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Especial Black Digital I Influencers negros (as) e a busca por ascensão na internet

“É necessário que a nossa comunidade tenha projeção nesses espaços. Assim como em qualquer espaço com potencial formativo e comercial", aponta Paulo Victor Melo, especialista em comunicação contemporânea; 

Texto: Victor Lacerda I Edição: Lenne Ferreira I Imagem: Reprodução/Instagram

Especial Black Digital I A ascensão enquanto influencer negro(a) nas redes sociais

19 de novembro de 2021

Com o uso expressivo das redes sociais na última década, a internet possibilitou a descentralização e maior consumo de informação, aspectos que geraram uma identificação do público imediata com os produtores de conteúdo. Seja o dia a dia ou qualquer outro assunto que envolva o comportamento de tais perfis, os chamados “seguidores” estão quase 24 atentos e garantindo audiência para quem quer se firmar como referência. No percurso até a fama, influencers negros (as)  tentam um lugar ao sol apostando na criatividade.  

Como novo meio de comunicação, as mídias digitais possibilitaram a ascensão de uma pluralidade de vozes, como uma janela de mostrar quem é, o que pode oferecer para este mundo e dialogar para os seus, como é o caso dos perfis de personalidades negras. Entretanto, assim como um mercado, os números se tornaram sinônimo de nível de influência, seja no de seguidores, nos likes ou comentários, o que possibilita ao mercado um panorama de quanto um perfil pode impactar em seu meio. 

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Antes de entender os mecanismos e a vivência de um produtor de conteúdo, é válido ressaltar que a internet é um espaço de circulação de ideias, valores e perspectivas de mundo e é um espaço que tem forte capacidade de formar opiniões, estruturar comportamentos e instaurar práticas. Nesse sentido, o doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas pela Universidade Federal da Bahia (UFBA), Paulo Victor Melo, defende ser fundamental a presença, cada vez mais, de influencers negros nas redes. 

“É necessário que a nossa comunidade tenha projeção nesses espaços. Assim como em qualquer espaço com potencial formativo e comercial, ele precisa ser um espaço diverso. Isso ajuda a ecoar a perspectiva das pessoas negras sobre suas próprias vivências e ajudar a formar demais pessoas que acessam esses conteúdos”, aponta. 

O pesquisador ainda ressalta que a ascensão desses perfis é de impacto positivo considerável, enquanto colocamos a internet também como um espaço de reconhecimento e visibilidade; de formação de si sobre o mundo, como da condição de pessoa negra. 

“A partir do momento que eu vejo em pessoas negras a capacidade de influência sob a sociedade mediada pela internet, eu olho para mim e digo também posso, consigo, passando a ter referências de pessoas com histórias que dialogam comigo e com o que eu acredito”, explica. 

Uma dessas referências para a juventude negra e de forte reconhecimento no nordeste é a escritora, colunista, podcaster e blogueira pernambucana Carol Figueiredo. Com mais de 40 mil seguidores nas redes sociais, Carol percebeu um crescimento exponencial em sua página no Instagram ao dar dicas de looks, livros, maquiagens, penteados, falar do seu trabalho enquanto comunicadora, além de retratar processos de uma jovem adulta em seu blog e também no podcast ‘Diarinho’. 

Mas até chegar a essa evolução e crescimento quantitativo da comunidade que a cerca, como o nome do próprio projeto de blog e podcast que carrega suas vivências e percepções de mundo, foi na escrita, ainda mais nova, que Carol encontrou a primeira e duradoura forma de se comunicar. Aos 8 anos de idade, já escrevia à mão em um diário que tinha e, junto à presença do seu pai, ligado à tecnologia, passou a escrever no recurso Word e, aos 13 anos, decidiu publicar seus textos em seu primeiro perfil de blog, na plataforma blogspot. 

