Lideranças indígenas de todas as regiões do Pará entregaram uma carta ao governador do estado, Helder Barbalho (MDB), pedindo apoio para participar da Conferência das Partes (COP) 30. O evento vai acontecer em Belém (PA) em novembro deste ano.
No documento, eles pedem que o governo providencie alimentação, logística e hospedagem para os povos indígenas na cidade.
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A entrega da carta aconteceu na quarta-feira (16), último dia da Semana dos Povos Indígenas – Aldeando a COP 30.
Barbalho recebeu o documento e disse que apoiará a participação indígena na conferência.
O evento, organizado pela Secretaria de Estado de Povos Indígenas do Pará, ocorreu no Hangar – Centro de Convenções & Feiras da Amazônia entre 14 a 16 de abril, e mobilizou cerca de 400 indígenas. De acordo com Censo 2022 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Pará tem cerca de 80,9 mil indígenas.
Além do governador do Pará, outras autoridades presentes também receberam reivindicações dos indígenas. Entre elas, estão a ministra dos Povos Indígenas (MPI), Sonia Guajajara, e a presidente da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), Joenia Wapichana.
A importância da presença indígena na COP 30
O texto afirma que a medida é fundamental para garantir a participação indígena na COP 30, considerada um dos eventos ambientais mais importantes do planeta, e “promover um diálogo mais inclusivo e representativo”.
“Essas medidas são fundamentais para assegurar que nós possamos participar plenamente das atividades da conferência, sem preocupação logística que possam comprometer nossa presença”, destaca o documento.
A carta ainda reforça o papel desempenhado pelos povos indígenas na preservação do meio ambiente e na luta contra as mudanças climáticas. “Nossa presença na COP 30 é essencial para garantir que nossas vozes e conhecimentos sejam ouvidos nas discussões que moldarão o futuro do nosso planeta”.
Em resposta, Barbalho disse que o estado se esforçará para garantir a participação ativa dos indígenas do Pará nos debates da conferência. De acordo com ele, a expectativa é que cerca de 4 mil indígenas participem da COP 30, sendo 800 deles do Pará.
”Aqueles [indígenas] que vierem para cá, que estejam vinculados às etnias paraenses, nós vamos dar todo o suporte para que possam ser bem recebidos, bem acolhidos, para que nós tenhamos uma ampla participação na COP 30”, disse o governador.

UFPA será a ‘casa dos povos indígenas’ na COP
Ainda no evento da Semana dos Povos Indígenas, Helder anunciou, em primeira mão, que a Universidade Federal do Pará (UFPA) deve ser a “casa dos povos indígenas do Brasil e do mundo” durante a COP 30.
Helder também afirmou que o Governo do Estado vai regulamentar a política de educação indígena no Pará. A promessa vem após uma mobilização histórica dos indígenas, que ocuparam a sede da Secretaria de Estado de Educação do Pará por 30 dias no início deste ano.
“Nós estamos no momento das escutas aos territórios para que, com isto, possamos ter o melhor conteúdo, democraticamente consolidado”.
O governador ainda anunciou que pretende formar brigadas com indígenas das oito etnorregiões do estado para combater as queimadas na Amazônia.
Cartas à ministra e à Funai
A garantia e o aumento da participação indígena na COP 30 também estavam na carta à ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara.
No documento, os indígenas ainda pediram serviços de traduções de línguas estrangeiras e de línguas indígenas durante a conferência.
Já na carta à presidente da Funai, os indígenas pediram o fortalecimento da Coordenação Regional de Belém da fundação.
“Que a Funai reforce seu compromisso com a Coordenação Regional de Belém, assegurando os recursos e a estrutura necessária para que ela continue a desempenhar suas funções de maneira eficaz”, pede o documento à Joenia Wapichana.
Orientação à participação indígena
A participação das autoridades na Semana dos Povos Indígenas de Belém ocorreu durante o lançamento do projeto “Ciclo COParente”, iniciativa do Ministério dos Povos Indígenas para orientar a participação indígena na Conferência do Clima.
