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Especial | Beleza e estética garantem a manutenção de afroempreendedoras periféricas

Só em São Paulo, 21% dos empreendimentos nas periferias são salões de beleza; especialista ressalta que é essencial fortalecer os negócios criados e geridos por mulheres

Texto: Caroline Nunes | Edição: Lenne Ferreira | Imagem: Acervo pessoal

Imagem mostra a afroempreendedora de beleza e estética, Isabel Regina

23 de julho de 2021

Depiladora, manicure e cabeleireira, Patrícia Santos, de 33 anos, mora em Guarulhos, na Grande SP, e encontrou no setor da estética e beleza o caminho para garantir a sua própria sustentabilidade e a da família. A paulista é só mais uma dentro de um universo que movimenta bilhões por ano. Ter um espaço como um salão de beleza na própria comunidade é a forma que muitas afroempreendedoras encontram para empreender e conquistar autonomia financeira.

Segundo dados da Euromonitor, empreendimentos do mercado estético faturaram a marca de US$ 29,62 bilhões no Brasil só em 2020, tornando o país o quarto maior no mercado mundial de cuidados pessoais e cosméticos, atrás apenas de Estados Unidos, China e Japão.

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Criada sem a presença materna, que faleceu quando ela ainda era criança, Patrícia tenta, há anos, concluir a construção de seu salão de beleza. Responsável por toda a entrada de dinheiro na casa, a profissional ainda cumpre jornada dupla: atende clientes à domicílio em diversas periferias da cidade e também trabalha como costureira. Depois que o pai de Patrícia sofreu um AVC, em 2018, a responsabilidade aumentou e Ireno não pôde mais ajudar nas contas da casa devido às sequelas. O sonho do salão teve que ser adiado.

“Com muita dificuldade ainda estou tentando terminar o meu salão, pois só eu trabalho em casa e meu pai depende de mim. Minha maior dificuldade é financeira”, relata a depiladora.

O afroempreendedorismo é feminino e solitário, atendendo mais a indústria de cuidados do que outros nichos. É o que diz o estudo Afroempreendedorismo Brasil, elaborado pelo Movimento Black Money, Inventivos e RD Station.

Uma análise realizada pela Pretahub também mostrou que a maioria dos negócios pretos são tocados por mulheres. Já outro estudo, organizado pelo Sebrae, revela que esses negócios representam 17% do total no país e que quase metade das empreendedoras (49%) são as responsáveis financeiras pelo seu núcleo familiar.

Leia também: ‘ESPECIAL | Conhecimento passado de mãe para filha garante a manutenção de comunidades tradicionais’

A mochila de rodinhas pesada, por enquanto, é o salão de beleza portátil da manicure. No item, é possível encontrar de tudo: desde panela para aquecer a cera utilizada para depilação, até as mais diversas cores de esmalte disponíveis. Contudo, a afroempreendedora acredita ser gratificante seu trabalho, pois com ele é possível resgatar a autoestima das mulheres periféricas que ela atende.

“Um serviço feito com amor e capricho deixa as minhas clientes mais lindas do que já são”, completa Patrícia.

“Fale sempre que essa trabalhadora é capaz e faz o serviço bem feito”

“Ajude a divulgar o trabalho dessa empreendedora, siga nas redes sociais. Precisamos fortalecer ainda mais os negócios criados e geridos por mulheres, pois elas foram as mais atingidas desde o início da pandemia. Quando compramos de uma empreendedora, fortalecemos as famílias e a comunidade onde ela está inserida”, é o que diz a executiva do mercado financeiro, Jandaraci Araujo, que também é Conselheira do Capitalismo Consciente Brasil.

A manicure Patrícia Santos pondera ainda que a rede de apoio, encontrada nas comunidades periféricas, é essencial para manter a mulher negra empreendedora de pé, bem como a possibilidade de estudar e se especializar nas áreas de interesse.

“Nada melhor do que apoio emocional. É melhor do que financeiro. Fale sempre que essa trabalhadora é capaz e faz o serviço bem feito. O incentivo é perfeito para qualquer pessoa, nos deixa motivadas. Faz toda a diferença”, afirma. “Os cursos que fiz foram bons, mas nada melhor do que a prática”, salienta Patrícia.