Mergulhar no universo da internet foi só consequência para ela. Com a chegada de novas redes e mais recursos, Carol também passou de consumidora de canais de humor no YouTube, como de Whindersson Nunes, para produtora de conteúdo para plataforma de vídeos. A jovem abriu o canal “Carol, Sua Louca”, onde postava vídeos de humor, assim como aqueles que assistia, mesmo tendo vergonha das pessoas da cidade onde morava, Serra Talhada, município do interior de Pernambuco.

“Foi uma época em que eu era muito fã dos canais de humor e, assim como criei o blog, olhava para aquela possibilidade e dizia: ‘eu sei fazer isso’. O que me deixava com menos vontade de produzir era a resposta das pessoas do lugar onde eu morava na época. Mesmo tendo outras pessoas fazendo conteúdos parecidos ou atividades que trouxessem visibilidade, eu era tida como a sem noção e que gostava de aparecer”, conta.

Carol ainda ressalta que já percebia certa retaliação, principalmente ao ser comparada com os perfis públicos da cidade onde morava: jovens misses, que não tinham semelhança alguma com o seu biotipo e com sua raça. De maioria magras, altas e brancas, para a população que as acompanhavam, aquele era o perfil que poderia ascender socialmente e ter retorno do público. 

Esse processo desencadeou em uma auto sabotagem da produtora de conteúdo, que deu uma pausa de anos na internet enquanto meio para se expressar e criar laços enquanto comunidade e figura pública, só retornando quando entrou para a faculdade de jornalismo em 2018. Carol conta que, após estudar comunicação, percebeu que o que fazia na época que era retaliada, não era um trabalho ruim como as pessoas pontuaram. 

“Essa percepção foi uma construção e ainda é. É curioso que, mesmo isso tenha acontecido no passado, até hoje tem muito na minha cabeça que a internet não é o meu lugar. Por isso se faz importante o reconhecimento e o crescimento de uma comunidade que lhe ouve, lhe enxerga e lhe entende. A única coisa que me impedia de produzir era a auto sabotagem com base no que eu tinha vivido. Isso até encontrar, na internet, pessoas que valorizavam quem eu sou e o que produzo”, desabafa. 

A jornalista e  especialista em social media, Elayne Barros, destaca que o espaço da internet, desde os primórdios, ainda é um espaço limitado e estereotipado, exercendo pressões sociais que, podem, sim, interferir no crescimento pessoal e profissional no meio. 

“Existe um padrão físico, estético e visual que exerce, sim, uma influência no mundo digital. As pessoas dizem que é preciso ter aquele tipo de cabelo, de corpo, de comportamento para ser seguido. Então o espaço, que é pequeno e limitado para as pessoas negras acaba se tornando menor ainda. É como se a internet dissesse: ‘tenha seu diferencial, mas não tanto ao ponto de fugir do padrão”, aponta a especialista. 

 Leia também: Especial Black Digital | Influenciadoras negras revelam bastidores da produção de conteúdo

Remando contra a maré constatada no universo dos likes e engajamento, Carol seguiu falando de suas vivências e conseguiu achar, em meio aos internautas, uma comunidade que compartilhava e acompanhava seus textos e a forma em que se expressava em suas redes. 

Fato curioso é que, durante a pandemia, a produtora de conteúdo viu o seu perfil aumentar de seguidores quando aconteceu a campanha “BlackOut Tuesday” – ação que promoveu uma série de publicações de fotos com fundos totalmente pretos em apoio ao ato americano “Black Lives Matter”, em português “Vidas Negras Importam”, em apoio à morte do afro-americano George Floyd, assassinado por um policial branco nos Estados Unidos em maio do ano passado.

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Com mais de 40 mil seguidores nas redes sociais, Carol percebeu um crescimento exponencial em sua página no Instagram ao dar dicas de looks, livros, maquiagens, penteados, falar do seu trabalho enquanto comunicadora, além de retratar processos de uma jovem adulta em seu blog e também no podcast ‘Diarinho’ (Créditos: André Valença)

“Na época, eu já estava como administradora de um portal que tratava sobre assuntos ligados à raça, mas fiquei surpresa quando, durante essa campanha, o meu perfil, que já tinha uma quantidade significativa de seguidores, passou a rodar ainda mais e falando sobre nossa vivência enquanto pessoas negras”, conta.

