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Exclusivo: em 448 cidades brasileiras, todas as vítimas da polícia foram pessoas negras

Em 771 dos 1.117 municípios com mortes por policiais houve ao menos uma vítima negra. Levantamento foi realizado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) com dados referentes a 2022.
Mães e familiares de jovens negros mortos por policiais protestam contra a violência com ativistas da Anistia Internacional em frente à Igreja da Candelária - Crédito: Fernando

Foto: Mães e familiares de jovens negros mortos por policiais protestam contra a violência com ativistas da Anistia Internacional em frente à Igreja da Candelária - Crédito: Fernando Frazão/Agência Brasil

28 de março de 2024

A polícia matou apenas pessoas pretas e pardas, categorias de cor que formam o grupo racial negro, em 448 cidades do Brasil. Em 261 deles, foram registradas apenas uma vítima. Os dados se referem às ocorrências de 2022. 

De 5.570 municípios brasileiros, foram registradas mortes causadas por agentes de segurança em 1.117. Em 771 deles houve ao menos uma vítima negra. O levantamento exclusivo foi feito pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) a pedido da Alma Preta.

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Naquele ano, 6.429 assassinatos foram causados pelas polícias brasileiras, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, também produzido pelo FBSP. Desse total, 83,1% eram pardas ou pretas.

Em 129 municípios, nenhuma das vítimas da polícia eram negras – esse número desconsidera os casos em que raça/cor da vítima não foi informada. Esses casos estão concentrados na região Sul.

Em termos comparativos, houve um crescimento no número de cidades em relação ao mesmo levantamento feito sobre os dados de 2021 pelo FBSP para a Alma Preta. Na época, 322 municípios haviam registrado apenas assassinatos de negros por agentes de segurança pública.

Em número de vítimas, houve uma pequena redução: naquele ano, foram 6.493 mortos pela polícia no país, sendo que 84,1% eram pessoas negras.

Todas as Unidades da Federação forneceram os microdados de MDIP ao Fórum Brasileiro de Segurança Pública. No entanto, o Maranhão e a Paraíba não disponibilizaram a informação raça/cor da vítima, e o Ceará não disponibilizou a informação do município de ocorrência da violência policial. Por isso, o levantamento desconsiderou os dados desses três estados.

Roraima e Distrito Federal não registraram assassinatos por forças policiais.

Onde a polícia só matou negros

No âmbito geral, cidades das regiões Norte e Nordeste se destacam com os maiores indicadores. Considerando apenas as 448 cidades mencionadas, as mortes “em decorrência de intervenção policial (MDIP)” foram mais numerosas nos estados da Bahia, do Pará e de Pernambuco, nesta ordem. 

Proporcionalmente, se destaca o estado do Pará: em 41,6% dos municípios, a polícia só matou pessoas negras. Foram 142 vítimas em 60 cidades. No topo da lista está Santarém (PA), onde todas as 13 vítimas da polícia foram pessoas negras.

A Bahia, que tem a segunda maior letalidade policial do país segundo o próprio Anuário de Segurança Pública, tem 100 cidades onde apenas negros morreram nas mãos da polícia. Foram 232 pessoas assassinadas apenas nesses locais. 

As capitais Recife (PE) e Maceió (AL) figuram entre as cinco primeiras cidades com o maior número absoluto de negros mortos pela polícia nesta lista, com 11 e 10 vítimas respectivamente. Palmas, capital do Tocantins, também aparece na lista com uma pessoa negra assassinada pela polícia.

No levantamento anterior, quatro capitais figuraram na lista: Recife (PE) com 14 vítimas, Vitória (ES) com 9, Boa Vista (RR) com 7 e Rio Branco (AC) com 6 mortos pela polícia.

Com Recife, outras 29 cidades de Pernambuco registraram 65 mortes de negros em decorrência de intervenção policial. Em termos gerais, Pernambuco tem uma das menores taxas de letalidade policial – foram 60 mortes em 2022 em todo o estado –, mas a incidência é muito maior na população negra.

Seletividade racial

Dennis Pacheco, pesquisador do FBSP, acredita que os dados indicam uma seletividade racial existente no Brasil.

“A concentração racial da violência poderia indicar uma segregação, porque essas cidades não são compostas exclusivamente por pessoas negras. Acho que fica latente a questão de quais condições essas pessoas vivem, que condições elas são abordadas pela polícia, em que condições elas acessam ou deixam de acessar direitos, porque que essa concentração consegue ser tão intensa a ponto de que todas as vítimas serem negras, independente de quantas vítimas tenham sido”, explica.

Considerando apenas as cidades deste levantamento, 145 negros foram mortos pela polícia em locais com proporção de negros menor que a média nacional apontada pelo Censo 2022, de 55,52%. Esses municípios estão concentrados principalmente nos estados de São Paulo e do Paraná. 

O caso mais extremo é Iguaraçu, município da região metropolitana de Maringá (PR). A cidade, que tem apenas 5.338 habitantes e 47,68% de população autodeclarada negra, teve quatro mortes de negros por policiais.

Elismar Bezerra, morador da comunidade Quilombola Pega, em Portalegre (RN), e coordenador geral do Movimento Negro Unificado (MNU) no estado, acredita que uma das consequências da falta de políticas sociais é a maior vulnerabilidade de pessoas negras.

“Muitas vezes o poder público não procura políticas que valorizem a periferia e o preto. Então isso gera violência, porque, como diz o ditado popular, a corda arrebenta sempre do lado mais vulnerável. A gente luta por igualdade e precisamos de políticas públicas que valorizem isso”, afirma.

Fernando Alves, que é delegado de polícia no Rio Grande do Norte, mestre em ciências sociais e doutor em direito público, lamenta as políticas de segurança pública adotada  no país. Com 25 anos de experiência na profissão, ele acredita na existência de um foco no policiamento ostensivo, sem uma ação coordenada com políticas públicas de outras áreas.

“Governos, tanto conservadores quanto progressistas, apenas reagem com mais incentivo à estrutura policial, de comprar mais viaturas, mais armamentos. Isso é louvável do ponto de vista da reação imediata a um problema, mas não resolve o problema em si. Porque para mim, ele tem que ser resolvido de fato com políticas muito mais proativas, que envolvem uma combinação de políticas públicas que não passam apenas pela política criminal”, explica Alves.

  • Camila Rodrigues da Silva

    Jornalista com mestrado em economia e formação em demografia. Editora e repórter, com quase 20 anos de experiência em redações da grande imprensa e de veículos independentes de comunicação. Atuo na cobertura de direitos humanos desde 2012.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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