Circunstâncias em que a prisão ocorreu geram dúvidas sobre a ação da polícia; familiares apontam racismo
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Acervo pessoal
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Um jovem negro de 23 anos está preso na cidade de São Paulo acusado de participação em um assalto a um motorista de aplicativo e sua passageira. A família de Ailton da Silva afirma que ele é inocente e que a prisão foi motivada por racismo. Os familiares têm provas que expõem fragilidades nos dados informados no boletim de ocorrência.
“Meu irmão não fez nada. Não estava no local do crime, não tinha nada roubado com ele. Foi abordado e preso por ser negro e isso não é crime”, disse a atendente Angela da Silva, de 24 anos, irmã de Ailton.
De acordo com o boletim de ocorrência, uma mulher estava entrando no carro que tinha solicitado por aplicativo quando apareceram cinco homens de capacetes em três motos e anunciaram o assalto. Um dos ladrões ameaçou as vítimas enquanto um outro entrou no banco de trás para pegar o dinheiro e os celulares. Esse homem bateu na mulher e levou o celular do motorista.
Como o celular ainda estava com o aplicativo de transporte ativo, a Polícia Militar rastreou o aparelho até uma avenida na região do Capão Redondo, periferia da Zona Sul. Os PMs disseram que viram duas motos suspeitas e fizeram a abordagem. Um motociclista fugiu.
Ailton da Silva e um amigo estavam em uma moto na mesma região e foram levados para a delegacia. Segundo o boletim de ocorrência, as vítimas afirmaram “ausente de qualquer dúvida. A despeito de estarem usando capacete”, que os dois jovens faziam parte da quadrilha. Segundo o reconhecimento pelo “porte físico”, Ailton foi o assaltante que entrou no banco de trás e bateu na mulher.
O documento registrado pela Polícia Militar justifica a prisão em flagrante pelo reconhecimento das roupas e pelo “porte físico inconfundível” dos suspeitos. Ailton é negro e tem altura e peso médios. “Meu irmão tem o mesmo porte físico de centenas de rapazes do bairro”, diz Angela.
O reconhecimento pelas roupas e pelo porte físico lembra o caso da modelo negra Bárbara Querino, conhecida como Babiy, presa em janeiro de 2018 acusada de assalto após ser reconhecida pelos cabelos cacheados. Bárbara ficou encarcerada por um ano e meio e em maio de 2020 foi inocentada por falta de provas.
“O que aconteceu com o Ailton é muito parecido com o caso da Bárbara. Ele escancara a atividade policial no Brasil. Essa atividade se resume a pegar jovens negros e pobres na rua, levar para a delegacia e dizer “achamos esse aqui. É ele?”. E daí o que a vítima fala, naquele momento de desespero, sufoco, envolvida em uma situação que ela não esperava, é tido como verdade absoluta para trancafiar uma pessoa”, explica o advogado Flávio Campos, que defendeu a modelo.
Campos comenta que o reconhecimento de Ailton pelo porte físico e roupas, nas circunstâncias do crime, não pode ser a única base de sustentação para a prisão. “O que aconteceu foi um arrastão, eram três motos e cinco suspeitos. As vítimas não descreveram a roupa de cada um e não descreveram as características das motos. Só daqueles que a polícia pegou. Isso mostra que a investigação foi tendenciosa”, considera.
O crime
Segundo testemunhas, o assalto aconteceu por volta das 23h30 da segunda-feira, 25 de maio. Os PMs que prenderam os rapazes disseram que a perseguição e a abordagem também começou às 23h30.
Por volta das 23h14, Ailton e o amigo estavam na frente da casa deles e decidiram ir até um estabelecimento em outro bairro para comprar cigarros. De acordo com familiares, os dois seguiram em direção contrária à rua onde aconteceu o assalto.
“A polícia diz que estava rastreando o celular, mas depois que abordaram o meu irmão não rastrearam mais. Simplesmente levaram ele para averiguação sem nem explicar a acusação. Além disso, a moto do assalto era escura e a moto deles é vermelha. O capacete do ladrão era preto e o meu irmão estava usando um capacete branco. Ele foi preso sem estar com o produto do assalto, sem ter nem ido no local do assalto”, conta Angela.
Ailton trabalha com carretos de entulho em bairros da zona Sul de São Paulo, onde mora com a mãe idosa e que precisa de cuidados diários por ter sofrido um derrame cerebral.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que o boletim de ocorrência é um “resumo dos fatos”, que houve reconhecimento das roupas e que documentos e depoimentos sobre o caso serão incluídos no inquérito encaminhado à Justiça. A pasta não comentou a denúncia de racismo na abordagem e prisão dos dois jovens.
O pedido de prisão temporária para crimes comuns é de cinco dias e pode ser prorrogado por mais cinco. Em casos de crimes hediondos, contra a vida, pode ser de até 30 dias. Os dois jovens devem ficar no Centro de Detenção Provisória do Belém, na Zona Leste, até pelo menos o dia 10 de junho.