De acordo com a ministra, o ciclo prevê cerca de 15 encontros com indígenas em todo o país para explicar como eles poderão incidir no evento de forma direta. O objetivo é discutir o que é a COP, como participar, quais os temas debatidos e quais as decisões que serão tomadas.
A ministra também anunciou que, pela primeira vez na história do evento, a COP terá um “Círculo dos Povos”. Segundo Guajajara, será um espaço de participação e protagonismo direto dos povos indígenas. A iniciativa inédita foi proposta pelo governo brasileiro e pelo presidente da COP 30, André Corrêa do Lago.
“Dentro do ‘Círculo dos Povos’ teremos uma comissão internacional que vai congregar todo o movimento indígena organizado a nível global, assim como teremos também os povos indígenas com participação direta na política global por meio dessa comissão”.
Sonia encerrou sua fala destacando que também é preciso pensar no legado que a COP deixará para os povos indígenas.
“O que vamos fazer depois da COP é o que interessa a nós, que é o avanço aos direitos territoriais. (…) O avanço com esse reconhecimento de que os povos indígenas podem agora fazer o acesso direto aos financiamentos”.
Debates da COP 30 não estão chegando aos indígenas
Maura Arapiun, liderança indígena da região do Baixo Tapajós, afirma que o objetivo das cartas é solicitar a participação de todos os povos indígenas nas discussões da COP.
“Essa carta foi pensada justamente na participação coletiva dos povos indígenas, principalmente da Amazônia, que é a região onde vai acontecer a COP. E não tem como realizar uma COP sem a nossa presença, os principais defensores da Amazônia. Somos as pessoas que estão, de fato, na luta contra a mudança climática”.
Outra liderança que participou da entrega das cartas foi Sheyla Juruna, da aldeia Boa Vista, do município de Vitória do Xingu. Ela avalia que os debates sobre a COP precisam ser ampliados urgentemente, pois muitas comunidades não estão tendo acesso às discussões.
“Está havendo debate? Está. Só que muitas comunidades não estão tendo acesso. Eu tenho plena consciência que esse debate deve ser mais amplo, deve haver um momento específico para essas discussões. Até para as pessoas saberem do que se trata o tema”, diz.
Pressão por demarcação de terras indígenas
Liderança da região afetada pela usina hidrelétrica de Belo Monte, Sheyla afirma que os indígenas devem levar à COP 30 o pedido de demarcação das terras no Xingu. Para ela, essa questão é uma das causas dos conflitos locais.

“Nós, da região do Médio Xingu, que sofremos com o impacto de Belo Monte, as invasões territoriais e destruição de florestas por queimadas, pedimos providências. E a única coisa que pode resolver os conflitos territoriais é a demarcação e a punição severa para quem desmata e invade territórios indígenas”, defende.
Sheyla também reflete sobre os danos ambientais causados pela Usina de Belo Monte, a segunda maior do país em potência instalada, inaugurada em 2016.
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O empreendimento enfrentou resistência dos indígenas, que denunciavam os riscos de impactos sobre seus territórios. Hoje, a usina gera menos de 3% da energia projetada em razão do baixo nível do Rio Xingu.
“Belo Monte não gera a energia que previu e nós avisamos. Só desmatou a floresta e destruiu o Rio Xingu. Hoje, sofremos com a escassez de peixe, a péssima qualidade de água, além da seca do rio. E a água, para nós, é tudo. Nós, Juruna, somos os ‘donos do rio’, o ‘povo do rio’, pois vivemos à beira dos rios. Então, sem água, o que será de nós?”, indaga Sheyla.
Para a liderança, o cenário no Xingu é um reflexo dos empreendimentos, que, por trás de um discurso de progresso, destroem a Amazônia e os povos tradicionais.
“Para nós, a discussão da COP tem a ver com essa questão das mudanças climáticas. A natureza está revoltada e tudo que estamos sofrendo hoje é reflexo da ação do homem. Nossa participação não é apenas para deixar o nosso recado, mas para mostrar que, sem os povos indígenas, o outro mundo não é possível”, finaliza.