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Entrevista: Juarez Xavier, o movimento negro e o jornalismo

5 de novembro de 2016

Entrevista: Pedro Borges / Edição de Imagem: 

1 – Qual foi a importância da fundação da UNEGRO em 14 de julho de 1988, na cidade de Salvador? Quais foram os seus aprendizados e as conquistas da entidade no combate ao racismo?

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{payplans plan_id=15 SHOW}A Unegro contribuiu, junto com outras organizações do movimento negro, para a consolidação de uma visão classista da luta antirracista. De modo geral, os estudos sobre as relações raciais no país – no início, de fundo racista; depois, culturalista-, enxergavam a luta contra a violência racial pelo prisma culturalista. Por essa ótica, bastava a construção de uma identidade negra para que o afrodescendente participasse do processo de ascensão vertical. Na visão dos unegristas da época, essa era uma visão conservadora, pois não atacava a base do racismo estrutural no país: a concentração de riqueza, poder e cultura nas mãos de um grupo minoritário da burguesia brasileira.

Creio que a Unegro, assim como outras organizações, contribuiu para a construção de uma proposta revolucionária, de compreender que a luta contra o racismo é uma faceta da luta de classe. Por isso, a Unegro lançou nos anos de 1980 um texto em que denunciava o papel do estado como promotor da execução física da população afrodescendente no Brasil. Uma das contribuições teóricas foi a conceituação de preconceito -como um valor subjetivo de menor valia do negro, que poderia ter ações políticas pontuais, como a lei 10.639-, de discriminação – processo de segregação simbólica e física da população negra, que poderia ser superado com a adoção de políticas pontuais, como as cotas nas universidades públicas- e racismo – que implica na ruptura com a estrutura atual do estado, que não seria superado por uma ação legislativa, apenas, sem profundas mudanças na natureza do Estado.

Nesse processo conceitual, com o qual contamos com o diálogo generoso do sociólogo Clovis Moura, de debate intenso e produção conceitual, a militância unegrista pôde compreender a magnitude da luta contra o racismo, sobre as suas implicações políticas, econômicas, sociais e culturais; compreender a importância das matrizes africanas na construção de uma identidade positiva dos afrobrasileiros, a importância delas na formação da economia emocional para os enfrentamentos políticos – o racismo é um processo de permanente destruição emocional de negras e negros, a as tradições dão bases para as ações de enfrentamento- e a compreensão de que sem a participação ativa da população negra -com consciência em si e para si- não será possível construir uma alternativa radical para o país.

A questão negra é determinante e fundante para a revolução social neste país. Por isso, voltei a estudar e pesquisar sobre a questão racial, que deve ter uma ação estratégica que vá além do senso comum. Para compreendê-la em sua magnitude, é necessário estudo permanente, de corte classista e radical.

2 – Por que não é possível enfrentar o racismo sem entender o sistema capitalista?

O processo de acumulação primitiva que deu base para a revolução industrial na Europa deu-se com base na expropriação radical -tangível e intangível- no continente africano. A apropriação da terra, das pessoas, das riquezas -ouro, diamante, riquezas naturais- produziu o excedente necessário para o investimento em tecnologia que desenvolveu os meios de produção e permitiu o surgimento de novas relações de produção, dirigida pela classe social mais interessada nesse processo, a burguesia, para destruir tudo que era sólido, no antigo sistema. Todos os estados monárquicos europeus tinham colônias na África e de lá tiraram todo o excedente que impulsionou a grande revolução burguesa.

Porém foi necessário criar os mecanismos de justificação desse processo violento e brutal – o maior crime da humanidade, a escravidão negra africana. A igreja católica deu essa base – no início-, e quando as narrativas religiosas naufragaram ante a razão, a justificativa tomou forma de ciência. Na transição da século 19 para o 20, o racismo “científico” tomou o lugar da narrativa religiosa, para justificar as violência raciais. Ao longo do século 20, todas as violência cometidas contra a população negra visava a expropriação radical da mais valia dos povos não brancos, o destroçamento de seus corpos e mentes, para a expansão permanente do capital.

As duas grandes guerras, a permanência das colônias africanas, a segregação racial nos estados de desenvolvimento industrial, como os Estados Unidos. Todo o processo de crescimento do capitalismo ocidental deu-se com a expropriação radical dos corpos não brancos, em plano global. Capitalismo e racismo são entidades que caminham juntas nas sociedades modernas.

3 – Quais são as suas principais referências negras no campo político e acadêmico?

No campo político, todos os teóricos da negritude, que é um movimento datado, mas trouxe uma reflexão radical sobre o racismo nas sociedades modernas -por inspiração desses movimento, propus que o nome do nosso primeiro veículo “Em Legítima Defesa” /Léopold Sédar Senghor, Aimé Césaire, René Maran, Cheik Anta Diop, Birago Diop, Guy Tirolien, Léon-Gontran Damas, René Maran/, pensadores do pan africanismo / William Edward Burghardt Du Bois e Marcus Mosiah Garvey, Kwame Nkrumah, Philippe Decranene/, pensadores norte americanos /James Baldwin, Toni Morrison, Angela Davis/, os pensadores africanos revolucionários /Agostinho Neto, Samora Marcel, Amilcar Cabral/ e no Brasil, meu orientador no doutorado, Kabengele Munanga.

4 – Qual a importância do jornalismo e da comunicação para a manutenção ou o combate ao racismo?

O jornalismo faz parte do aparelho ideológica do estado. Ele legitima a violência do aparelho repressivo do estado. Sua função ideológica – no sentido de criar a opacidade da dominação- é fundamental.

No campo hegemônico, ele contribui para legitimar a violência física e simbólica do racismo, com a difusão de mitos /no Brasil, mito da superioridade racial, mito da ausência de racismo no país, mito da democracia racial, mito da meritocracia em sociedades desiguais/. No campo subalterno, contribui para romper com esses mitos que preserva o domínio de classe, raça/etnia, cultura e poder político e social da minoria branca, conservadora, urbana, racista, machista, homófoda e xenófoba.

A mídia radical – contra o status quo – é um fenômeno mundial, baseada em quatro pressupostos materiais observados pelo geógrafo Milton Santos: familiaridade técnica/capilaridade tecnológica, concentração tecnológica propiciada pelo capital, convergência de momento virtual e histórico em plano global, e a cognoscibildiade do planeta. Essa mídia que produz um jornalismo cidadão e propositivo restaura a objetividade das narrativas – com fator gnosciológico de compreensão da realidade-, abandonada pelo jornalístico corporativo, a contribui, quando feito com qualidade, para a construção de uma consciência social em si e, depois, para si. O jornalismo radical é uma ferramenta indispensável para a estratégia de superação do racismo.

5 – Qual o papel da universidade para a superação do racismo?

É nela onde se forma o capital cultural da burguesia e da classe média para a reprodução e ampliação do capital, tanto no mercado como no estado. Ela forma os burocratas que dirigiram o estado, para manter o interesse de 1% dos mais ricos da sociedade brasileira.

A disputa pelo capital cultural é fundamental para quem pretende superar o racismo estrutural. Todos os grandes projetos políticas de viés negro foram articulados na e com os estudos universitários. Todas e todos os grandes revolucionárias e revolucionários -negros ou não – do século 20 passaram pela universidade, que ainda tem um papel decisivo na sistematização das ideias inovadores e disruptivas. Como ensinou o velho bordão revolucionário, sem teoria revolucionária não há revolução, e a universidade é um espaço importante para a sistematização dessa visão radical. Por isso, a grande resistência das classes média e alta às cotas nas universidades públicas.{/payplans}

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