A manicure, depiladora e cabelereira Patrícia Santos, uma entre as diversas afroempreendedoras do ramo da beleza | Créditos: Acervo pessoalA manicure, depiladora e cabelereira Patrícia Santos, uma entre as diversas afroempreendedoras do ramo da beleza | Créditos: Acervo pessoal

Para a executiva Jandaraci, existem algumas formas de facilitar a vida das afroempreendedoras, principalmente no que tange o gerenciamento financeiro do próprio negócio. O primeiro passo é ter clareza real no próprio custo de vida e saber quais são as despesas fixas e variáveis, para conseguir estabelecer a retirada mensal de lucro.

“Saiba também os custos do seu negócio. Não basta saber apenas o do produto, é necessário conhecer tudo para que saiba precificar corretamente. E com o preço correto, consiga estabelecer metas de vendas diárias”, recomenda.

Além disso, Jandaraci aconselha que as afroempreendedoras periféricas separem as contas bancárias – física e jurídica. Ela salienta que a sobrevivência do negócio depende muito dessa prática.

“Pode parecer clichê, mas um dos principais fatores da desorganização financeira é o fato de os empreendedores misturarem as contas da empresa com as pessoais. Existem vários cursos gratuitos de gestão financeira para negócios. Vale super a pena investir algumas horinhas para cuidar da parte mais importante do negócio: as finanças”, pondera.

Quando o sonho se torna realidade

Acreditar no próprio potencial, ouvir elogios e críticas de pessoas confiáveis e se organizar financeiramente para investir no sonho de ter o próprio negócio foi o que fez Isabel Regina de Jesus, de 32 anos, se tornar referência em design de sobrancelhas em Ubatuba, litoral norte de São Paulo.

Há oito anos, Isabel relembra que tinha apenas uma bicicleta para atender a domicílio e utilizava uma parte da casa da família para poder acomodar seus clientes. Duas pinças e uma tesoura representavam todo o material de trabalho da designer.

“Eu comecei atender na minha casa, numa varanda. Era bem simples, lembro como fosse hoje: a varanda estava quase caindo na nossa cabeça. Daí uma colega, chamada Sabrina, me chamou para ir trabalhar no salão dela, que estava fechado na época porque ela trabalhava numa escola. Foi então que eu fiquei tomando conta do salão dela sozinha”, recorda a profissional.

Aos poucos, Isabel foi conquistando seu espaço e a propaganda boca a boca feita principalmente nas periferias de Ubatuba ajudou. Com o aumento da clientela, Isabel saiu do salão de sua colega, contratou uma manicure para dividir despesas e alugou seu próprio espaço, local em que ela passou a decorar da maneira que sonhava. De tantas especializações no segmento da beleza, as sobrancelhas – conhecidas como molduras do rosto – cativaram a designer.

“Eu falo que não fui eu que descobri a estética, foi ela que me descobriu. Fazer sobrancelha, para mim, é algo que eu não consigo mais viver sem”, ressalta.

O antes e depois do local de trabalho da designer de sobrancelhas Isabel Regina | Créditos: Acervo PessoalO antes e depois do local de trabalho da designer de sobrancelhas Isabel Regina | Créditos: Acervo Pessoal

Leia também: ‘ESPECIAL | Como suas ancestrais, empreendedoras negras driblam dificuldades e criam as próprias oportunidades’

Com orgulho de suas raízes e principalmente de sua mãe, que a educou sozinha, Isabel relembra que depender da divulgação das pessoas para que seu trabalho ganhasse visibilidade no município foi um dos maiores entraves que enfrentou na profissão, além do racismo.

“Uma vez, uma moça chegou no salão para fazer a sobrancelha e quando ela me viu, olhou para mim de cima para baixo e disse ‘você que vai mexer no meu rosto’? Respondi que sim e ela ficou com ‘cara’ de nojo e disse que não queria fazer mais. Eu me senti um lixo, fiquei muito chateada. E sempre acontece essas coisas, piadinhas”, desabafa a afroempreendedora.

