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Em Sergipe, comunidades tradicionais cobram políticas públicas pela vida

Marisqueiras, pescadores, quilombolas, extravistas, camponeses e demais populações tradicionais denunciam aumento da fome e os impactos gerados pelo derramamento de petróleo na região e da pandemia pela COVID-19; 68 entidades assinam carta buscando respostas em caráter de urgência da gestão estadual

Texto: Victor Lacerda / Edição: Lenne Ferreira / Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil

Em Sergipe, povos e comunidades tradicionais denunciam falta de políticas públicas dedicadas à sobrevivência

Foto: Rio de Janeiro - Mesmo poluída, Baía de Guanabara é fonte de renda para milhares de pescadores (Tânia Rêgo/Agência Brasil)

1 de junho de 2021

Desde 2019, marisqueiras, pescadores artesanais, quilombolas, extrativistas, camponeses e outros povos e comunidades tradicionais de Sergipe passam por dificuldades causadas pelo derramamento de petróleo no mar, principal fonte de alimento e renda. Garantir comida na mesa e renda para manutenção são desafios cada vez mais difíceis de serem superados com chegada da pandemia pela COVID-19. Sem perspectivas de melhorias e de inserção de políticas públicas específicas para a situação grave atual, entidades e movimentos locais emitem Carta Aberta exigindo respostas do governo. 

“Estamos passando fome, em muitas de nossas casas não há o que comer, nos falta alimento no prato e não temos tido condição de trabalhar, em um cenário de isolamento social e prestes a completar dois anos do derramamento de petróleo, a maior tragédia-crime da história deste país”, afirmam num trecho do documento. Em um diagnóstico realizado entre março e abril deste ano, em 27 comunidades, de 10 municípios, foi constatado que 2.374 famílias necessitam de alimentos, o que totaliza quase 10 mil pessoas, considerando a média de quatro pessoas por família do Nordeste do país. 

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Em um diagnóstico levantado por organizações sociais e entidades de auxílio locais, entre março e abril deste ano, em 27 comunidades, de 10 municípios, foi constatado que 2.374 famílias necessitam de alimentos, o que totaliza quase 10 mil pessoas, considerando a média de quatro pessoas por família do Nordeste do país. 

Leia também: ‘Há uma ligação direta entre insegurança alimentar e racismo no Brasil’, diz nutricionista

“Hoje este número é maior e se ampliarmos os territórios em um novo diagnóstico teremos ainda mais gente nossa sem a garantia de ter comida no prato na próxima refeição! Nós, que historicamente somos responsáveis por colocar cerca de 70% do pescado e 70% dos alimentos proveniente da agricultura nos pratos de vocês, estamos sem ter o que comer”, afirmam.

A respeito do derramamento de petróleo, os povos tradicionais ressaltam que os impactos foram estruturais, considerando a situação de que o pescado ficou comprometido para alimentação, os produtos da pesca e mariscagem que foram danificados, além das famílias que adoeceram mental e fisicamente e as mulheres que perderam a autonomia financeira.

“Quem foi o responsável pelo derramamento do petróleo? Quais são os danos causados a nossa saúde e a de quem teve contato direto com esse material tóxico? E ao meio ambiente? Estes danos são reversíveis? Durarão por quanto tempo? O pescado consumido nos contaminou? Por que não houve acionamento do Plano de Contingência? Qual o interesse da base governista no Congresso Nacional em não aprovar a renovação da CPI do derramamento de petróleo?”. Essas são algumas das perguntas feitas pelas comunidades.

Os grupos que assinam a Carta denunciam ainda que “não houve uma política de reparação ampla e justa, capaz de minimizar momentaneamente os efeitos do derramamento”. 

Entre as exigências de retorno por parte da gestão estadual estão a garantia de alimentação para as famílias que compense os danos provocados pela pandemia e o derramamento de petróleo na região; reparação financeira para os povos e comunidades tradicionais – como pescadores, pescadoras e marisqueiras – que foram prejudicadas pela chegada do óleo nas praias; o acesso às cestas básicas até terem a segurança necessária para o retorno de suas funções e um auxílio emergencial de, no mínimo R$600 até o fim da pandemia. 