Questionada sobre o momento em que percebeu aumento dos seguidores após sua participação na campanha citada, Carol aponta que ao falar sobre mais uma vivência do dia a dia, como a variação hormonal causada pela Tensão Pré-Menstrual, a TPM, recebeu mais de 30 mil likes e 20 mil compartilhamentos em sua rede. Na publicação, ela utilizou de um carrossel de imagens, texto e arte para explicar que a variação que acontece com pessoas que menstruam não era apenas explicada e resolvida ao associar a se alimentar de doces e assistir filme. 

O pulo que Carol deu entre essas duas publicações foi de 18 mil para o número atual de seguidores nas redes, que chega à casa dos 40 mil. Resultado que a possibilitou reconhecer que o conteúdo em que as pessoas que a acompanham gostam e valorizam nada mais é que o resultado de sua própria vida. 

DESAFIOS

Apesar de ter toda uma juventude construída na internet, Carol afirma que ainda não consegue se enxergar vivendo exclusivamente da sua imagem e seu conteúdo. Comunicadora em formação, também atua na área publicitária, cuidando da imagem e linguagem de clientes, espaço onde dá continuidade ao que gosta de fazer desde nova, que é escrever, mas em outra vertente. 

“Isso impacta diretamente no meu crescimento e ascensão nas redes. Enquanto mulher, pessoa negra, que moro só, ainda não me sinto segura em acreditar que posso pagar meus boletos apenas com o conteúdo que produzo para e sobre mim, o que vejo. Tenho medo que as redes sociais, como o Instagram, possa ser um recurso passageiro, o que me faz preferir, no momento, focar também no gerenciamento da publicidade”, explica.

Mesmo já tendo assinado e sendo o “rosto” de grandes marcas de refrigerantes, cosméticos, alimentação e beleza, Carol aponta outra dificuldade em comum para as blogueiras negras que é a valorização dos patrocinadores e parceiros em comparação às produtoras de conteúdo brancas. 

A comunicadora conta que, no comparativo de início de carreira para agora, passou da casa dos três dígitos para quatro, mas, mesmo assim, ainda se sente frustrada pelo esforço que faz em entregar um conteúdo criativo e diverso e não ser valorizada como blogueiras não negras. 

“Isso é outro ponto que nos gera insegurança, pois o mercado tem uma preferência ao relacionar as suas marcas com as nossas imagens, o que acaba acarretando, por vezes, uma aceitação nossa de valor abaixo do mercado publicitário, além do medo constante de, ao responder sobre um orçamento, não ser contratada pelo valor que pediu. Seria muito mais interessante fazermos nosso trabalho, enquanto pessoas pretas, nos preocupando apenas com engajamento e números, mas até então ainda nos sentimos culpadas e questionamos se o nosso trabalho merece tal valorização”, afirma. 

Os apontamentos de Carol vão de encontro com os resultados da pesquisa “Um retrato sobre Creators Pretos no Brasil”, apresentada no Youpix Summit, evento sobre indústria e economia de ‘creators’ em setembro de 2020. De acordo com o estudo, dos 760 criadores que participaram da pesquisa em todo o Brasil, 57% são brancos, 22% são pardos, 17% são negros, 3% são amarelos e 1% é indígena. 

O estudo ainda revelou outro dado importante: ao comparar a média dos valores mínimos e máximos que os produtores de conteúdo receberam em campanhas publicitárias, uma disparidade foi identificada. De acordo com o levantamento de recursos recebidos pelos influenciadores, a média do valor máximo por um criador de conteúdo negro foi de R$ 1.626,83, enquanto a recebida por um criador branco foi de R$ 4.181,01. Uma diferença de mais de 50% inferior à média da pesquisa. 

