento no Brasil é falar de um problema urbano, da crise urbana e de uma crise habitacional, da falta de moradia. Simplesmente o estado não provê moradias para as pessoas, o que é um direito constitucional. O estado tinha que possibilitar moradias de qualidade em área que foi estruturada, dando a chance para as pessoas não colocarem suas vidas em risco”, finaliza.
Leia também: Dia Mundial do Meio Ambiente: como as mudanças climáticas já impactam as populações no Brasil?