Ao todo, 68 entidades assinam o documento em apoio às reivindicações apresentadas, entre elas estão o Fórum de Povos e Comunidades Tradicionais de Sergipe, Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras,  Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Sócioambiental, Rede Sergipana de Agroecologia, Movimento Organizado dos Trabalhadores Urbanos  e o  Movimento Camponês Popular. 

Procurada pela Alma Preta Jornalismo, até o fechamento desta publicação, a assessoria de comunicação do Governo de Sergipe não apresentou respostas.

Leia a Carta Aberta na íntegra: 

CARTA ABERTA DOS POVOS E COMUNIDADES TRADICIONAIS, SOBRE A FOME,  DERRAMAMENTO DE PETRÓLEO E A COVID-19 

À SOCIEDADE CIVIL E AOS ÓRGÃOS COMPETENTES 

Nós, povos e comunidades tradicionais viemos por meio desta Carta de Reivindicações relatar a  gravíssima situação pela qual passam nossas comunidades e famílias: estamos passando fome, em  muitas de nossas casas não há o que comer, nos falta alimento no prato e não temos tido condição  de trabalhar, em um cenário de isolamento social e prestes a completar dois anos do derramamento  de petróleo, a maior tragédia-crime da história deste país.  

Nossos territórios habitados por pescadores e pescadoras artesanais, marisqueiras, quilombolas,  extrativistas, camponeses e uma diversidade de trabalhadores e trabalhadoras de muitos e diversos  ramos; são historicamente impactados por empreendimentos. Tais como: a indústria do petróleo,  usinas eólicas, termoelétricas, especulação imobiliária, turismo predatório e a carcinicultura.  Cotidiana e historicamente nossos direitos humanos são violados e nossa natureza é destruída.  Dessa forma, tem sido cotidiana e histórica nossa resistência às tentativas de nos exterminar.  

Esse quadro foi profundamente agravado a partir de setembro de 2019, quando fomos impactados  pelo maior derramamento de petróleo do Atlântico Sul, o maior crime ambiental da história do país.  Esse episódio impactou estruturalmente as comunidades, pois impediram que nós pudéssemos  consumir e comercializar nossos produtos: peixes, mariscos, ostras, caranguejos, bem como, os  outros crustáceos que conseguíamos extrair do mangue; o artesanato, as geléias, as polpas, etc.. Os  impactos provocados tiveram efeitos imediatos em nossas vidas: (1) os produtos da pesca e da  mariscagem foram danificados; (2) sem a comercialização de nosso pescado ficamos  impossibilitados de comprar gêneros básicos para a alimentação, constituindo assim, um quadro  grave de fome nos nossos territórios; (3) nós mulheres tivemos a perda de nossa autonomia  financeira; (4) percebemos um grande aumento de casos de adoecimento mental em nossas  comunidades; (5) muitos e muitas de nós ficamos adoecidos. Quem foi o responsável pelo  derramamento do petróleo? Quais são os danos 2 causados a nossa saúde e a de quem teve contato  direto com esse material tóxico? E ao meio ambiente? Estes danos são reversíveis? Durarão por  quanto tempo? O pescado consumido nos contaminou? Por que não houve acionamento do Plano de  Contingência? Qual o interesse da base governista no Congresso Nacional em não aprovar a  renovação da CPI do derramamento de petróleo, encerrada sem um relatório final? Estas perguntas  ainda ecoam sem respostas.  

Pior, não houve uma política de reparação ampla e justa, capaz de minimizar momentaneamente os  efeitos do derramamento. A Medida Provisória 908/2019 só considerou como beneficiários aqueles  e aquelas que possuem Registro Geral da Pesca (RGP), porém este número não retrata o universo de  pescadores, pescadoras e marisqueiras. Desde 2012 nossos pedidos estão travados. A lista dos  beneficiários para recebimento do auxílio não tinha critérios definidos e, em Sergipe, apenas 7.282  pescadores o receberam.  