ESTRATÉGIAS 

A amostra indica a necessidade, ainda mais, de se firmar enquanto produtora de conteúdo e criar estratégias que reforcem a valorização de pessoas negras no mercado da internet, o que é um desejo de Carol Figueiredo em suas redes. Ainda em conversa com a Alma Preta Jornalismo, a jovem conta que a vontade de se firmar tem a ver com a relação com o mercado e como o mesmo enxerga as redes como recurso de divulgação e lucro. 

“É imprescindível para quem quer viver de internet em buscar formas de engajar o conteúdo e isso servir de números a serem mostrados para as empresas. Um desejo de mercado que segue a ideia de que quanto mais seguidores você tem, mais prestigiado você é. Nós vivemos na ‘Era dos Milhões’ [de seguidores], como costumo dizer, então é um desafio e meta alcançar um número maior de pessoas visando se estabilizar no mercado”, explica. 

Como estratégia, Carol afirma que, mesmo tendo como meta chegar a casa dos 100 mil seguidores com sua conta no Instagram, usa de recurso a valorização do número atual de seguidores e das respostas vindas da sua comunidade. De acordo com a influencer, cerca de 22% dos seus seguidores são engajados com suas publicações –  um número valioso para o mercado publicitário na internet. 

Ela ainda afirma que, mesmo estando por dentro de recursos da internet que usa até para impulsionar o conteúdo de seus clientes, enquanto trabalhadora desse mercado, não se vê criando conteúdos com o intuito apenas de ficar mais famosa. 

Leia também: Especial Black Digital | Como a internet visibilizou vivências de jovens pretos

“Com o tempo, entendi que a minha maneira de crescer e lidar com o meu conteúdo é orgânica. Ascendo com a ajuda da minha comunidade e, por isso, não vou seguir tendência de vídeos de um minuto, por exemplo, apenas para aumentar o meu alcance. Sei que tem seu valor, é um conteúdo é uma ferramenta acessível que eu consumo, mas uso no trabalho, não para mim”, comenta. 

Perguntada sobre a expectativa de futuro e crescimento com suas redes a longo prazo, Carol finaliza contando que quer continuar escrevendo para sua página no Instagram, no blog e tem planos para dar continuidade ao podcast ‘Diarinho’, que já chegou a marca de 4 mil plays nas plataformas de streaming. Como objetivo, pretende dar continuidade a sua rede de troca no ambiente virutal e aumentar sua comunidade para prepará-la para o apoio em seus novos projetos. 

“Acredito que prezo por uma ascensão baseada em uma associação de quem eu sou, da minha imagem a um conteúdo bem elaborado e, acima de tudo, responsável. Quero induzir as pessoas a consumirem este tipo informação, para que entendam que, nesse ambiente que estamos falando, elas podem, sim, consumirem conteúdo de qualidade e que prezam pelo respeito e diversidade”, finaliza. 

O desejo da influenciadora se relaciona ao que é defendido pelo doutor em Comunicação e Cultura Contemporâneas, Paulo Victor. O estudioso, em suas pesquisas, afirma que não se pode pensar no futuro da internet, nem no presente da internet, sem o protagonismo das pessoas negras, principalmente no nosso país, onde a maioria da população é negra. 

A representatividade, para ele, incide em outros campos que não são falados comumente, mas que fazem total diferença enquanto aspecto de responsabilidade sobre o conteúdo que se é gerado e propagado e por quem é divulgado, como apontou Carol anteriormente. 

“Fundamental pensarmos pessoas negras não só no caráter informativo, mas pessoas negras incidindo, também, por exemplo, sobre políticas públicas que envolvem a internet, como a regulação, democratização do acesso e regulamentação deste espaço enquanto mercado. Uma construção que nós precisamos estar presentes. É esse o futuro negro na internet que queremos, crescendo, em ascensão, mas com responsabilidade de todos”, finaliza.

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