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Ex-funcionária denuncia Paula Lavigne por ameaça e cárcere privado

Edna Fonseca, ex-governanta da casa, trabalhou por 22 anos no imóvel de Paula Lavigne, empresária da cultura e esposa de Caetano Veloso; Lavigne indicou ex-funcionários para serem ouvidos na polícia por conta do desaparecimento de cerca de R$ 200 mil em notas de dólar e euro
Imagem mostra Paula Lavigne, uma mulher branca de roupa preta.

Foto: Paula Lavigne na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), para tratar do PL 1829/2019, Brasília, 11 de junho de 2019 (Marcos Oliveira/Agência Senado)

20 de setembro de 2024

Resumo da Notícia

  • Ex-funcionária de Paula Lavigne afirma ter sofrido ameaças e ter sido vítima de cárcere privado por parte da antiga patroa
  • O fato é desdobramento de um imbróglio judicial que começou com o desaparecimento de R$ 200 mil da casa da empresária

Edna Fonseca, ex-funcionária da casa de Paula Lavigne e Caetano Veloso, apresentou notícia-crime contra a antiga patroa por ameaça e cárcere privado em 13 de maio deste ano. A mulher de 52 anos atuou em diversas funções por 22 anos na residência do casal no Rio de Janeiro e foi demitida em 6 de maio, em meio às investigações do sumiço de uma quantia de dólares e euros avaliada em R$ 200 mil do imóvel do músico e da empresária em São Conrado, na capital fluminense. A ex-funcionária é uma das pessoas indicada pela defesa de Lavigne para ser ouvida pela polícia sobre o desaparecimento de dinheiro.

No dia 14 de maio deste ano, Edna solicitou que a polícia investigasse as ameaças que sofreu durante o histórico de trabalho, iniciado em 2002. De acordo com o documento, ela foi alvo de “rotineiras práticas de assédio moral” e acusações de “ter cometido furto”.

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“De maneira arbitrária, a noticiada [Paula Lavigne] intensificou suas práticas de constrangimento e coação contra Edna e os demais funcionários, buscando extrair confissões ou acusações entre eles, o que resultou em um ambiente de trabalho extremamente hostil. Essas ameaças, ora explícitas, ora veladas, incluíam demissão e prisão”, afirma o documento.

A defesa da ex-funcionária ainda sinaliza para o crime de cárcere privado, quando no dia 3 de maio, Edna Fonseca foi mantida em um quarto da residência de Paula Lavigne. A antiga funcionária ficou impossibilitada de sair do quarto para que os demais trabalhadores da casa estivessem aptos a fazer reconhecimento facial dela com o celular e desbloquear o acesso aos arquivos do aparelho sempre que necessário e assim gerar backup das informações de Fonseca. Na sequência, o aparelho da ex-funcionária foi confiscado. Lavigne alega que o celular era de propriedade da empresa dela, a Uns Produções e, por isso, não houve confisco.

Três dias depois, em 6 de maio, Paula Lavigne teria reproduzido um áudio para todos da casa que tratava de um suposto desvio de bebidas por parte de Edna, segundo a notícia-crime. O documento ainda afirma que, na sequência, a patroa passou a gritar sobre o relacionamento amoroso de Edna com uma outra funcionária, expondo a sexualidade da profissional. Fonseca foi então demitida e expulsa da casa. 

Em nota, Arthur Fischer, advogado de Paula Lavigne, afirmou desconhecer o “procedimento criminal recente, supostamente ajuizado contra nossa cliente”. A notícia-crime por ameaça e cárcere privado foi anexada ao inquérito policial em junho de 2024.

A relação entre a empresária e a trabalhadora piorou depois da instauração de uma investigação particular no interior da casa, que ocorreu entre o fim de março e o início de abril, para descobrir o sumiço do dinheiro de dentro da residência, com a escuta de alguns familiares, como os filhos Tom Veloso e Zeca Veloso, e a nora Jasmine Souza, além dos funcionários do imóvel. A investigação foi tocada pelo escritório de advocacia do pai de Paula, Arthur Lavigne, um criminalista reconhecido pelo trabalho durante a ditadura militar na defesa de presos políticos.

O escritório de Arthur Lavigne, pai de Paula, conduziu uma investigação defensiva, mecanismo previsto na legislação brasileira, sobre o sumiço do dinheiro. As informações obtidas no procedimento fundamentaram a notícia-crime de Lavigne sobre o desaparecimento das notas de euro e dólar. A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) entende o procedimento como legal para a “obtenção de elementos de prova”.

Depois das entrevistas conduzidas pelo escritório de Arthur Lavigne, Edna Fonseca entregou seus dados bancários e de seu ex-companheiro como forma de provar que nenhuma movimentação atípica foi feita na conta. A notícia-crime apresentada pelos advogados da ex-funcionária por ameaça e cárcere privado faz parte das investigações do furto da quantia em dinheiro estrangeiro avaliada em R$ 200 mil. 

