A falta de advogados negros e engajados no Rio de Janeiro e o racismo estrutural são alguns agravantes que têm mantido André Luiz Gomes preso desde março, segundo ele. Em seu processo de acusação de roubo de carga dos Correios, que corre desde 2019, a família já contratou sete juristas para provar sua inocência, sendo apenas um da defensoria pública. Os familiares gastaram R$ 51.500 e nenhum dos advogados conseguiu a liberdade definitiva.
No Rio, apenas 14% dos advogados públicos são negros, de acordo com dados da ConJur. André Luiz não teve nenhum representante negro do direito para defendê-lo, até o momento. Com muitas demissões, problemas com os juristas contratados e a demora da Justiça, o rapaz se diz desanimado, mas disposto a provar que quem aparece no vídeo da câmera de segurança não é ele. Dos sete advogados que André teve até agora, nenhum anexou essa prova ao processo, como noticiou a Alma Preta Jornalismo.
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“Nenhum deles [advogados] foram presentes, e isso pode ter complicado as coisas para mim. Tudo que eu mais quero é provar que não tenho nada a ver com esse crime, e me ver livre das grades”, desabafa André, que está solto temporariamente até a próxima quinta-feira (14). Esses dias em casa são frutos de um benefício chamado Visita Periódica Familiar (VPF). Ao fim do período, André voltará para a prisão.
A mãe, dona Elizete Gomes, relata que os advogados nada fizeram por seu filho. Segundo ela, os nomes de alguns defensores sequer constavam nos processos. “Foi uma sacanagem que fizeram com a gente. Meu marido fez empréstimo, vai ficar anos pagando, para eles [advogados] não resolverem nada. Eu fico revoltada com isso”, se indigna dona Elizete.
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“Só negro é confundido”
Durante essa semana que André Luiz esteve em casa, o rapaz tratou de procurar um emprego fixo, o que pode servir para que ele evolua de regime semiaberto para aberto. Caso a justiça não aceite a Declaração de Disponibilidade de Vaga, a próxima saída do detento será apenas no Natal.
“Eu não vou me matar ou desistir de vez por conta da minha família, do meu filho. Mas vou te dizer uma coisa, ficar preso inocente é algo que não desejo para meu pior inimigo. O engraçado é que só negro é confundido. Lá dentro [da prisão] tem vários assim como eu, negros, que estão lá inocentes. É muito difícil”, lamenta o rapaz, há poucos dias de retornar ao Instituto Penal Benjamin de Moraes Filho – SEAPBM Bangu.
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André diz ainda que o que a justiça tem utilizado como prova para mantê-lo preso é uma fotografia de 2014, ao lado de um dos assaltantes da quadrilha envolvida no roubo de carga. Como todos foram criados juntos na mesma região do Rio, André disse que conhecia um dos rapazes, chamado Wendel Américo Brasil, mas que imaginou que ele o inocentaria durante o reconhecimento. No entanto, segundo a vítima, isso não aconteceu.
“Eu conhecia um deles, mas não significa que eu tenha envolvimento. Eu achei que na hora do depoimento ele [Wendel] falaria que eu não sou o Victor Felizardo, que era o chefe da quadrilha parece, mas ele não falou. Se os caras foram para esse lado do crime, eu não fui, eu gosto de futebol, de esporte. Tanto que o problema que deu na minha tornozeleira foi por pancada de bola, não por violação”, explica.
“A justiça usar uma foto de 2014 para me acusar não está certo. Eles têm acesso a tudo, meu telefone, chamadas, localização, vídeo da câmera de segurança. É só puxar para ver onde eu estava no dia do assalto, ou se eu tive alguma conversa com alguém falando sobre o crime. Não vão encontrar nada porque não tem nada. Eu não fiz isso, até a viúva do Victor disse que eu não tinha feito, que não sou eu quem aparece no vídeo”, completa André Luiz.
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Esperança
André Luiz espera que com a declaração de emprego seja possível permanecer em casa enquanto o processo corre. Além disso, o rapaz, que conseguiu a vaga de ajudante em uma empresa, acredita que se sua história chegar até artistas ou emissoras de televisão, sua inocência poderá ser definitivamente provada.
“Eu queria muito que algum famoso pudesse me ajudar a contar a minha história. Sei lá, se algum nome grande, como o Mano Brown, a Jojo Toddynho, o Adriano Imperador, ou artistas do rap divulgassem o vídeo da câmera de segurança, eu poderia ser inocentado. É bom poder responder em liberdade, mas será melhor ainda se eu não tiver que responder mais por algo que não fiz”, declara.
À Alma Preta, dona Elizete afirma que só quer que essa fase passe de uma vez por todas para que ela tenha seu filho perto de si em segurança. Semanalmente, a mãe de André leva alimentos, dinheiro e remédios para o filho na cadeia. “Tudo que eu peço a Deus é que a justiça veja que o meu filho não tem nada a ver com isso. Estamos há meses nessa batalha, pagando advogado, sofrendo. Só quero vê-lo livre”, finaliza.
Relembre o caso
André Luiz de Oliveira Gomes, de 27 anos, foi preso no começo de março acusado de participar da formação de uma quadrilha envolvida em 50 roubos de carga dos Correios, na Zona Oeste do Rio de Janeiro.
A família afirma se tratar de um engano e desde então tenta provar a inocência de André por meio da divulgação de fotos comparativas entre ele e o homem que dizem ser o verdadeiro autor do crime, chamado Victor Felizardo, falecido em 2019 em decorrência de uma trombose. No mesmo ano da morte de Victor, a quadrilha foi detida.
À Alma Preta Jornalismo, a viúva de Victor afirmou que quem aparece nas imagens da câmera de segurança, que mostram cenas do assalto, não é André, e sim seu antigo companheiro. Para familiares e amigos de André, a prisão foi motivada por racismo, visto que o rapaz é um homem negro que foi confundido com outro homem negro.