Atriz, cantora e ativista do movimento por moradia em São Paulo lançou em dezembro o livro “Minha Carne: diário de uma prisão”, onde reúne memórias sobre o período em que esteve encarcerada sem provas concretas de que havia cometido algum crime
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Reprodução/Instagram
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A atriz, cantora e ativista Preta Ferreira faz dos seus processos cotidianos o exercício constante do Ubuntu, filosofia africana que pode ser resumida na frase “Eu sou porque nós somos”. Em dezembro, ela lançou o livro “Minha Carne: diário de uma prisão”, onde aborda suas impressões pessoais e momentos do período em que esteve presa injustamente, além do encontro com a ativista americana Angela Davis.
“Temos que nos manter fortes para que nossos irmãos e irmãs estejam fortes. Ficar forte naquele momento [o da prisão] foi um ato para deixar todo mundo vivo”, diz Preta à agência Alma Preta na última entrevista concedida pela autora à imprensa em 2020.
A multiartista e defensora dos Direitos Humanos conta que durante o cárcere escrevia diariamente e escondia as folhas redigidas. Enquanto do lado de fora da prisão crescia a mobilização social pela sua liberdade a partir de ações de amigos, intelectuais, artistas, simpatizantes do campo progressista e a partir da hashtag #pretalivre, nas redes sociais.
“Sou uma liderança do movimento sem-teto do centro. A moradia é um problema de todos, não se trata só de Preta Ferreira, todas as pessoas que não têm a escritura de um lar são sem-teto. Eu fui presa injustamente nesse emaranhado de criminalização dos movimentos sociais, em São Paulo, que levou várias lideranças para a prisão. Escrevi enquanto estava presa lutando por moradia digna para todo mundo. Escrevi com o objetivo de fazer com que as pessoas entendessem a dor de alguém preso injustamente”, explica.
Na época da prisão, Preta era apresentadora do boletim Lula Livre, programa online sobre a prisão do ex-presidente Lula. No cárcere, a ativista conviveu com mulheres em que relata ter tido trocas importantes de experiência. Algumas dessas memórias estão presentes no livro.
“São pessoas que cometeram pequenos crimes porque não tiveram a chance ou a oportunidade de fazer outra vida a não ser a vida no crime. Eu fiquei num lugar de escuta e a gente percebe, nessas histórias, a escassez governamental de assistência social para mulheres que foram agredidas”, destaca Preta.
“Por que essas mulheres foram parar atrás das grades? A gente tem que fazer essa pergunta, porque a gente julga muito, a sociedade julga e se você também não aponta o dedo também deixa de ser aceito em determinados grupos. Eu dei muita oportunidade de escuta para essas mulheres e é surpreendente como tem preso político no Brasil e, pessoas pretas, nessa situação”, acrescenta.
“O Brasil tem muitos presos políticos’
A detenção de Preta foi baseada em testemunhos em vez de provas concretas. A justiça aceitou como prova uma declaração de uma suposta ameaça feita no dia 26 de junho de 2019, no entanto, a ativista estava presa desde o dia 24.
“O processo leva em considerações coisas incabíveis como o fato de eu poder obrigar alguém a tirar título de eleitor para votar no PT e ter como saber em quem as pessoas votaram, ou que por ser apresentadora de uma programa chamado “Lula Livre” poderia estar envolvida em algum plano criminoso”, conta a escritora.
Trechos de reportagens sensacionalistas e sem provas atacando os movimentos por moradia também entraram no processo contra a atriz para tentar criar situações que sustentam acusações de formação de quadrilha, extorsão e crime organizado. Os mais de 100 dias em que esteve presa foi importante para que Preta falasse sobre negritude e conscientização racial.
“Falei desde o período da escravidão até o momento de hoje. Se falta saneamento, imagina o que falta de escolaridade. As pessoas param na vida do crime pela negação da educação. Eu falava sobre necropolítica de uma forma simples. Fala-se muito sobre reinserção e reeducando, mas como reinserir alguém que não foi inserido? Dentro dos presídios são poucas as pessoas que usam isso e fazem uso dessa força para mudar a situação. Por isso, apesar de ter tantas mulheres negras presas, a discussão sobre racismo não é tema do cotidiano na prisão”, pontua.
Uma das memórias mais marcantes na obra recém lançada é a do encontro com Angela Davis, que também participou da campanha pela libertação de Preta. “Foi um encontro muito forte. Duas mulheres negras presas injustamente por homens brancos. Isso significa que quando a gente se une, fica forte. Eu não luto pela moradia porque eu represento a causa, eu luto porque tem outras pessoas atrás. Eu não luto contra o racismo porque eu sou uma mulher preta, eu luto porque a cada 23 minutos o racismo está matando um do nosso povo”, finaliza a autora.
O livro “Minha Carne: diário de uma prisão” foi lançado pela Editora Boitempo e está disponível para venda online.