Antes de nos recuperarmos dessa situação e sem recebermos respostas, nem qualquer reparação  pelos danos sofridos, fomos surpreendidos pela chegada da pandemia da Covid-19 em março de  2020. Como principal indicação para evitar a contaminação pelo coronavírus, recomendou-se que  ficássemos em casa e que evitássemos aglomerações, o que provocou o fechamento das feiras livres.  Novamente perdemos a condição de comercializar nossos produtos e de trabalhar dignamente e as  dificuldades trazidas pelo derramamento do petróleo foram agravadas. 

Durante o primeiro pico da pandemia (meio do ano de 2020), a equipe técnica do Programa de  Educação Ambiental com Comunidades Costeiras constatou, após pesquisar 57 comunidades em 12  municípios do litoral (costa sergipana e municípios do norte da Bahia), que 58% dessas estavam  com dificuldade de comercializar os produtos vindos da pesca e mariscagem. Destacamos esse dado  porque é referente ao mês de setembro, ou seja, ali fazia um ano do derramamento de petróleo.  Além disso, naquele momento as feiras já haviam sido liberadas, o que significa que a situação  chegou a ser muito pior entre março e maio de 2020.  

No atual momento, a pandemia da Covid-19 ainda sofre graves rebatimentos da sua segunda onda e  mais do que nunca escancara a situação de agravamento da fome no Brasil. Uma pesquisa realizada  pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede  PENSSAN) entre outubro e dezembro de 2020 demonstrou que mais de 116 milhões de pessoas  conviveram com algum grau de insegurança alimentar no período. Isso significa que mais da  metade dos domicílios 3 brasileiros sofreram algum tipo de privação. Segundo o estudo, o índice  exato de famílias nessa situação chegou a 55,2%. Nas nossas comunidades esta situação não tem  sido diferente, cotidianamente temos visto famílias em situação de fome, inclusive nossas crianças e  adolescentes.  

Isso ficou evidenciado em um diagnóstico participativo que nós, lideranças de Povos e  Comunidades Tradicionais, realizamos entre o mês de março e abril de 2021: em 27 comunidades,  pertencentes a 10 municípios em Sergipe (Brejo Grande, Pacatuba, Pirambu, Aracaju, São Cristóvão,  Itaporanga D’Ajuda, Estância, Santa Luzia do Itanhy e Indiaroba) e Bahia (Jandaíra), identificamos  2.374 famílias necessitadas de alimentos. Considerando que a média do número de integrantes da  família no Nordeste brasileiro é de 4 pessoas, temos cerca de 10.000 pessoas passando fome! Hoje  este número é maior e se ampliarmos os territórios em um novo diagnóstico teremos ainda mais  gente nossa sem a garantia de ter comida no prato na próxima refeição! Nós que historicamente  somos responsáveis por colocar cerca de 70% do pescado e 70% dos alimentos proveniente da  agricultura nos pratos de vocês, estamos sem ter o que comer!  

Assim, exigimos dos órgãos competentes: 

1. Garantia de alimentação para nossas famílias – crianças, jovens, adultos, idosos – que compense  os danos provocados pelo derramamento de petróleo e pela pandemia (créditos, PNAE, PAA – federal e estadual – e outras políticas que respondam ao direito à alimentação para os povos); 2. Reparação financeira para pessoas dos povos e comunidades tradicionais – pescadores,  pescadoras e marisqueiras – que não têm RGP, mas que foram prejudicadas pelo derramamento do  petróleo; 

3. Acesso às cestas básicas dignas para nossa existência (mais do que subsistência) até haver  condições de retomar nossos trabalhos em segurança; 

4. Auxílio emergencial federal pelo Covid-19 que seja adequado para manter a vida e ter condições  de manter o isolamento durante a duração da pandemia (manter um mínimo de R$600,00 mensal até  finalizar esta conjuntura).

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