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Expressão ‘racismo estrutural’ ainda é utilizada de forma inadequada na imprensa

Estudo conduzido por pesquisadora do coletivo Lójúkojú analisa que, apesar do aumento de matérias jornalísticas digitais sobre discriminação racial estrutural, ainda há a concentração de abordagens em novembro e vinculação do racismo a episódios individuais

 

Imagem mostra um homem trabalhando no computador. Utilizada para ilustrar matéria sobre uso do termo racismo estrutural na imprensa.

Foto: Imagem: LinkedIn Sales Solutions on Unsplash

7 de dezembro de 2021

Nos últimos anos, houve um crescimento do uso do termo ‘racismo estrutural’ na produção jornalística digital brasileira. Apesar do crescimento, há uma tendência de concentração de reportagens sobre a temática em novembro, mês da Consciência Negra, e um uso, muitas vezes, inadequado da expressão. É o que aponta o artigo ‘O tema do racismo estrutural no jornalismo digital: uma análise de conteúdo’, publicado recentemente pela pesquisadora Tainá Medeiros, que também é integrante do coletivo Lójúkojú.

Por meio de levantamento bibliográfico, seleção de textos com o uso da ferramenta Google Notícias e análise de conteúdo, o estudo propôs uma investigação de 737 matérias jornalísticas publicadas digitalmente entre janeiro de 2010 e outubro de 2020 para refletir sobre como a imprensa tem abordado a questão do racismo estrutural.

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Segundo Tainá Medeiros, a pesquisa mostra que um número cada vez maior de matérias associadas ao tema são publicadas ano a ano, com destaque a partir de 2017 e um ápice em 2020, entretanto, há uma pulverização das matérias entre os 178 veículos de comunicação digitais que tiveram textos selecionados.

“A maior parte deles publicou um número muito baixo de textos, indicando uma dedicação baixa ao tema. Foram poucos aqueles que têm publicações constantes, ao longo dos anos, sobre racismo estrutural. Outro achado importante é o fato de novembro ter sido, em todos os anos, o mês que mais concentrou publicações, o que indica que o tema se torna uma pauta mais presente apenas em momentos muito específicos”, pontua a pesquisadora.

Explicações sobre os principais resultados

O período de matérias jornalísticas analisadas pelo artigo reúne acontecimentos importantes de mobilização do movimento negro no país, como a criação da Marcha das Mulheres Negras, em 2015, e o surgimento da Coalizão Negra por Direitos, em 2019. O intervalo analisado também contou com a aprovação do Estatuto da Igualdade Racial, em 2010, e da Lei de Cotas para o ensino superior em 2012.

Tainá também pontua que o ano de 2020 teve acontecimentos de grande repercussão que contribuíram para o aumento da discussão. Os assassinatos por policiais, em maio de 2020, de João Pedro Mattos, no Rio de Janeiro, e de George Floyd, nos EUA; além de João Alberto Freitas, morto por seguranças em um supermercado Carrefour, em Porto Alegre, em dezembro do ano passado; mobilizaram uma cobertura maior sobre a temática.

“Se considerarmos que esses meses em geral não apresentam um número elevado de publicações, lembrando que a discussão ainda se concentra principalmente em novembro, somos levados a crer que foi preciso que acontecessem tragédias dessa dimensão para que o debate se intensificasse”, destaca Tainá.

Além disso, de acordo com o estudo, é grande a influência da internet na repercussão que esses casos e que o termo ‘racismo estrutural’ tiveram na mídia, sobretudo quando se considera o aumento no consumo de notícias por meio digital que se deu durante a pandemia. “Outra estratégia contemporânea utilizada pela militância política negra tem sido a apropriação da internet e, em especial, das redes sociais como uma ferramenta e local de engajamento, ensino, divulgação e debate sobre suas reivindicações”, descreve o artigo.

O jornalista Dennis de Oliveira, também professor da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP) e militante da Rede Quilombação, pontua que o movimento negro é um grande responsável por pautar a temática do racismo estrutural. “Então, chegam as mídias negras e as redes sociais que começam a apontar isso. Assim, jornalismo hegemônico não tem como deixar de levar o tema em consideração”, explica.

No livro ‘Racismo estrutural’ (Pólen), o professor Silvio Almeida define o racismo estrutural como um elemento que integra a organização econômica, política, jurídica e até familiar da sociedade, sistematizando o funcionamento de todas as relações que perpetuam as desigualdades raciais.

Em relação aos veículos jornalísticos que abordaram o assunto no período analisado, percebe-se a utilização do conceito de racismo estrutural de forma abstrata, pouco objetiva e prática, relacionando-o mais à dimensão comportamental e moral.

“Quando nos dedicamos à leitura de parte desses textos, notamos que a maior parcela se dedica a mencionar o racismo estrutural quando ocorrem casos de injúrias raciais, violência física, entre outros. Ele aparece isoladamente como a ‘causa’ que motiva o acontecimento, mas pouco se fala sobre como ele opera de fato, na prática. Não surge nada que o contextualize histórica, política e socialmente”, explica Tainá Medeiros.

A pesquisadora também pontua que é menor a quantidade de veículos que abordam o racismo estrutural dentro de temas como educação e segurança pública, mas, quando o fazem, nessas áreas a discussão e as explicações sobre o tema se apresentam de forma um pouco mais contextualizada e aprofundada. No panorama analisado, há também uma carência de discussões que relacionam a economia ao racismo e reflexões sobre o papel dos meios de comunicação nessa abordagem.

De acordo com Dennis de Oliveira, a dificuldade da mídia hegemônica, ou seja, dos grandes veículos jornalísticos, em cobrir racismo estrutural de forma mais aprofundada reside no conflito de interesses que existem entre eles e uma abordagem mais antirracista da temática.

“O limite dessa mídia é cobrir um certo tema desde que não toque nos fundamentos da sociedade no qual ela defende. No caso da mídia negra, como ela não tem esse compromisso e está querendo questionar esses fundamentos da sociedade em que a gente vive, consegue encontrar muito mais possibilidades em termos editoriais”, destaca o professor.

A pesquisa aponta, inclusive, que os veículos de comunicação identificados no levantamento em que mais se notou mais publicações sobre o assunto no período pesquisado, não pertenciam ao circuito das grandes mídias.

Caminhos possíveis 

Segundo Tainá Medeiros, o crescimento do número de matérias sobre o tema pode ser lido como um avanço. “Em nosso trabalho, abordamos brevemente o fato da ideia de racismo cordial ter sido dominante na linguagem jornalística das últimas décadas, em especial nos anos 1990. Recentemente, ela não foi plenamente abandonada por todos, mas já é possível ver como o conceito de racismo estrutural tem conquistado uma certa ‘aceitação’, que nos parece cada vez maior”, explica.

Entretanto, ainda há muito a ser melhorado, sendo que um dos itens se relaciona a pouca presença de profissionais negros dentro dos maiores veículos de comunicação. O mais recente Perfil Racial da Imprensa Brasileira revela que as redações brasileiras concentram apenas 20% de profissionais negros.

“Acreditamos que há diversos caminhos para que o debate se qualifique. É necessário que os meios de comunicação possuam cada vez mais profissionais negras(os). Uma alternativa complementar e necessária é a busca por fontes qualificadas para tratar do assunto. Há cada dia mais intelectuais e ativistas negras(os) se dedicando ao tema e que podem contribuir para o aprofundamento necessário. É preciso que sejam ouvidas(os)”, finaliza Tainá Medeiros.

Leia também: Em 2020, taxa de pobreza entre negros é mais que o dobro do que entre brancos

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