O caso é acompanhado pela 14ª Delegacia de Polícia Civil, fato contestado pela defesa de Fonseca. No documento apresentado, aponta-se que o Instituto de Segurança Pública faz uma divisão territorial dos crimes a serem investigados no estado, e que a área onde o desaparecimento do dinheiro aconteceu seria de responsabilidade da 15ª Delegacia de Polícia Civil, localizada na Gávea.

Questionada sobre a delegacia responsável pela investigação do crime e o momento da apuração do caso, a Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro apenas afirmou que “a investigação está em andamento na 14ª DP (Leblon) e sob sigilo”. O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro afirmou que as investigações estão em fases iniciais e não deseja se manifestar sobre o fato.

O desaparecimento do dinheiro

Ao longo dos 22 anos de serviços prestados no imóvel de Paula Lavigne e Caetano Veloso, a ex-funcionária primeiro atuou como arrumadeira e, com o passar do tempo, conquistou a confiança do casal e se tornou governanta da casa, ou seja, pessoa responsável por organizar o espaço e coordenar os outros funcionários.

No dia 21 de março de 2024, Paula Lavigne preparava a mala de viagem para o exterior, e contava com a contribuição de Edna Fonseca para isso, conforme relatado pelo UOL. Enquanto as duas separavam o que seria levado, Edna viu um envelope que estava aberto. Lavigne olhou, percebeu que se tratava de um envelope com euros, e sentiu a falta de 1.730 euros.

Por esse motivo, Lavigne decidiu checar os seus dólares, que estariam guardados em uma gaveta no closet da empresária. Lá, ela sentiu a falta de 38.285 dólares. A ausência de dólares e euros contabilizou um prejuízo total de R$ 203.699 mil.

No documento apresentado pela defesa da empresária, consta que os euros haviam sido checados alguns dias antes. Os dólares, porém, não eram conferidos por Lavigne desde setembro de 2019, segundo a notícia-crime apresentada pela empresária. A informação contradiz com o apresentado em Boletim de Ocorrência por furto, em que a empresária afirma que “não sabe precisar a última vez que verificou os envelopes de dólares, mas acredita que não seja um lapso superior maior que um ano, data da última turnê”, em referência às apresentações de Caetano Veloso. 

Há ainda, durante a investigação, um desencontro acerca dos valores desaparecidos. No primeiro momento, a partir dos diálogos com Lavigne, foi repassado para Edna Fonseca que a ausência era de 15 mil dólares, número que saltou para 38 mil dólares durante a investigação defensiva feita no interior da casa e no registro da notícia-crime.

Os advogados de Fonseca pedem que Lavigne comprove a posse do dinheiro, a origem e a licitude, como forma de garantir transparência na apuração dos fatos. “Causa estranheza que prova tão relevante não tenha sido apresentada no bojo da investigação defensiva realizada”. O texto ainda afirma que todos são iguais perante a lei, independente da origem social, e que qualquer pessoa que relata o furto de um bem é obrigada “a demonstrar a propriedade e origem lícita do objeto”.

Paula Lavigne e Caetano Veloso durante jantar de gala “The Artist’s Museum Happening”, do MOCA (Museu de Arte Contemporânea), Los Angeles, 13 de novembro de 2010 (Frazer Harrison/GETTY IMAGES NORTH AMERICA/Getty Images via AFP)

A investigação

O período de maior atenção para a investigação defensiva para descobrir o sumiço do dinheiro ocorreu entre 13 de dezembro de 2023 e 19 de fevereiro de 2024, quando Lavigne e Caetano Veloso foram para Salvador (BA), onde o casal tem uma residência. Para a viagem, levaram Edna Fonseca e outras duas funcionárias, que ficaram responsáveis por cuidar dos afazeres durante as férias dos patrões. Nesse momento, Josué Santos, ex-companheiro de Fonseca, e outras funcionárias assumiram as tarefas no imóvel no bairro de São Conrado, na capital fluminense.

A defesa de Edna Fonseca condena a investigação defensiva pelo fato de ter sido direcionada aos trabalhadores. Um dos exemplos disso é o diálogo entre o investigador e Zeca Veloso. Na conversa, o entrevistador diz que o papo com Zeca ocorre “para não falarem que a gente eventualmente poderia ter direcionado a investigação pros empregados”.

Em outro momento, Zeca Veloso teria descrito atitudes consideradas suspeitas de Josué, ex-companheiro de Edna, quando falou que “o próprio Tom [irmão], quando me ligou e me contou essa história, já me deu um direcionamento nesse caminho. Estou sendo muito sincero”. 

Zeca Veloso ainda teria indicado que outras pessoas frequentaram a casa naquele período, sobretudo para gravações, o que gerou um maior fluxo de pessoas. Ele fala de artistas que estiveram presentes e não foram ouvidos como testemunhas ou suspeitos do sumiço do dinheiro. 

A defesa de Edna critica a investigação defensiva, que pouco questionou informações sobre essas pessoas, sem obter dados como nome completo de todos que frequentaram a residência. 

