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“Está dominado”: policial imobiliza com joelho rapaz já algemado no RJ

 Vítor Cruz Parga foi perseguido por suspeita de furto; sargento da PM diz que usou “força legítima do Estado"
Jovem imobilizado por policial tem marcas de agressão no rosto

Foto: Imagem: Montagem Alma Preta

19 de junho de 2022

O policial Robson Aragão do Nascimento foi filmado apoiando o joelho esquerdo nas costas de um jovem negro que já estava imobilizado com a barriga no chão e algemado. Na filmagem, o agente, que é sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro, diz que está usando a “força legítima do Estado”. O rapaz que aparece no vídeo é o estudante Vítor Cruz Parga, de 23 anos, e tem escoriações no rosto.

A cena aconteceu por volta das 11h40 na rua Primeiro de Março, próximo à praça XV, no Centro do Rio de Janeiro, no dia 26 de maio. Vitor estava andando de bicicleta e teria sido perseguido pelos PMs, desde a praça XV, e abordado. Quando o rapaz já estava algemado no chão, algumas pessoas e os próprios policiais começaram a gravar.

As pessoas que estavam em volta questionaram o excesso de violência contra o jovem já dominado. Além do sargento Aragão, que grita que a “Polícia Militar está agindo dentro da legalidade”, outros três policiais com coletes da operação “Segurança Presente” acompanham a cena sem intervir.

Vitor, segundo o depoimento dos policiais, é suspeito de um furto de celular que teria acontecido momentos antes na avenida Beira Mar, no bairro da Glória, perto da Praça Paris, a quase 2 km de distância do local da prisão.

A vítima do furto seria uma funcionária pública que estava dentro de um táxi quando um ciclista passou e levou o celular dela. A funcionária saiu do táxi e sacou uma arma, porém, o ladrão conseguiu fugir com o aparelho. Na denúncia do crime, ela fez uma descrição superficial do suspeito com indicação das roupas (boné, bermuda e camiseta).

A equipe do sargento Aragão, que pressionou o corpo de Vitor contra o chão após ser imobilizado, apresentou o caso como prisão em flagrante. No entanto, após a revista pessoal, o celular da vítima não estava com o estudante e nenhum dos policiais estava presente no momento e no local do furto.

Julia Roberta, esposa de Vitor, disse à Alma Preta Jornalismo que ele é um rapaz trabalhador e que estava fazendo vários “biscates” (trabalhos temporários informais) para fazer a festa de aniversário da filha mais nova, que fará dois anos no final deste mês.

“Tenho certeza que ele não cometeu esse crime. Ele foi colocado em liberdade por furto em dezembro de 2021 e passou a ser um rapaz trabalhador. Naquela mesma semana, ele tinha trabalhado na reforma de uma loja em Ipanema. Era para a festa da nossa filha. Ela nunca passou um aniversário com o pai”, diz Júlia, que tem também uma outra filha de cinco anos com Vitor. O casal mora na favela da Gamboa, no centro do Rio.

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Sargento Aragão, da PM do RJ, imobolizou o suspeito e negou que houve agressão (Imagem: reprodução de vídeo)

Ela conta que Vitor deve ter fugido por medo da polícia. “Ele sempre contava sobre as maldades que os agentes faziam com os presos. E sempre que vê um policial na rua, ele relembra dessas crueldades. Ele tem medo da polícia e medo de abordagens. Por medo de ser preso de novo ele não cometeria nenhum crime, ainda mais tendo duas filhas pequenas dentro de casa”, explica a esposa do jovem.

Segundo o advogado criminalista Ítalo Lima, que presenciou e gravou o ato da abordagem, a cena é um exemplo incontestável de brutalidade policial.

“O policial militar que, a pretexto de exercer atividade de repressão criminal em nome do Estado, inflige, mediante violência, danos fisícos e psicológicos a um jovem momentaneamente sujeito ao seu poder de coerção, valendo-se desse meio executivo para intimidá-lo e coagi-lo à confissão de determinado delito, pratica o crime de tortura”, pontua Lima.

Quando se aproximou, momentos antes de começar a gravar, o advogado constatou que estava acontecendo um abuso de poder. 

“Eu passava pelo local quando vi o policial torcendo a orelha de Vitor e pressionando ele no chão. Eu ouvi o policial dizer para Vitor confessar, então retornei para intervir. Pedi licença aos outros policiais para eu falar diretamente com o sargento Aragão”, comenta o advogado.

Ítalo Lima também conta que tentou, no momento, impedir que a violência continuasse. “Pedi para ele [sargento] tirar os joelhos das algemas por estar machucando e diminuir a puxada da camisa por estar enforcando Vitor, pois ele já estava algemado e imobilizado”, completa o advogado.

Exames

Depois da abordagem, o rapaz foi levado para a Delegacia Policial do Catete e apresentado como autor do furto. Lá foi feito um reconhecimento com a presença da vítima, porém, sem que fossem seguidos os procedimentos legais como o alinhamento do suspeito junto a outras pessoas com características semelhantes.

O caso foi registrado na delegacia de Copacabana como flagrante, mesmo sem o objeto do furto. Na audiência de custódia foi mantida a prisão de Vitor e também foi negado o primeiro pedido de habeas corpus feito pela Defensoria Pública.

A prisão de jovens como Vitor após tortura, pressão psicológica ou agressão com base apenas na versão dos policiais que efetuaram o flagrante é sustentada pela súmula 70 do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, que reconhece a palavra do polícial como prova, na ausência de outras testemunhas, para condenar um réu. Neste caso, por exemplo, o termo de declaração da vítima não descreve o suspeito, apenas consta um relato genérico sobre as roupas (camiseta preta) e o boné (vermelho). O vídeo mostra que a camiseta de Vitor é azul e cinza.

O exame feito no IML (Instituto Médico Legal) para identificar se houve ou não agressão ou confronto físico, como argumentou o sargento Aragão, aconteceu apenas na tarde do dia seguinte e não indicou as marcas dos ferimentos que aparecem no vídeo gravado na manhã do dia anterior. Por sua vez, o exame feito no sargento Aragão, que foi feito na tarde do dia 26, aponta uma lesão de cinco milímetros no terceiro dedo da mão esquerda do policial.

Em resposta à Alma Preta Jornalismo, o governo do Rio afirmou que “a superintendência do programa Segurança Presente determinou o reexame dos procedimentos adotados pelos agentes para verificar se houve excessos. Porém, na análise preliminar não foram observados erros na técnica de imobilização”.

A superintendência completa: “em caso de falhas, os agentes são submetidos a novos treinamentos e, em casos graves, desligados do projeto”.

Matéria atualizada às 17h45 com a informação emitida em nota pela Superintendência do Programa Segurança Presente.

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