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Erros em prisão de mulher de 66 anos evidenciam racismo no Brasil

9 de abril de 2018

Claudete permanceu nove dias privada de liberdade por uma “falha na comunicação”. Advogados estão em busca de medidas cabíveis na lei

Texto / Thalyta Martina
Imagem / Arquivo pessoal Claudete de Oliveira

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Uma mulher negra foi presa no Rio de Janeiro por três agentes da 33ª Delegacia de Polícia do Realengo no dia 15 de março. Eles chegaram na casa de Claudete de Oliveira às 17 horas, com um mandato de prisão que tinha seu nome e o nome de sua mãe. O crime: um homicídio simples que ocorreu no litoral de São Paulo, na cidade de Itanhaém.

Claudete de Oliveira, mulher negra de 66 anos, empregada doméstica, moradora do bairro do Realengo, localizado na zona Oeste do município, há 41 anos, teve sua rotina interrompida por nove dias: o tempo que ficou privada de liberdade passando por três lugares diferentes até ser executado o alvará de soltura, que foi expedido quando o erro de confundir o nome no mandato de prisão e a prisão indevida foi assumido pelo juiz Rafael Vieira Patara, em São Paulo.

Entre 15 e 24 de março, ela passou um dia na 33ª Delegacia de Polícia de Realengo, sete na Cadeia Pública José Frederico Marques, de Benfica, e mais um dia no Complexo Penitenciário de Gericinó, antigo Complexo Penitenciário de Bangu.

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Claudete passou o último dia privada de liberdade no Complexo Penitenciário de Gericinó (Foto: Isabela Kassow)

De acordo com Paulo Malvezzi, assessor jurídico da Pastoral Carcerária, o que aconteceu com a senhora Claudete não é incomum no sistema prisional brasileiro. “Em um sistema de justiça marcado pelo racismo, pela seletividade nas decisões e pela produção em massa de prisões, os ‘erros judiciais’ tornam-se a regra. Além disso, a experiência prisional no país, ainda que por alguns dias, pode deixar a pessoa física e psiquicamente marcada pelo resto de sua vida, tamanha a violência e indignidade das nossas masmorras.”

“Nossos advogados estavam em meio a muitas dificuldades e erros burocráticos que a cada dia se complicaram mais. Foi uma sequência de erros causados pelas autoridades. Com muito sacrifício, os doutores Daniel e Tatiana conseguiram, somente no plantão judiciário, o cumprimento do alvará, que foi executado no sábado”, ressalta Charles de Oliveira, filho de Claudete.

Carolina Diniz, advogada e supervisora de atuação política do IBCCRIM (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), conversou com o Alma Preta sobre o caso. Na opinião dela, casos como esse não são raros. “Os mandados de prisão contêm diversos dados pessoais das pessoas acusadas, incluindo RG e nome dos familiares, e os sistemas dos estados estão cada vez mais integrados. Ou seja, as informações estão disponíveis às autoridades, mas ‘erros’ como esse seguem ocorrendo”, explica.

Para ela, na prática, episódios como esse deixam evidentes o modo como o sistema judiciário vê a pessoa negra. “Esses erros exemplificam o racismo enraizado e institucionalizado no sistema de justiça, em que corpos negros são apenas corpos a serem controlados pelo Estado. A identidade não importa.”

Ao ser questionado sobre se iria pedir indenização do Estado para Claudete, o advogado Daniel Santana informou que a equipe de advogados está “analisando as medidas cabíveis para buscar a compensação pelo dano experimentado pela Claudete.”

Charles foi enfático sobre as medidas que serão tomadas pela família. “Veremos o que fazer, pois no momento estamos cuidando da nossa mãe”.

Mesmo com toda essa situação,Claudete ainda não recebeu nenhum tipo de desculpas pelo ocorrido ou reparação dos danos. Os filhos confirmam. Em entrevista, Charles afirmou que ninguém os havia procurado. “Esse é o nosso Brasil, infelizmente.”

O caso

A 3ª Vara do Tribunal de Justiça do município de Itanhaém-SP expediu mandato de prisão em 22 de fevereiro de 2018, com o nome de Claudete e de sua mãe. A ordem judicial foi cumprida no Rio de Janeiro no dia 15, às 17h na casa de Claudete.

As contestações dela e de um dos três filhos, presentes na hora do ocorrido, não foram ouvidas pelos policiais e ela foi encaminhada para a delegacia mesmo assim.

Quando a equipe de reportagem contactou-a, passou a responsabilidade de narrar os fatos para os filhos Leandro e Charles de Oliveira. Eles acreditam que um nome parecido não pode levar um cidadão de bem a uma prisão.

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Claudete e os filhos: Charles e Leandro de Oliveira (Foto: arquivo pessoal)

O crime pelo qual Claudete de Oliveira foi presa injustamente ocorreu em 20 de outubro de 1998, na cidade de Itanhaém. Nessa data, segundo seus filhos, ela estava no bairro que mora hoje, mas em outra casa, tratando um problema de coluna e de depressão.

