O Plano Nacional de Vacinação das Comunidades Quilombolas, elaborado pelo Ministério da Saúde, é insuficiente para imunizar essas populações. De acordo com a Conaq (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), o problema está, principalmente, na falta de informações sobre os números de quilombos e residentes em todo o país.
A coordenação reconhece 6.333 comunidades no Brasil, somando mais de 16 milhões de pessoas. Já o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) contabiliza a existência de 5.972 localidades quilombolas, presentes em mais de 30% dos municípios brasileiros. O Plano Nacional de Vacinação, no entanto, contabiliza 1.133.106 quilombolas distribuídos em 1.278 municípios, em 25 estados e no Distrito Federal.
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Com base nisso, a Conaq estima que as doses distribuídas pelo governo federal são suficientes para pouco mais de 7% da população quilombola. Para o Ministério da Saúde, a primeira remessa de vacinas seria suficiente para imunizar 63% dos quilombolas.
O desencontro de informações oficiais é reconhecido pelo próprio governo, que solicitou em ofício aos coordenadores estaduais de imunizações o envio dos dados atualizados dos Povos e Comunidades Tradicionais Ribeirinhas e Quilombolas, por município, fonte e data de atualização, para que as estimativas apresentadas sejam revisadas.
Distribuição
Segundo a Conaq, a distribuição da vacina também é um entrave, pois está sendo feita da seguinte forma: o Ministério da Saúde envia uma quantidade determinada de doses para as secretarias estaduais, que distribuem para os seus municípios pertinentes. No entanto, de acordo com a coordenação, o que o Ministério deixou de fora do plano foram as diretrizes de distribuição, ou seja, o procedimento correto da distribuição. O impacto disso é a falta de padronização no processo de vacinação, pois cada município realiza de um jeito.
“Existem municípios que estão deslocando as equipes de saúde para os territórios quilombolas para realizar a imunização lá. Já outros municípios estão solicitando que os remanescentes se desloquem aos centros urbanos para que a imunização seja feita fora do território. Não tem um modus operandi, um padrão”, explica a assessoria da coordenação que representa os quilombolas.
Para a advogada Vercilene Dias, essa responsabilização não deveria ser das prefeituras municipais e não deveria prejudicar as ações de imunização dos remanescentes. “O governo é quem deve trazer esses dados para que o plano seja efetivado”, avalia.
A Conaq já iniciou um levantamento de dados por conta própria. O objetivo é enviar essas informações ao Ministério da Saúde o quanto antes.
Histórico
A publicação do Plano Nacional de Vacinação das Comunidades Quilombolas é uma das determinações do STF (Supremo Tribunal Federal) com base no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 742, protocolada pela Conaq e por partidos políticos. A ação exigia do governo federal medidas de enfrentamento à Covid-19 em territórios quilombolas.
A assessora jurídica do movimento Terra de Direitos, Maira Moreira, reforça que o quantitativo populacional previsto no plano faz com que as metas de imunização fiquem abaixo do exigido na ação protocolada ainda no ano passado. Maira destaca também a importância da vacinação respeitar a prevalência do critério de autodeclaração quilombola, conforme estabelecido na convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), e no decreto 4.887/2003.
“A fragilidade dos dados chama atenção para o desinvestimento que o governo federal fez no IBGE inviabilizando o Censo de 2021, que seria o primeiro a ter realmente informações mais detalhadas sobre a população quilombola. Enquanto não tivermos um quantitativo real, precisamos garantir que todos os quilombolas sejam vacinados, ou seja, que se privilegie metodologias inclusivas”, finaliza.