A juíza Eva Lobo Chaib Dias Jorge, da 12ª vara criminal do Fórum da Barra Funda, em São Paulo, condenou a sete anos e três meses de prisão, em regime fechado e sem possibilidade de esperar recurso em liberdade, o jovem negro Ailton Vieira da Silva, de 24 anos, e um amigo dele, por roubo. O rapaz está preso desde maio de 2020 e foi reconhecido apenas pelo porte físico e pelas roupas.
O jovem e a família contam que os policiais tiraram fotos dos dois amigos, o que influenciou no reconhecimento. Além disso, as duas vítimas, uma moça e um motorista de aplicativo, disseram no inquérito e no julgamento que não viram o rosto do assaltante.
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O crime aconteceu no bairro do Capão Redondo, na periferia da Zona Sul da capital paulista. Uma moça pediu um Uber e quando ia entrar no carro cinco homens em motos cercaram o veículo, levaram um celular e R$ 120.
Ailton, que é catador de material reciclável, e o amigo, haviam saído de casa para comprar cigarro em uma adega e foram abordados em uma rua distante do local do crime.
No julgamento, que aconteceu no dia 25 de março, a juíza desconsiderou todas as dúvidas e irregularidades apresentadas pela defesa do jovem em relação ao modo como foi feita a abordagem e a prisão.
“A forma como os reconhecimentos foram realizadas durante o inquérito penal em nada abalam a retidão do transcorrer da instrução processual, não se encontrando na hipótese qualquer vício ou regularidade insanável capaz de macular todo a ação penal”, escreveu a Eva Jorge na sentença.
Em outro trecho, a magistrada destacou que o depoimento do policial militar, que não presenciou o assalto, teve peso na decisão. “A dúvida esboçada por aquela quando do reconhecimento judicial não foi suficiente a fragilizar o caminho da condenação, até porque os acusados foram firmemente reconhecidos pelo policial militar que participou da prisão dos Réus”, escreveu.
‘Parece um julgamento com ódio dos réus’
Para o advogado Ariel de Castro Alves, especialista em Direitos Humanos e Segurança Pública pela PUC-SP, os jovens negros acusados do roubo, sem que fossem apresentadas provas, foram vítimas de preconceito. “Parece um julgamento com ódio dos réus. Perdendo sua imparcialidade, requisito fundamental para um julgamento justo, e trata os acusados com presunção de culpa e não de inocência, como prevê a Constituição”, explica.
Ainda na sentença de condenação de Ailton, a juíza faz apontamentos sobre o caráter e a moral dos dois jovens. Ela também cita que tinha um suspeito menor de idade envolvido no crime, afirmação que não pode ser comprovada, pois nenhum outro suspeito foi preso ou identificado.
“Demonstraram os réus periculosidade, insensibilidade moral e desvirtuamento de caráter, também quando associaram-se a um menor de idade, aguardando o momento propício de agir, destarte valendo-se das fragilidades oriundas da organização social e da boa-fé que norteia as pessoas de bem”, escreveu a juíza.
Ailton quer escrever livro sobre a própria história
A autônoma Angela Vieira, irmã do Ailton, conta que o rapaz tem planos de escrever um livro contando sua história e o racismo que o colocou na prisão. “Nós nunca vamos desistir de provar a inocência dele”, diz a irmã.
O advogado Ariel, membro do Grupo Tortura Nunca Mais, lembra que nas periferias as prisões feitas por policiais militares, em muitos casos, tém a cor da pele como fator que define o futuro dos suspeitos.
“Quando os acusados são jovens pobres e negros é uma praxe dos PMs induzirem e constrangerem vítimas e testemunhas a reconhecerem os abordados pelos policiais próximos ao local do crime. Tiram fotos no meio da rua e mostram pra vítima já afirmando ‘foi ele!’. Depois na delegacia apenas homologam o reconhecimento”, detalha.
O reconhecimento dos suspeitos deve seguir as regras do Código de Processo Penal, que prevê um reconhecimento presencial e apresentação dos suspeitos juntos com outras pessoas de caracteristicas semelhantes.