Atualmente, Isabel investe em mais um aperfeiçoamento profissional, possui seu próprio empreendimento e oferece cursos para quem deseja se especializar em design de sobrancelhas. O salão é completo e presta serviço de depilação, cabeleireiro, manicure e pedicure também.

“Um curso é muito importante, pois é ali que você aprende a exercer seu trabalho e se aperfeiçoa. Eu já fiz mais de quinze cursos e não quero parar por aí”, comenta.

Perspectivas e apoio não-governamental

Além da tão sonhada maternidade, realização que a manicure Patrícia Santos vivencia atualmente em seu último mês de gestação, ela deseja, por fim, concluir a obra de seu pequeno salão para atender a clientela com mais conforto e também no intuito de estar perto de seu filho e pai.

Já a designer de sobrancelhas Isabel pretende ampliar seus conhecimentos para uma escola de estética, focada em sua especialidade. O atendimento simpático da empreendedora será repassado também às alunas, segundo conta.

“Para nós, que somos negras, tudo é muito difícil. Precisamos de menos preconceito e mais amor. Eu queria montar um grupo negras para ajudar uma à outra, apoiar, dar força, e levo isso como uma missão com minhas alunas. Quando as mulheres chegam no salão tristes, a nossa simpatia e alegria serve para colocá-las para cima! E fazendo desse jeito está dando super certo! As clientes saem de lá super contentes. Isso é gratificante”, comemora Isabel.

O plano de apoiar afroempreendedoras em seus negócios é uma medida eficaz para o crescimento da comunidade, segundo Jandaraci. A especialista salienta que as organizações não-governamentais (ONGs) trabalham onde o setor público não atende a população e agem como facilitadoras da inclusão social.

“São várias ONGs que atuam além da qualificação técnica, possibilitando que as mulheres possam aprender uma nova profissão, e fomentando o empreendedorismo como alternativa na geração de trabalho e renda”, pondera.

Saiba como começar e quem apoia as afroempreendedoras

Jandaraci salienta ainda que, no início, é necessário que essa mulher de negócios periférica pesquise quais as necessidades dos moradores da região e adjacências; conheça a concorrência local; e aposte na própria experiência.

“Todo mundo tem algo para vender e sempre tem alguém disposto a comprar. Busque capacitação e conhecimento, faça um plano de negócios. Para progredir é preciso reinvestir o lucro, ou uma parte dele, no negócio e, principalmente, cuidar das finanças”, recomenda.

A diretora do Banco do Povo, executiva do mercado financeiro e Conselheira do Capitalismo Consciente Brasil, Jandaraci Araújo | Créditos: DivulgaçãoA executiva do mercado financeiro e Conselheira do Capitalismo Consciente Brasil, Jandaraci Araújo | Créditos: Divulgação

O Movimento Quilombolas de São Lourenço (PE) oferece oficinas de afroempreendedorismo nas comunidades tradicionais, visando o complemento de renda dessas mulheres. O foco é garantir a autonomia financeira das afroempreendedoras e é possível conhecer mais sobre acessando o Instagram oficial do projeto.

Já a iniciativa “Mulheres no Corre” ensina afroempreendedoras periféricas a se posicionarem melhor na internet. O projeto ensina sobre a importância das redes sociais e capacita mulheres a melhorarem a imagem de suas marcas no mundo virtual. É possível acompanhar os conteúdos de maneira gratuita também pelo Instagram. Encontros presenciais não acontecem por enquanto devido à pandemia.

A Rede Mulher Empreendedora visa a capacitação feminina em diversos nichos, voltada ao desenvolvimento de habilidades pessoais e profissionais, com conteúdos relevantes e dicas práticas sobre liderança feminina, marca pessoal, vendas e finanças. No site é possível conferir as opções.

Além disso, estão abertas até domingo (25) as inscrições para a 4ª edição do curso online gratuito ‘Educação Financeira Sem Neurose’, da NoFront. A metodologia de ensino do curso utiliza músicas do Racionais MC’s para ensinar sobre finanças.

Leia também: ‘ESPECIAL | Quem inventou o empreendedorismo no Brasil?’

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