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Envolvidos na militância periféricas, griôs das periferias contam suas experiências

Na zona noroeste de São Paulo, José Soró se envolveu nos movimentos culturais. Criado na zona leste da cidade, José Adão foi um dos fundadores de um dos principais movimentos negros do país

29 de agosto de 2019

Por: Lucas Veloso

José de Souza Queiroz, 55 anos, mais conhecido por José Soró, tem 55 anos e mora em Perus, região noroeste de São Paulo. Chegou na cidade como migrante, vindo do Mato Grosso do Sul, Centro-Oeste, na década de 70, com mais 5 irmãos menores e a mãe, após a morte do pai. Na capital, foram ajudados por um tio, chamado Gervázio.

Enquanto isso, José Adão, 64, nascido em Minas Gerais e criado na periferia da zona leste de São Paulo, chegou na zona leste em 64, mesmo ano em que começou a ditadura militar no Brasil. Na época, foi morar na Vila Nhocuné, com 9 anos. Na década de 70, mudou para o atual bairro, Artur Alvim. Com 27 anos, casou e foi para o Butantã, zona oeste. Anos depois, retornou a região de origem.

Entre as milhões de pessoas que existem em São Paulo, sobretudo nas periferias, está José Soró, morador de Perus e José Adão, em Artur Alvim, zona leste de São Paulo. Ao longo da vida, os dois se envolveram em movimentos sociais que buscavam a justiça social para as regiões em que moravam.

Griôs

De origem africana, a palavra griô é usada para falar dos mestres portadores de saberes e fazeres da cultura, como Soró, uma das pessoas mais velhas entre as que atuam nos movimentos sociais no bairro em que mora.

Entre os povos do oeste da África, os griôs são aqueles que, há séculos, preservam e transmitem as histórias – principalmente as que se referem aos grandes líderes e à formação dos reinos, mas também sobre as pessoas comuns.

Tradicionalmente, os griôs contavam a história de seu povo na forma de poemas ou canções. No Brasil, a palavra africana diz respeito aos mais velhos, com histórias para contar e que, por conta da experiência, guarda as memórias, lutas e conquistas de um grupo.

José Soró

Além da ajuda do tio, Soró contou o auxílio de uma família na região e de seu Joaquim, um pai de santo de um terreiro de umbanda. Mesmo pequeno, o menino percebeu que havia uma solidariedade de conterrâneos, e de modo geral dos migrantes, que eram absoluta maioria em Perus e em toda a periferia da cidade.

Hoje, educador, consultor em desenvolvimento humano e mediador de conflitos relacionais, Soró passou muitas dificuldades financeiras com a família, quando chegou em São Paulo. “A vida aqui era bruta, sem água, luz, asfalto, moradia, transportes e por isso desde a adolescência fui me envolvendo em lutas e em grupos organizados”, lembra.

As Comunidades Eclesiais de Base (CEB’s), as pastorais da Igreja Católica, além de movimentos culturais e militância partidária foram alguns dos caminhos adotados para buscar uma vida melhor para si e à comunidade.

Naquela época, o Brasil estava sob a ditadura militar, mais um desafio aos militantes. “Pensando nesse ‘pesadelo que vivemos’, tenho sentimentos ambíguos. Por um lado me preocupo com a barbárie, mas por outro, isso me faz sentir muito agradecido por ter vivido aquele tempo e ser parte desta geração”, reflete.

“Eu vejo que por mais que erros tenham sido cometidos por essa geração, que as mudanças e os avanços não tenham sido suficientes, estes golpes que atualmente sofremos é uma reação da elite colonialista às conquistas e avanços que fizemos. E é de extrema importância considerarmos isso para não sucumbirmos ao desespero”, completa o militante.

Em sua trajetória profissional, desistiu de empregos comuns e procurava aliar o trabalho em atividades que acreditava. Teve diversas experiências, sendo a defesa e a garantia dos direitos de crianças e adolescentes a mais relevante para ele. Por alguns anos foi Conselheiro Tutelar, trabalhou com população nas ruas. Sua vida profissional pode ser contada a partir do circuito da violência, da exclusão social, vivida pelas populações mais vulneráveis.

“Tinha um menino, morador de rua, que dizia não existir crianças ‘de’ rua, pois ‘paralelepípedo não dá cria’. Eles vem de algum lugar e por alguma razão. E este lugar, são, sem dúvida, as periferias. O motivo disso é a miséria e principalmente a violência, que leva ao genocídio físico e da alma, uma lógica nestes territórios”, observa ele.                                                                                                                                            Para Soró, periferia é tudo que se encontra na margem, como as mulheres, os negros, e a comunidade gay, mas por outro lado, são espaços onde é possível criar movimentos onde o impacto social é o que mais interessa. “Para além do social, econômico e geográfico, as periferias são a própria complexidade. Não são simplistas, como quer ver nosso imaginário assistencialista e preconceituoso. Ali pulsa muita coisa”.

Em 2005, conheceu a Comunidade Cultural Quilombaque, organização sem fins lucrativos, criada por um grupo de jovens, moradores de Perus para articular as demandas sociais e culturais na região, que no início dos anos 2000 concentrava índices negativos na esfera social e cultural.

Quando se uniu ao movimento, lembra que tinha Milton Santos, Pichon Riviere, David Winnicott e principalmente Hannah Arendt como inspiração. “Aliás, Hannah diz que ‘a violência entra onde faltou a palavra”’, cita Soró.

