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“Há migração da violência letal do Sudeste para o Nordeste”, diz especialista

21 de julho de 2018

O alto índice de violência do Rio Grande do Norte (RN) contra negros faz parte de mudança da dinâmica da violência no Brasil, segundo especialista

Texto / Pedro Borges
Imagem / Marcelo Camargo / Agência Brasil

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Jacqueline Sinhoretto, professora de sociologia na UFSCar (Universidade Federal de São Carlos) e coordenadora do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos (GEVAC-UFSCar), foi entrevistada pelo Alma Preta para a compreensão das altas taxas de homicídio contra negros na região Nordeste do país, em especial no Rio Grande do Norte.

A pesquisadora acredita que há deslocamento dos índices de violência no Brasil, que migraram da região Sudeste para a Nordeste desde o início do século XXI. Para ela, as razões são diversas, passam pela rearticulação do crime organizado e para a construção de políticas públicas.

Jacqueline Sinhoretto enfatiza também como as políticas desenvolvidas para salvar a vida da juventude, faixa etária mais vulnerável à violência, têm conseguido resguardar a vida de jovens brancos e não as de negros. De acordo com a pesquisadora, a explicação para isso é o racismo institucional.

AP: Quais elementos justificam as altas taxas de homicídio contra negros na região Nordeste do país, em especial no Rio Grande do Norte?

JS: As altas taxas de homicídio contra negros no Nordeste têm sido uma tendência dos últimos anos da última década, pelo menos. Trata-se de migração da violência letal do Sudeste para o Nordeste.

As grandes cidades do país tiveram refluxo nas taxas de homicídio que foram resultador de uma enormidade de fatores, que incluem desde políticas públicas até a própria organização do mundo do crime.

No caso paulista isso é importante. Os sistemas de autorregulação dos grupos criminosos de redução da violência no território de São Paulo resultaram na queda dos homicídios.

Simultaneamente a essa queda que acontece no Sudeste, por outro lado, você passa a ter aumento dos homicídios nos estados nordestinos. Em Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte e Bahia há crescimento muito importante. Esses são estados onde a população negra é grande.

Mas no caso do Ceará e no Rio Grande do Norte, o que a gente tem é um movimento muito grande de grupos ligados ao tráfico de drogas. O PCC tenta ganhar determinados territórios e outros grupos organizados tentam resistir à imposição do PCC nesses territórios. Isso tem gerado tensões e guerras que têm sido importantes na dinâmica da produção de homicídios desses estados.

AP: Por que, dentro dessa dinâmica, a maior parte das vítimas é negra?

JS: Não tem algo necessariamente a ver com o racismo imediato. São pessoas que estão envolvidas com determinadas dinâmicas violentas, onde há maior participação de pessoas negras.

Não se trata de um homicídio distribuído igualmente entre a população negra desses estados, mas são homicídios que focalizam os jovens negros e, principalmente, os com baixa escolaridade e que residem em determinados territórios onde a violência se reproduz.

Nesses territórios não se reproduz só a violência com relação ao tráfico de drogas, mas também outras qualidades de dinâmicas violentas, vinganças de outra natureza, conflitos interpessoais e rivalidades que têm a ver com dinâmicas locais da juventude nesses territórios, que está muito presa a questões também locais e não só questões da dinâmica nacional de uma nova organização da criminalidade.

Esta população negra e jovem vive em condições de vida bastante precarizadas. Em geral, é uma população que tem acesso muito precarizado à escolarização.

Por isto, as redes do tráfico de drogas acabam sendo muito atrativas para essa população, porque é um grupo negro, jovem, fora do mercado de trabalho e que tem vínculo precário com a escolarização. O acesso ao tráfico de drogas significa uma oportunidade de renda de uma população que está excluída dos meios formais e tradicionais de participação social.

AP: Desde 2005, os dados racializados e gerais com relação às taxas de homicídio mostram uma crescente contínua, mesmo em governos tidos como progressistas. Quais fatores justificam essa crescente?

