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Em poucos dias, alta do gás já ameaça renda da população negra

Com recente anúncio de aumento de 16% do valor nas refinarias,os mais pobres já sentem o peso do produto no orçamento; em São Paulo, ação social doou vouchers de 475 botijões, mas precisou cobrar R$10 dos assistidos após reajuste

Imagem:  Agência Brasil

Foto: Imagem: Agência Brasil

15 de março de 2022

Em um intervalo de apenas cinco meses, o Gás Liquefeito de Petróleo, também conhecido como ‘GLP’, sofreu um novo reajuste de 16% nas refinarias. A medida da Petrobras foi acompanhada de um aumento de 25% no preço dos combustíveis derivados do petróleo, o que gerou alta de preços em produtos como a gasolina e o diesel. O peso no orçamento dos brasileiros está ainda maior, principalmente, diante dos efeitos da pandemia e de um cenário político de crise.

Segundo dados fornecidos pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), com o reajuste, o gás de cozinha passará de R$3,86 para R$4,48 o quilo. Em termos práticos, em um comparativo com o preço do mesmo produto há uma década, é possível identificar um salto. Em 2011, o preço do gás girava em torno de R$40. Hoje, em cidades como São Paulo e Pernambuco, revendedores chegam a cobrar, em média, entre R$120 a R$150, uma alta de 275% desde 2011 até 2022.

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Ainda segundo a ANP, no intervalo entre os meses de junho e novembro do ano passado – em relatório disponibilizado pela média do preço semestral do GLP – o valor do gás já chegava a R$95,63. Já de setembro até fevereiro deste ano, o valor passou para R$101,37. O que representa uma alta de 6%, apenas neste período. Os últimos dados fornecidos sobre inflação pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ainda reiteram que, em 12 meses, o gás de botijão acumula uma alta de 27,63%.  

Os constantes reajustes são sentidos por pessoas como Ana Benedita. Moradora do Recife, a artista e educadora conta com as vendas dos pratos servidos em seu pequeno negócio, a Iyá Sabores. Questionada sobre como lidou com a alta, a microempresária afirma que há pouco mais de dois anos tem que fazer “malabarismos” para poder suprir as necessidades financeiras e conseguir investir em seu negócio. 

“Não só eu, mas outras mulheres negras, mães, que trabalham e tem os seus negócios, todo mês lidam com o quebra-cabeça de como resolverão as contas não só delas, mas dos filhos, da família. É o que eu faço. Usei da minha aptidão com a cozinha para, em horários extras ao meu trabalho diário, vender minhas comidas em feiras e até em festas. O problema é que, quanto mais a gente se esforça, parece que mais obstáculos aparecem. Nós só lidamos com aumentos e aumentos e, no final das contas, esperamos que tenham clientes e que, hoje, mais do que nunca, entendam que nós precisamos do lucro”, comenta. 

O Mestre em economia e Doutor em administração, Elias Sampaio, afirma que esses tipos de aumento impactam diretamente as camadas menos favorecidas financeiramente da população do país, formado principalmente por pessoas negras. “Assim, os efeitos do aumento são devastadores, tendo em vista que em cima disso essa população enfrenta outras vulnerabilidades, como o acesso desigual ao dinheiro e aos serviços”, afirma.

O economista aponta que os efeitos sofridos por esta população não se dá só no aumento do gás, mas em toda uma cadeia que antecede o acesso à ferramenta para cozinhar, como do valor dos combustíveis para transportes, que também é embutido no valor dos produtos e no preço dos alimentos. Como resposta à instabilidade que atinge toda uma cadeia, para Sampaio, o preço dos combustíveis no Brasil já deveria ter uma rede de proteção contra as oscilações do mercado externo há anos. 

“Temos uma política econômica relacionada ao petróleo que é quase centenária, mesmo assim, conseguimos enxergar, do ponto de vista social, a disparidade que os efeitos da oscilação dos preços gera na vida da população, formada por pessoas que não chegam a ter acesso ao gás e que, ainda hoje, cozinham à lenha. Por isso, vejo que há uma necessidade de política pública que pense em economia consciente de que o acesso aos serviços é assimétrico, principalmente quando analisada de um ponto de vista étnico”, pontua.

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Medidas paliativas 

No Jardim Elba, no extremo Leste da capital paulista, o time de futebol de várzea Complexo do Jardim Elba, promoveu a terceira edição da ação social de distribuição de gás de cozinha para famílias que moram nas favelas da região. 

Em 2020, eles conseguiram distribuir gás para 900 famílias. No ano passado, foram 417 famílias atendidas. A expectativa para este ano era aumentar a abrangência da ação, chegando a 745 famílias, porém, a alta do preço do gás mudou os planos do time.

“Com o preço mais caro do botijão, nós conseguimos cadastrar as 745 famílias, porém, pela primeira vez, elas terão que completar o voucher do gás com mais dez reais do próprio bolso lá na revendedora. É muito triste para nós uma situação dessas, ainda mais se tratando de pessoas já com a renda extremamente comprometida”, lamenta Reginaldo Gavião, coordenador das ações sociais do Complexo da Vila Elba.

A distribuição de gás nas favelas do extremo leste, promovida pelo time de várzea, só é possível por conta da parceria com empresas e doações. A ação que aconteceu no último domingo (13) foi apoiada pelo Banco do Brasil, Cufa, Abam (Associação dos Bananicultores de Miracatu) e Petrobras.

“Esperamos contar com o apoio de mais empresas e mais doadores para ampliar as nossas ações sociais”, diz o coordenador do time.

Para tentar reduzir os impactos do aumento, o Senado, na última quinta-feira (10), aprovou um projeto de lei que inclui a ampliação do número de beneficiários do Vale Gás, que aumenta de 5,5 milhões para 11 milhões de famílias assistidas pelo programa. No entanto, o recurso não recebe um aumento sobre o valor atual, suprindo apenas a metade do valor de um botijão de gás de 13kg, que, atualmente, gira em torno de R$52. 

A medida é vista como paliativa para Elias Sampaio, que definiu como medida sem sustentabilidade e que não resolve a problemática sobre os efeitos em cadeia gerados pela oscilação dos preços dos combustíveis como uma política pública efetiva.

“Estamos falando de uma classe política hipócrita dentro de um cenário de ano eleitoral. Medidas como essa resolvem o problema de forma pontual, apenas. A classe política que pode exercer poder sobre questões econômicas como essa não veem o Brasil como um país assimétrico. Ao que parece, brincam de políticas públicas que, no fim das contas, dialogam com classes mais abastadas. Se não houver inclusão étnica nessas discussões, políticas permanentes destinadas à pessoas negras, por exemplo, jamais serão permanentes”, finaliza. 

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