Mais de 20 anos depois da implementação das primeiras políticas de cotas no Brasil, uma nova e abrangente obra traz à luz os efeitos reais dessa transformação no ensino superior. “O Impacto das Cotas: Duas décadas de ação afirmativa no ensino superior brasileiro”, organizado pelos sociólogos Luiz Augusto Campos e Márcia Lima, apresenta um panorama inédito e detalhado sobre os resultados das ações afirmativas, com base em análises empíricas produzidas por um consórcio nacional de pesquisadores.
Fruto da colaboração entre oito centros de pesquisa espalhados pelo país — sob a coordenação do Afro Cebrap e do Gemaa/Iesp-Uerj —, o livro reúne mais de 30 textos assinados por cerca de 40 especialistas de diferentes regiões e formações acadêmicas.
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No dia 22 de maio, às 18h30, na livraria Megafauna, acontece o lançamento do livro em São Paulo, com a presença dos organizadores do livro, que vão realizar um bate-papo com o público.
Retrato das transformações
A obra mostra como as cotas raciais e sociais modificaram profundamente o perfil das universidades públicas. Se até o final dos anos 1990 o ensino superior brasileiro era dominado por estudantes brancos e de classes médias e altas, hoje o cenário é outro: em 2021, estudantes pretos, pardos e indígenas já representavam 52,4% dos matriculados nas universidades públicas, frente aos 31,5% em 2001. No mesmo período, a presença de alunos das classes D e E também saltou de 20% para 52%, evidenciando a dimensão econômica da mudança.
Esses avanços se consolidaram especialmente a partir da Lei nº 12.711/2012, conhecida como Lei de Cotas, que destinou 50% das vagas em instituições federais a alunos da rede pública, com recortes étnico-raciais e socioeconômicos. Em 2023, a legislação foi atualizada pela Lei nº 14.723, reforçando a prioridade dos cotistas no acesso a auxílios estudantis e garantindo que eles também concorram na ampla concorrência — uma mudança que evita o uso das cotas como teto e garante seu caráter de inclusão mínima.
Desempenho que desafia preconceitos
Entre os principais mitos derrubados pela obra está o de que os cotistas têm desempenho inferior. Dados das universidades federais como UFSC, UFMG e UFRJ mostram que, embora os cotistas ingressem com notas ligeiramente menores no Enem, essa diferença desaparece ao longo do curso. A performance acadêmica, medida por notas semestrais globais, revela níveis equivalentes entre cotistas e não cotistas, invalidando os argumentos contrários às cotas por suposta “queda de qualidade”.
Outro dado importante é o da evasão. Estudos mostram que as taxas de desistência entre cotistas e não cotistas são similares, e que homens, especialmente homens negros, apresentam maior risco de abandono, independentemente do tipo de ingresso — o que reforça a necessidade de políticas de permanência mais robustas e integradas.
Produção de saberes e disputa epistemológica
Além de ampliar o acesso, o livro mostra que as ações afirmativas transformaram a universidade por dentro, trazendo novos sujeitos e saberes para o centro do debate acadêmico. A presença de estudantes negros, indígenas, periféricos e com deficiência reconfigurou currículos, fomentou novas linhas de pesquisa e promoveu o diálogo entre ciência e saberes ancestrais e comunitários.
Nas palavras de Nilma Lino Gomes, autora do prefácio e coordenadora da coleção Cultura negra e identidades, da qual o livro faz parte: “Mais do que garantir o acesso, as cotas transformam a universidade por dentro. Elas introduzem novos sujeitos, novos saberes e formas plurais de produzir ciência.”