As incertezas quanto ao futuro diante da pandemia da Covid-19 tem causado quadros de esgotamento mental em muitas pessoas. No caso da população negra, especificamente, esse é um assunto que também merece atenção, uma vez que esse grupo populacional ainda sofre com o racismo estrutural e está mais exposto ao coronavírus e as desigualdades decorrentes da crise sanitária e econômica.
“As pessoas perderam o contato físico das interações sociais, então é comum sentir raiva, tristeza, angústia, ansiedade e cansaço e frustração. Para a população negra essas emoções, são bem conhecidas, em algum nível, e fazem parte da história daqueles que vivem em situação de desigualdade”, explica a psicológa Ivani Oliveira.
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“Na pandemia, isso se intensifica porquê a população negra está mais exposta ao contágio. Além disso, tem lidado com os riscos da insegurança alimentar, do desemprego e do luto pelas mortes”, descreve a profissional, que é mestre em Psicologia Social pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP).
A psicóloga reforça ainda que a letalidade da pandemia tem atingido mais homens negros e trabalhadoras domésticas, que são em sua maioria mulheres negras. “É uma realidade perturbadora que pode desencadear adoecimento da população negra”, alerta.
Neste processo de adoecimento e esgostamento mental, o racismo estrutural se alia aos efeitos diretos da pandemia. “Historicamente, o racismo foi enfrentado de forma coletiva pelas organizações negras. É no coletivo que são trocadas experiências, pensamentos, conhecimentos e histórias que permitem às pessoas desenvolverem sentimento de pertencimento e autoconfiança. Isso pode diminuir a sensação de inadequação decorrente do racismo. Em isolamento, as pessoas negras podem perder esse sentimento de ser ou fazer parte de algo e ficam mais vulneráveis a uma piora na saúde mental”, detalha Ivani.
Síndrome de burnout
Segundo dados do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social), em 2020, foram concedidos 821 auxílios doenças, com afastamento superior a 15 dias para trabalhadores diagnosticados com síndrome de burnout, 63,3% deles (524 casos) foram por esgotamento mental.
“Essa síndrome de esgotamento profissional atinge trabalhadores que vivem em situação de sobrecarga, acúmulo de tarefas de responsabilidades, exigências e mulheres que enfrentam dupla jornada de trabalho. O racismo é um agravante para o burnout porque ele cria um ambiente de trabalho hostil, humilhante ou intimidador”, pondera Ivani.
Entre 2018 e 2019, o percentual de esgotamento mental entre os casos de afastamento do trabalho por burnout ficou em 58%. Os números de casos registrados deste tipo específico de dano psicológico foram menores do que no ano passado. Foram 179 casos em 2018 e 265 casos em 2019. O total de casos por burnout foram 309 em 2018 e 456 no ano seguinte.
Desde o começo da pandemia, o Brasil já registra mais de 400 mil mortos e apenas 6,5% da população está totalmente imunizada com as duas doses da vacina, índice de imunização muito abaixo de países como Chile (35,5%), EUA (31,9%) e Uruguai (19,3%).