“Com isso, o próprio Zeca desmentiu a informação trazida na notícia-crime acerca das pessoas que frequentaram a casa no período delimitado pela noticiante. No total, ao menos seis pessoas foram nomeadas por Zeca como indivíduos que estiveram na casa no período definido pelos advogados da noticiante, inclusive com acesso à parte interna da residência, mas não houve interesse de ouvi-los, tampouco de sugeri-los como testemunhas”, diz o texto dos advogados da ex-funcionária.

A defesa de Edna ainda destaca a informação apresentada por Tom Veloso, de que a casa era movimentada, de que todas pessoas tinham acesso ao closet de Lavigne e “todo mundo ali poderia ter pego”. 

“Pessoas rodam por ali, frequentam, tem obra, tem amigos, tem pessoas próximas, familiares, é muita gente, e o quarto dela fica sempre aberto”, relatou Tom Veloso.

No diálogo com Zeca Veloso, o advogado Arthur Bruno, responsável por conduzir a investigação defensiva, confessou que se a investigação tomasse como marco inicial do sumiço a data de setembro de 2019, quando Lavigne disse ter visto pela última vez os dólares, a apuração ficaria dificultada por se tratar de um “período muito aberto” e que o tempo escolhido para investigação seria um período “cuja prova é mais fácil da gente obter”. Essa decisão é contestada pelos advogados da ex-funcionária.

O processo trabalhista e a demissão

O desgaste com Edna Fonseca cresceu quando se soube da proximidade dela com uma ex-funcionária que supostamente tinha um familiar agiota. Demitida, essa funcionária passou a ter uma relação amorosa com Edna Fonseca.

A empresária destaca o fato de Fonseca ter confessado a presença da parceira nas residências de São Conrado, Rio de Janeiro, e do Rio Vermelho, em Salvador, sem o consentimento da família depois de confrontada por Lavigne. A empresária ainda descobriu que seu carro particular foi utilizado pela parceira da então funcionária, e que garrafas de bebidas da família Lavigne teriam sido consumidas. A alegação dos advogados de Edna é de que havia ciência sobre o consumo das bebidas. 

Esses fatos embasaram a demissão de Edna Fonseca por justa causa. Os advogados de Edna contestam a decisão e movem uma ação trabalhista contra Lavigne, com o pedido de R$ 2,6 milhões, com a justificativa de receber adicional noturno, horas extras, acúmulo de funções, entre outros motivos.

O que a defesa de Lavigne apresentou?

No relatório sobre o desaparecimento do dinheiro, apresentado pela defesa de Lavigne, há menção da compra de um imóvel por Edna Fonseca e o ex-companheiro, Josué Santos, adquirido em São Gonçalo. A casa foi comprada em julho de 2023 pelo valor de R$ 150 mil, com o pagamento de R$ 30 mil de entrada com recursos próprios da dupla, R$ 45 mil vinculados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de Josué e Edna, e os demais R$ 75 mil por meio de financiamento. 

No texto, os advogados de Lavigne indicam ser “curioso o fato de o sobrenome da vendedora” ser parecido com o de Josué, no caso “Costa Santos” e afirmam que “até o momento, não foi possível descobrir eventual conexão de parentesco entre eles”. A reportagem entrou em contato com a vendedora, que afirmou não ser familiar, nem conhecer Edna, e ressaltou que a negociação foi feita por intermédio de um corretor.

Há ainda a indicação de que Edna teria se tornado sócia de um salão de beleza e adquirido outros dois imóveis em comunidades no Rio de Janeiro. Nenhuma informação mais específica ou prova foi apresentada.

O escritório da empresária afirma que, ao entrar em contato com o celular de Edna, percebeu que conversas com Josué, os filhos, e a parceira estavam apagadas. De acordo com o documento, Edna afirmou que essas conversas foram apagadas de maneira acidental. A defesa da ex-funcionária descreve a informação como “mentirosa”, pelo fato que os advogados de Lavigne juntaram mídias, áudios e vídeos do aparelho de Edna na ação trabalhista movida pela ex-funcionária.

Pedidos dos advogados de Edna Fonseca

A defesa de Edna Fonseca pede que Zeca Veloso, Tom Veloso e outros familiares de Lavigne, que foram ouvidos na investigação defensiva, sejam incluídos na lista de pessoas a serem escutadas no caso do sumiço dos dólares e euros. A defesa de Edna Fonseca contesta o fato de Lavigne ter indicado apenas os funcionários a serem ouvidos no inquérito policial instaurado.

“A condução das entrevistas deixa evidente que os investigadores tomaram um rumo de investigação único e agiram para obter a confirmação dessa conclusão, da qual Edna e seu ex-marido sempre foram o foco, mesmo sem elementos sequer indiciários da relação deles com o suposto furto. Aliás, a própria narrativa da notícia-crime não deixa dúvidas disso, já que ilações indevidas foram feitas a respeito deles – e apenas deles”, afirma o texto. 

Por isso, a defesa de Edna Fonseca indicou todos os trabalhadores, moradores da residência e visitantes da casa durante o período indicado como sujeitos a serem ouvidos na investigação, um leque ampliado daquele pedido pela defesa de Lavigne, que restringiu a lista aos trabalhadores da residência.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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