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Incendiar a Floresta Amazônica é o mesmo que queimar os indígenas e quilombolas, afirma ativista

26 de agosto de 2019

As queimadas que ganharam repercussão internacional na última semana não só afetam a natureza, como também os grupos em situação de vulnerabilidade social do norte do país, caso de indígenas e quilombolas

Texto / Isabela Alves e Nataly Simões | Edição / Pedro Borges | Imagem / Daniel Beltra/Green Peace

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As queimadas que atingiram a Floresta Amazônica nos últimos dias alertaram o Brasil sobre um problema que a população do norte do país enfrenta há anos.

Os danos dos incêndios não se limitam a destruição da fauna e da flora de um dos ecossistemas responsáveis pelo equilíbrio do planeta terra. Os moradores da região amazônica sofrem com a poluição do ar, a perda de suas terras e o descaso das autoridades.

Em entrevista ao Alma Preta, a estudante de direito da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), Jussara Vasconcelos, uma das articuladoras do ato “Todos Pela Amazônia”, lembra que a maior parte da população negra e indígena não tem condições financeiras para tratar de forma adequada as doenças respiratórias causadas pelas queimadas.

“Imagina a saúde de quem está exposto a essa fumaça. Indígenas e quilombolas vivem na floresta e incendiá-la é o mesmo que colocar fogo na existência deles”, afirma.

De acordo com dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), de janeiro até o dia 18 de agosto, o número de queimadas no país aumentou 83% na comparação com o mesmo período de 2018.

A NASA, agência espacial norte-americana, chegou a publicar imagens captadas por satélites que mostram as chamas concentradas na região norte do país.

Jussara Vasconcelos conta que as queimadas são comuns na região nessa época do ano, conhecida como primavera amazônica. “Os agricultores aproveitam para colocar fogo porque é um período em que as chamas se espalham com mais facilidade”, explica.

Segundo ela, o problema é que neste ano o governo cortou o orçamento de programas de prevenção de incêndios florestais. “Como consequência, o fogo tomou proporções maiores. Não ocorriam incêndios com a mesma intensidade há cinco anos”, relata.

Confira a entrevista completa:

AP: Quais foram os principais impactos dos incêndios dos últimos dias na vida da população local?

Jussara: Quando falamos sobre as queimadas, temos que lembrar que seus efeitos não escolhem a cor das pessoas que serão atingidas. A diferença é que a maior parte da população negra e indígena não tem condições financeiras de tratar de forma adequada as doenças respiratórias.

São Paulo escureceu essa semana e de repente todo mundo soube da nossa situação, que não é nova. Imagina a saúde de quem está exposto a essa quantidade de fumaça por um período de mais ou menos dois meses todo ano. Nós temos indígenas e quilombolas que vivem na floresta e sair incendiando ela é o mesmo que colocar fogo na existência deles.

AP: O que estaria por trás de todo esse fogo? Isso já aconteceu antes com a mesma intensidade?

Jussara: Com essa intensidade é a primeira vez em cinco anos. Estamos no verão amazônico, então os agricultores aproveitam para colocar fogo porque ele se alastra com mais facilidade. A diferença é que neste ano tivemos diminuição no repasse de orçamentos de programas de prevenção a incêndios florestais e como consequência o fogo tomou proporções maiores.

AP: De qual forma a população pode se mobilizar contra os incêndios dos agricultores?

Jussara: Temos vários grupos de proteção ambiental formados pela sociedade civil e resolvemos unir forças quando percebemos que não tinham protestos marcados para essa situação em específico. Foi daí que surgiu o ato “Todos Pela Amazônia”. Inicialmente, a ideia era só protestar, mas agora já estamos montando um calendário com outros eventos de conscientização, distribuição de mudas, entre outras ações. E não temos o apoio de partidos políticos.

AP: O que a população em geral diz sobre os incêndios?

Jussara: As chamas não chegaram em Manaus com intensidade, então muita gente não entende a gravidade da situação. As pessoas pensam que é algo natural. São muitas informações desencontradas e a simples menção ao problema já é associada a uma crítica ao atual governo. O que não deixa de ser também, mas é bom lembrar que esse problema já existia quando estávamos em outros governos.

AP: Do seu ponto de vista, como o movimento negro pode ajudar nesta situação?

Jussara: Com divulgação sobre a nossa situação. Queremos ser lembrados e queremos que os protestos do movimento negro incluam nossos objetivos. Me preocupa nossa invisibilidade. Me sinto pequena quando penso em sair por aí plantando árvores por saber que o agronegócio sempre vai poder desmatar milhões de vezes mais.

Mas ao mesmo tempo me engrandece ver jovens como os do “Todos Pela Amazônia” se reunindo e abdicando do seu tempo diário em nome da causa. Nós estamos na Amazônia e nós somos parte da Amazônia. Se ela for destruída, a vida do jeito que a conhecemos também será.

AP: Você, enquanto pessoa preta e nortista, como se sente em relação a isso?

Jussara: Não tenho muitos amigos negros e as pautas raciais aqui em Manaus ainda são pouco discutidas. Tenho sempre a sensação de ter que explicar o básico do básico. Não sei se os outros negros daqui se sentem como eu, mas sinto que estou afogando sozinha.

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