“Mal podia se levantar da cama. Nós, os filhos, que ajudávamos nos afazeres”, disse Charles.

Claudete foi acusada de homicídio simples, crime descrito na legislação brasileira como o ato de matar alguém sem qualificadores, ou seja, sem pensar na execução, sem planejamento, sem recompensas, por motivo torpe ou fútil. A pena é de seis a 12 anos de prisão. O crime está tipificado no artigo 121 do Código Penal brasileiro.

Os filhos conseguiram os advogados Daniel Santana e Tatyana Miranda por indicação da vizinha e foram atrás da soltura da mãe. Segundo Daniel, o mandato foi cumprido equivocadamente em desfavor de Claudete de Oliveira, que tem dados de identidade diferentes, mas o mesmo nome da acusada na ação penal que corre em São Paulo. A prisão ocorreu na quinta-feira (15).

“Na segunda-feira (18) o juiz reconheceu o equívoco e expediu alvará de soltura, sendo que só foi efetivamente cumprido no sábado (24). A demora se deu em virtude da burocracia, porque eu tinha um alvará de soltura expedido na segunda-feira que não foi cumprido em tempo razoável por falha na comunicação e no endereçamento desse alvará de soltura.”, explicou Daniel Santana.

O erro dos outros

Em nota, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça de São Paulo diz que “em razão de, na mesma data [da prisão], surgirem dúvidas quanto à identidade da pessoa presa, diligências foram realizadas na tentativa de elucidação. Como não houve confirmação da identidade, na segunda-feira (19), por cautela e para que não houvesse possibilidade de injustiça, o Judiciário de Itanhaém determinou, de ofício, isto é, sem que fosse provocado pelas partes, a expedição do alvará de soltura. O documento foi encaminhado ao Rio de Janeiro.”

Ainda segundo a nota, o alvará foi enviado por e-mail, mas, aparentemente o presídio que Claudete estava não recebeu; também informa que as tentativas de contato por telefone com a unidade prisional foram frustradas, assim como por fax.

Uma carta precatória, documento com pedido de um juiz a outro de comarca diferente, pedindo a soltura imediata de Claudete também foi enviada no dia 20 de março.

No dia 21, seis dias depois, em uma quarta-feira, um funcionário da 1ª Vara Criminal Central do Rio de Janeiro contatou o fórum de Itanhaém para confirmar a veracidade do alvará. A ratificação foi positiva. Mesmo assim, Claudete continuou detida até o dia 24, sábado.

Já a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro informa, sem citar datas, que o “TJ do Rio expediu o mandado de soltura a pedido do defensor da Claudete de Oliveira. Em atenção ao pedido do defensor, o Plantão Judiciário do Tribunal de Justiça do Rio determinou a soltura imediata da Claudete de Oliveira, que estava presa em uma delegacia.”

No informe, o juiz de plantão diz: “Inadmissível que uma senhora de 66 anos esteja privada de sua liberdade indevidamente por questões burocráticas, apesar do alvará de soltura ter sido expedido em 19/03/2018 e encaminhado para cumprimento por duas vezes. Desta forma, expeça-se com urgência mandado de cumprimento para reapresentação do alvará de soltura de Claudete de Oliveira. (…) Cumpra-se imediatamente!”

Segundo Daniel, na sexta-feira (23) não seria cumprido, nem no sábado (24), nem no domingo (25). A soltura aconteceria depois de mais três ou quatro dias depois. Por isso, os advogados entraram com pedido no plantão judiciário para que pudesse ser cumprido esse alvará de soltura pelo oficial de justiça de plantão. “Foi onde a gente conseguiu, com muito sacrifício, a efetiva soltura de Claudete, no sábado (24)”, explica.

A equipe de reportagem perguntou sobre a prisão da verdadeira autora do crime. O TJSP informou que ainda não consta a informação de prisão no andamento processual.

O Alma Preta fez uma série de questionamentos ao Tribunal de Justiça de São Paulo, ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e a Assessoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro sobre verificação e erros na hora do cumprimento da ordem de prisão e reparação dos dados, mas não obteve resposta em relação a isso, pelo contrário. O TJRJ respondeu que deveríamos “encaminhar os pedidos de respostas para a Polícia do Rio, que foi responsável pela prisão”; o TJSP “o erro não foi aqui. Não somos nós que temos responder”; já a assessoria da Polícia Civil do Rio de Janeiro respondeu apenas um dos dois e-mails enviados pela equipe: “favor entrar em contato com a assessoria do Tribunal de Justiça para informações sobre o caso.”

Claudete foi criada no Educandário São Gabriel e tem o sonho de saber de onde veio. Ela nasceu e foi registrada em Perdizes, em São Paulo, em 1951. Caso alguém tenha informações sobre, favor entrar em contato com a equipe de jornalismo do Alma Preta.

 

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