JS: É muito difícil responder, porque não existe uma política nacional de redução de homicídios. Ela foi articulada, mas não chegou a entrar em prática. A população que morre de homicídio é uma população que desperta pouca reação da sociedade mais organizada.

Então, aumenta-se a taxa de homicídios, não se produz crítica social mais ampla aos governos. O tema da segurança pública é muito espinhoso e que os governos não são muito cobrados por resultados nessas áreas. O governador não vai deixar de ser eleito porque levantou ou reduziu o homicídio.

Houve políticas públicas que tiveram resultados. Os resultados da redução de homicídio entre os jovens brancos, por exemplo, foram significativos, como em Pernambuco, Ceará e Alagoas.

Mas é curioso que essas iniciativas rebatem melhor e têm incidência mais verificável sobre a população branca – a taxa de homicídios nesse grupo diminui nesse período. Trata-se de uma questão mais complexa. É o racismo institucional, que está embrenhado nas políticas públicas como um todo. Está não só nas de segurança, que fazem de certa maneira os jovens brancos encontrarem alternativas, que de certa forma salvam e protegem a sua vida, e os jovens negros terem mais dificuldade de encontrar essa alternativa.

Isto só não tem a ver só com políticas de segurança pública, mas com escolarização, renda, mercado de trabalho, políticas de cultura e participação social, que são um conjunto de políticas que têm incidência sobre a prevenção da violência e a proteção da vida.

AP: A conjuntura nacional de avanço do conservadorismo e de maior visibilidade para políticos de direita podem influenciar na crescente desses números? Por quê?

JS: É muito difícil afirmar isso. Eu não tenho base empírica para responder essa pergunta, mas tenho impressão de que o raciocínio contrário é bastante verificável. Existe um discurso conservador na área de segurança pública, que se vale do medo do crime para propor soluções mirabolantes, mágicas e populistas. Esse discurso de capitalização eleitoral cresce em um momento no qual o medo do crime também cresce.

Eu não saberia te dizer se essas mortes são resultado de uma onda conservadora. Mas, da minha observação e das análises que a gente faz, essa onda conservadora nutre-se do medo do crime. E o medo é uma percepção subjetiva é um valor e sentimento. Então, o medo pode crescer, ainda que as taxas de incidência criminal se reduzam.

O medo pode crescer quando as taxas declinam, como é o caso da população paulista. Caem as taxas de homicídio, mas a população em geral não se sente mais segura, porque a população em geral não é o alvo da violência letal que atinge os jovens negros periféricos.

AP: Quais medidas poderiam ser tomadas pelo Estado para diminuir esses números?

JS: A avaliação que se tem hoje é que temos mais ou menos 110 municípios no Brasil, dos 5.700 que existem, que respondem a mais da metade das mortes violentas que acontecem. E nesses municípios onde existem muitos homicídios, possivelmente, são dois ou três bairros que são os mais problemáticos. O restante do município convive com taxas de violência bastante razoáveis.

Então, não estamos falando no Brasil todo, mas de uns 400 bairros onde a morte violenta tem ]incidência muito particular. De certa forma, desenvolver políticas que visem reduzir a violência nesses bairros seria uma forma muito importante de reduzir a taxa de homicídios.

Este foi o plano nacional desenvolvido ao longo de 2014 e que deveria ter sido entrado em vigência no governo da presidenta Dilma, em 2015, mas não entrou por conta da crise política.O plano estava baseado em ações integradas, de políticas sociais e políticas propriamente de violência, e essas ações acabaram não sendo implementada.

Estas são as políticas que têm dado certo: melhorar a investigação criminal e reduzir a violência policial, mas o fundamental seria articular ações de valorização da vida dos jovens nessas áreas onde o há alta incidência de homicídio.

Estamos falando de cultura, participação social, renda e tudo aquilo que pode dar um novo significado para estes jovens que estão confinados nesses territórios que são muito violentos.

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