O Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) cobrou, na quinta-feira (22), um posicionamento público do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF) acerca das razões do indiciamento do policial rodoviário federal Fabrício Silva Rosa.
Segundo o órgão, o agente associado da entidade foi indiciado por conta do artigo intitulado “Lição de Tortura“, no qual analisa, ao lado dos autores Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, a ausência de disciplinas voltadas à promoção de direitos humanos nas formações da instituição. A publicação ocorreu na Revista Piauí, em 27 de maio de 2022.
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O artigo observa as ações da corporação no caso envolvendo a morte por asfixia de Genivaldo de Jesus Santos, em uma viatura da corporação, em maio de 2022; e no episódio que culminou na morte dos policiais rodoviários Márcio Hélio Almeida de Souza e Raimundo Bonifácio do Nascimento Filho. Este último aconteceu em Fortaleza, dez dias antes da publicação.
Segundo o texto, os dois casos coincidem com alterações recentes na matriz curricular de formação dos policiais rodoviários e com a extinção das comissões regionais de direitos humanos no âmbito da instituição.
A publicação também aponta que “praticamente desapareceram da formação oficial desses policiais disciplinas que permitiriam aos profissionais lidarem com situações como a que vitimou Santos ou os policiais rodoviários”.
A garantia de direitos humanos deve reger as instituições públicas
Em nota, o FBSP lamentou o indiciamento por entender que “em nenhum momento o artigo e/ou entrevistas por ele concedidas na ocasião, incluíra informações sigilosas ou secretas sobre a corporação”. A instituição declarou ainda que “a menção à ausência dessas disciplinas na grade curricular despertou o interesse público diante dos fatos ocorridos à época”.
“Também causa profundo estranhamento a tentativa de cerceamento da liberdade de expressão e de pensamento do associado Fabrício Silva Rosa, atentando contra a defesa do trabalho técnico policial com qualidade e baseado no respeito aos direitos humanos, premissa basilar do Estado de Direito”, pontuou o órgão.
Para a FBSP, o MJSP e a PRF devem explicações sobre a suposta quebra de sigilo sobre o conteúdo da grade curricular da corporação e sobre qual foi a exata conduta que justifica o indiciamento do agente, para que não pairem dúvidas sobre o trabalho desenvolvido pelas instituições e “sobre o compromisso ético e político com a liberdade de expressão e com a premissa inviolável da garantia de direitos humanos que deve reger as instituições públicas“.
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “essa manifestação torna-se ainda mais necessária depois dos atos cometidos contra nossa democracia no 8 de janeiro e que esses, sim, atentaram contra as instituições brasileiras”.
Mudanças na grade curricular da PRF
O artigo publicado pelo agente Fabrício Silva Rosa e seus coautores aponta que a disciplina de direitos humanos e integridade foi completamente eliminada do currículo do curso de formação em 2022.
Conforme o texto, a ementa deveria incluir matérias cruciais, tais como: PRF como promotora de direitos humanos, grupos vulneráveis, violência contra a mulher, crime análogo à escravidão, tráfico de pessoas e abordagem policial a grupos vulneráveis. No entanto, “essa disciplina tem hoje zero horas. Isso mesmo, zero horas. Nenhuma”, ressalta a publicação.
Por outro lado, o artigo destaca que a disciplina “uso diferenciado da força (UDF)”, cuja ementa trata de temas como os modelos de uso da força das instituições policiais e a doutrina para situações de contaminação por gás lacrimogêneo, entre outras, possui um total de quatro horas-aula presenciais e oito horas no ensino à distância. “Para se ter uma ideia, a disciplina armamento, munição e tiro acumula 66 horas no módulo presencial e dez horas em EAD”, registram os autores.
Em 18 de dezembro, o MJSP determinou a alteração da grade curricular da Polícia Rodoviária Federal após casos de abordagens violentas que resultaram em mortes.
O documento intitulado “Os fundamentos de formação da PRF” foi elaborado por uma comissão da PRF e contou também com a participação de especialistas de outras áreas do governo e da sociedade civil.
“Em uma democracia, cabe às polícias a manutenção da ordem pública e a defesa e promoção de direitos da população. […] O Brasil vive um momento de radicalização político-ideológica das polícias e é preciso interromper esse movimento urgentemente”, concluem os autores em “Lição de tortura“.