No movimento, procurou entender as ferramentas, as potências e possibilidades da região. E assim, apostaram na arte e na cultura para buscar a economia cultural e criativa, e assim, gerar possibilidade trabalho, renda e perspectivas para a juventude na região.

Coletivamente, criaram o Plano de Inclusão em Desenvolvimento Sustentável Local, com orientações de ações e estratégias, como a ocupação e revitalização de espaços públicos, a fim de promover encontros e a valorização da memória dos Queixadas, trabalhadores envolvidos na primeira grande greve do movimento sindical brasileiro. A paralisação durou sete anos e foi a maneira encontrada por 3,5 mil operários para protestar contra o não cumprimento de direitos trabalhistas dos proprietários da Fábrica de Cimento Portland Perus.

O grupo também observou importantes reservas ambientais na região, as terras indígenas do Jaraguá, o assentamento Comuna da Terra Irmã Alberta, bens patrimoniais tombados como a Fábrica de Cimento e a Ferrovia Perus Pirapora.

O Plano de cuidado e memória do bairro, permeado com ações de arte e cultura, ganhou tamanha relevância que acabou incluído no Plano Diretor da Cidade, em 2014, e desestimulou a especulação imobiliária, movimento contestado pela população.

Atualmente, coordena a elaboração e desenvolvimento do Plano de Inclusão em Desenvolvimento Sustentável Local, que se desdobra em atividades de capacitação e formação de lideranças, de articulação e construção de redes – tanto locais como ao nível da cidade, através do Movimento Cultural das Periferias e Bloco de Ocupações -. Também desenvolve ações e atividades de resgate e valorização da memória através do Movimento Pela Reapropriação da Fábrica de Cimento Perus.

José Adão

Morador de Artur Alvim, zona leste de São Paulo, Adão é dos fundadores do Movimento Negro Unificado (MNU), que pedia o fim da violência policial, e do racismo contra os negros.

Sua trajetória profissional inclui passagens pelo Correios, trabalho como pesquisador de mercado e atualmente desenvolve jogos pedagógicos. Desde jovem começou a militar em movimentos sociais, ajudando a fundar o Movimento Negro Unificado e associações de luta em favor de doentes da anemia falciforme.

Para ele, a criação do MNU aconteceu em um momento tenso para o país, a Ditadura Militar. No período, alguns casos de racismo precisavam ser denunciados para que o Estado assumisse a responsabilidade pelos casos e tomasse providências.

Na década de 70, a Ditadura Militar torturou e assassinou o feirante Robson Silveira da Luz, acusado de roubar frutas. No mesmo ano, quatro garotos jogadores de vôlei foram discriminados pelo Clube Regatas do Tietê e o operário Nilton Lourenço foi morto pela Polícia Militar no bairro da Lapa, em São Paulo. Esses casos foram o pontapé para a organização do Movimento.

“Havia quem fizesse a militância política. Um exemplo é o Núcleo Negro Socialista/Grupo Afro Latino América e Decisão (CECAN), que já havia intervido na celebração do “13 de Maio”, Dia da Lei Áurea, no palco no Largo Paissandu, onde havia setores da Comunidade Negra e Autoridades representantes do Governo Militar”, relembra.

Ele também lembra que neste dia, teve a distribuição de um manifesto denunciando a falsa abolição da Escravatura e lançando o “13 de Maio” como Dia Nacional de Denúncia do Racismo.

Além disso, o MNU atuou em passeatas pela abertura democrática, pela Anistia e ajudou nas greves metalúrgicas na região metropolitana de São Paulo.                                                                                                                                                   Na periferia, Adão lembra que o racismo não era pauta primária, pois os problemas estruturais, como falta de saneamento básico e luz eram demandas mais urgentes da população, mas reconhece que os mais atingidos por essas situações eram a população negra. “A demanda por asfalto, por exemplo, era uma das coisas que movimentava todo mundo, pois era um ponto em comum entre os moradores das periferias”, lembra.

Adão participou de alguns grupos de jovens ligados à Igreja Católica. Na cabeça, lembra de Cecília, uma religiosa, que algumas vezes comentou como fato de ser negra a colocava para exercer funções mais braçais dentro da congregação em que vivia. “Nas nossas conversas, ela comentava que o fato de ser negra, e as demais, brancas, a colocava em desvantagem”, recorda.

Desafios para o futuro

Soró e Adão concordam que as periferias são espaços onde há possibilidades de articulação que gerem mudanças políticas e sociais na sociedade. “Os planos para o futuro são bastante inseguros nesta conjuntura, mas vamos buscar recursos para fomentar o desenvolvimento de negócios sociais solidários, fundamental para criar trabalho, renda e desenvolvimento econômico nestas regiões”, aponta.

Já para o fundador do MNU, o cenário político requer uma organização dos movimentos sociais em prol de uma vida melhor a todo.

“Quando a gente não se vê no outro é desastroso. Com isso, é momento de fortalecer quem está com a gente, do nosso lado, pois o bem estar é uma necessidade humana e precisamos disso, mais do que em outros tempos. Acredito que a mudança virá pela nossa organização e compartilhamento do que é bom e justo para todo mundo”, arremata Adão.

Esta reportagem faz parte do projeto #NoCentroDaPauta, uma realização dos coletivos Alma Preta,Casa no Meio do Mundo, Desenrola E Não Me Enrola, Imargem, Historiorama, Periferia em Movimento, TV Grajaú – SP, DiCampana Foto Coletivo e Nós, mulheres da periferia, com patrocínio da Fundação Tide Setubal.

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