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Incêndio e reintegração da Favela do Cimento expõe violência estatal e gentrificação da cidade

1 de abril de 2019

O incêndio e a posterior desocupação da Favela do Cimento se inserem nas discussões sobre a gentrificação e o consequente embranquecimento da cidade

Texto / Sheila Oliveira
Imagem / Prefeitura de São Pulo / Divulgação

“Para que tudo seja resolvido com segurança”. A frase encerra um aviso da Polícia Militar de São Paulo, que circulou nas redes sociais antes da reintegração de posse do terreno conhecido como Favela do Cimento, que fica próximo ao Viaduto Bresser, na Mooca, região sudeste da cidade.

O comunicado orientava os moradores sobre o que deveriam fazer no dia da ação de reintegração de posse que aconteceu em 24 de março. No entanto, na noite anterior, um incêndio consumiu a favela deixando uma pessoa morta e 215 famílias desabrigadas.

“Não é de hoje que o Estado tem usado a violência e a segurança para gerir a cidade”, aponta a jornalista Gisele Brito, pesquisadora do Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (LabCidade – USP).

Segundo a mestranda, a questão da segurança pública tem sido fortalecida na gestão das cidades nessa performance da polícia que chega, reprime manifestação e assusta as pessoas.

“Antes de chegar o atendimento social da Prefeitura, chega a polícia para remover e servir como ‘mediadora’ de conflitos. E esse fortalecimento da violência estatal como negociadora das relações das cidades está ficando cada vez mais forte”, salienta.

Gentrificação e embranquecimento da cidade

O gerenciamento da cidade a partir da lógica policial detectado pela pesquisadora tem um viés racista, pois os corpos que são mais atingidos pelo rigor da lei são os negros. Mas além da segurança pública, o incêndio e a posterior desocupação da Favela do Cimento se inserem nas discussões sobre a gentrificação e o consequente embranquecimento da cidade.

“O incêndio tem sido uma ferramenta muito eficaz, dolorosa e mortal de remoção desses corpos negros, pobres e favelados de áreas valorizadas. A gente sabe pouco sobre o que acontece com as investigações e os responsáveis. O Estado sempre produz uma narrativa de que a culpa é da própria pessoa que morava na área destruída”, informa.

No entanto, é a ação estatal que tem contribuído para que a população de baixa renda tenha que morar em locais precários, fugindo do preço do aluguel que aumenta de maneira absurda e de forma incompatível com a renda das famílias. E o que comumente tem ocasionado essa subida nos valores dos imóveis é a combinação entre investimentos públicos e especulação imobiliária.

Dessa forma, o povo pobre não vê outra opção que não seja pular de favela em favela, de remoção em remoção. “Não existe política pública de reassentamento, de atendimento habitacional adequado. Quando muito a Prefeitura dá uma bolsa para a família com um valor insuficiente para pagar aluguel em uma área segura e com infraestrutura. Daí ela vai para outra ocupação ou área de risco”, detalha a jornalista.

Soma-se a isso o fato de que o poder público não tem demonstrado intenção de construir moradias de interesse social em áreas centrais, mais valorizadas a partir do investimento do próprio estado em metrôs, rede elétrica, saneamento básico, pavimentação, parques, centros culturais, entre outros.

“Os lugares escolhidos para serem gentrificados ou enobrecidos são espaços bem localizados e estruturados, mas que estão abandonados e são ocupados por essa parcela da população que não tem condições de pagar aluguéis cada vez mais caros. Essa população então é removida, muitas vezes, com o uso da violência para dar lugar ao público mais endinheirado”, relata.

Gisele Brito ressalta que para que os ricos possam usufruir dos espaços com melhor localização e infraestrutura, o Estado passa por cima, literalmente, dos ‘corpos matáveis’. “Dificilmente para se construir um metrô pessoas com recursos financeiros serão desapropriadas”, exemplifica.

E no Brasil, ser um corpo matável está ligado à questão negra, além da sócio-econômica. “Têm vários indícios também de que a desocupação é usada como instrumento estatal para sabotar as reuniões e associação das pessoas pretas e pobres, impedindo um fortalecimento político e arruinando qualquer forma de resistência”, pontua.

Investigação

A Promotoria de Justiça de Habitação e Urbanismo instaurou um inquérito civil para apurar os desdobramentos do incêndio na Favela do Cimento. O procedimento vai verificar o atendimento prestado às famílias removidas da ocupação, “particularmente aquelas que tiveram seus pertences atingidos pelo incêndio ocorrido no local na véspera do cumprimento do mandado de reintegração de posse expedido”.

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