A juíza Elizabeth Louro, da 2ª Vara Criminal, aceitou a denúncia contra dois policiais civis, Douglas Siqueira e Anderson Pereira, que são acusados pelo envolvimento no homicídio de Omar Pereira da Silva (21), morto na operação mais letal da capital fluminense, a chacina de Jacarezinho, em maio deste ano.
“Trata-se de fato de grande repercussão, amplamente divulgado por toda a mídia nacional e internacional, sendo reputada como a mais trágica operação policial do Estado do Rio de Janeiro, pelo que tenho que se justificam as medidas cautelares ora pleiteadas pelo órgão ministerial”, declara a juíza.
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A magistrada determinou que a Polícia Civil interrompa as investigações sobre o caso e envie todos os documentos para a justiça. Ela proibiu também que os agentes atuem em seus cargos, como também tenham contato com pessoas que morem na comunidade. Caso considere haver indícios suficientes, os dois policiais serão julgados pelo Tribunal do Júri.
A decisão foi tomada dois dias após o Ministério Público do Rio de Janeiro oferecer a primeira denúncia no caso da chacina de Jacarezinho, quando agentes da polícia articularam uma operação policial que culminou em 28 mortes. O MP acusou Douglas Siqueira por homicídio doloso e fraude processual e Anderson Pereira, pelo segundo crime.
Investigação
A denúncia relata que Omar foi executado pelo agente Douglas Siqueira no interior de uma casa na Travessa São Manuel, no Jacarezinho. De acordo com os promotores, quando foi morta, a vítima estava encurralada em um dormitório infantil, desarmada e já baleada no pé.
De acordo com moradores, Omar teria invadido o local para se esconder quando os agentes foram atrás dele. O jovem havia sido indiciado por roubo e estava em liberdade provisória desde março de 2019. E, como a maioria das vítimas da chacina de Jacarezinho, era negro.
Logo após o ocorrido, a Defensoria Pública foi à comunidade. Durante a sua passagem, visitou a residência na qual Omar foi assassinado. De acordo com a declaração do morador à defensoria, Omar não estava armado, mas baleado no dedão do pé. Foi quando os policiais invadiram a casa e mandaram o morador com a filha de nove anos saírem do local. “Quando eu fui sair com a minha filha e estava na sala, eles executaram o rapaz”, relatou.
Depois disso, retiraram o corpo da casa antes da chegada da perícia. Já na delegacia, apresentaram uma pistola e um carregador atribuídos falsamente ao homem, alega o Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), que denunciou os dois agentes. A peça de acusação diz que um dos policiais fez o disparo e o outro agente denunciado retirou o cadáver do local. De acordo com os promotores, a dupla também plantou uma granada no local do crime.
De acordo com promotor André Cardoso, coordenador da força tarefa, a investigação apontou que o rapaz não tinha condições de oferecer resistência como descrito pelos policiais após homicídio. “O Omar estava em uma condição que não tinha a menor capacidade de entrar em confronto com ninguém. Estava com o pé destruído”, disse.
De acordo com a nota do órgão: “Com tais condutas, os denunciados (…), no exercício de suas funções públicas e abusando do poder que lhes foi conferido, alteraram o estado de lugar no curso de diligência policial e produziram prova por meio manifestamente ilícito, com o fim de eximir (…) de responsabilidade pelo homicídio ora imputado ao forjar cenário de exclusão de ilicitude”.
A denúncia, feita junto ao 2º Tribunal do Júri da Capital, é decorrente da investigação instaurada pela 1ª Promotoria de Justiça de Investigação Penal Especializada da Capital, que contou com o auxílio da força-tarefa montada pelo MP fluminense, responsável por apurar as mortes e demais crimes ocorridos na operação de Jacarezinho.
O advogado Gabriel Habib, que defende os policiais, afirmou em nota: “será comprovado no curso do processo que a morte de Omar foi decorrente de anterior intensa troca de tiros entre policiais de um lado e os traficantes armados com pistolas, fuzis e granadas”.
Operações policiais
A assessoria do MPRJ aponta que essa é a primeira denúncia oferecida contra agentes de segurança em decorrência de ação policial, após decisão do ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Edson Fachin, que proibia a realização de operações policiais em comunidades durante a pandemia, salvo em casos excepcionais e com comunicação imediata ao Ministério Público.
No caso da chacina de Jacarezinho, a Polícia Civil informou em nota à imprensa que a operação denominada ‘Exceptis’, que contou com 294 policiais, incluindo agentes da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core) aconteceu pela manhã e que o Ministério Público foi notificado. Entretanto, o MPRJ declarou em uma nota divulgada na ocasião que ficou sabendo da operação três horas após o início da ação. A defensoria pública e outras entidades de direitos humanos enfatizaram que houve descumprimento da decisão do STF.
Na época, moradores de Jacarezinho e também a imprensa registraram imagens dos policiais carregando corpos sem nenhum tipo de preservação dos locais onde a troca de tiros aconteceu. Segundo a corporação, as vítimas foram transportadas para hospitais porque ainda estariam com vida. Segundo laudos da polícia científica, a não preservação dos espaços dificultou a coleta de vestígios. O mesmo laudo comprova que houve arrastamento dos corpos em algumas casas, como na que Omar foi morto.
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A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) para solicitar um posicionamento sobre a denúncia e andamento da investigação sobre as outras vítimas. Em nota, o órgão afirma que: “A Secretaria de Estado de Polícia Civil (Sepol) informa que todas as decisões judiciais são cumpridas. Assim que for notificada, a instituição atenderá o que for determinado”.