Levantamento mostra que brasileiros reconhecem que cor da pele faz diferença no tratamento da polícia; em live, secretário-executivo da Polícia Militar do Estado de São Paulo disse que “abordagem decorre de atitude suspeita e não da cor”
Texto: Guilherme Soares Dias | Edição: Nataly Simões | Imagem: Rovena Rosa/Fotos Públicas
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Um levantamento do Instituto Locomotiva em parceria com a Central Única das Favelas mostra que a população brasileira reconhece que a cor da pele de uma pessoa faz diferença no tratamento que ela receberá da polícia e em suas chances de estudar e trabalhar. A pesquisa foi realizada em junho de 2020 e entrevistou 1.459 pessoas em todos os estados do país, além de colher respostas de outras 1.652 pela internet.
Quando questionados quem teria mais chances de ser abordado de forma violenta pela polícia, 94% dos entrevistados responderam que seriam as pessoas negras e apenas 6% disseram que seriam as pessoas brancas. Na outra ponta, os brancos teriam mais chances de conseguir um emprego (91%), contra 9% das pessoas negras, e de fazer faculdade (85%), ante 15% das pessoas negras.
A pesquisa mostra que 56% dos brasileiros se declaram negros (pretos ou pardos), somando 118,9 milhões de pessoas. Entre os negros, 48% vivem no Norte (12%) e Nordeste (36%) do país. Os brasileiros negros pertencem em sua maioria às classes mais pobres e vulneráveis, sendo 74% das classes D e E, 60% da classe C e 37% das classes A e B.
O webinário Fórum Data Favela realizado na quarta-feira (8) reuniu especialistas, autoridades e os responsáveis pelo estudo para debater o tema em transmissão ao vivo pelo canal do YouTube da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Renato Meirelles, presidente do Instituto Lomotiva, afirmou que a comoção sentida no Brasil com o assassinato do soldado negro George Floyd por um policial branco nos Estados Unidos é resultado da verossimilhança de casos similares que já ocorreram no Brasil.
“Jovens negros de periferia sofrem mais que jovens brancos de periferia. Os homens negros de baixa renda sofrem mais que homens brancos de baixa renda. Isso faz com que as pessoas negras tenham mais medo da polícia. É um problema estrutural”, pontou.
Meirelles ressaltou que a pretensão do estudo não é estigmatizar a polícia, mas mudar a percepção que a população brasileira tem da instituição. “Ao mesmo tempo em que o Estado assume que há racismo histórico, não age contra isso. Negar esse racismo é algo que dificulta mudar a realidade. Após assumir, é preciso agir”, apontou.
A cientista social Silvia Ramos, do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Candido Mendes, disse que a pesquisa mostra que a população negra tem medo da polícia, justificado pela escalada da violência policial.
“Quem mora na periferia sente que a polícia está preparada para identificá-llo como criminoso ou bandido. Durante a pandemia, em abril, a polícia matou 43% a mais em operações policiais do que no ano passado”, destacou.
Silvia citou ainda dados de um monitoramento de 7 mil operações policiais em um ano nos estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará, Bahia e Pernambuco, que resultaram em 984 mortos e 712 feridos, incluindo 27 crianças e adolescentes.
“As mortes são contabilizadas, esse é o ápice das violências policiais, mas tem inúmeras outras violências que não são contadas. As polícias não conseguem mudar e as pessoas não confiam que queixas ou críticas serão apuradas. A polícia precisa reconhecer e tem que se propor a mudar”, explicou.
Coronel da Polícia Militar de São Paulo nega racismo na corporação
Durante a participação no Fórum Data Favela, o secretário-executivo da Polícia Militar do Estado de São Paulo, coronel Alvaro Camilo, afirmou que há preocupação da polícia com os direitos humanos. “Tratamos as pessoas como gostaríamos de ser tratados”, afirmou.
Camilo acrescentou que os incidentes com a polícia são pontuais e citou números que mostram que há 112 mil policiais no Estado, que realizam 80 mil abordagens por dia e recebem 80 mil ligações. “Temos educação continuada muito forte. O racismo é estrutural e a polícia faz parte da sociedade, mas não há orientação de abordar pessoas negras e pobres”, considerou.
O coronel reconheceu que o jovem da periferia é mais abordado. “Por estar em regiões que há mais ocorrências, mas não é o negro especificamente”, afirmou. De acordo com Camilo, “abordagem decorre de atitude suspeita e não da cor”.
Entre as ações para combater o racismo, o secretário-executivo da PM em SP citou a distribuição do livro “O Pequeno Manual Antirracista”, da filósofa Djamila Ribeiro, mas fez uma ressalva que será “estudado com espírito crítico”.
O coronel afirmou ainda que dentro da Polícia Militar não há diferenciação entre brancos e negros, que os policiais negros ganham o mesmo que os brancos e têm a possibilidade de ocupar os cargos mais altos dentro da corporação. Segundo Camilo, a diretoria de Recursos Humanos e a de Ensino são ocupadas por pessoas negras. “Trabalhamos para que ninguém cause discriminação”, reforçou.
Já a pesquisadora e educadora popular Marcelle Decothé ressaltou que a polícia não pode ser a ponta da política pública nas periferias. Ela lembrou o caso das Unidades Pacificadoras das Polícias (UPP) que não deram certo no Rio de Janeiro. “A gente não pode olhar só para a polícia. Na discussão de orçamento, a segurança é o que mais recebe recursos”, criticou.
Rappin Hood, também participou da transmissão ao vivo, e lembrou que o hip hop é um braço do movimento negro e que sempre apontou a violência policial em suas letras e apresentações.
“Nós éramos considerados baderneiros. Mas sou um pai de família, ativista. Hoje tenho um garoto de 18 anos e tenho medo de deixar meu filho sair sozinho, sinto o mesmo que meus pais sentiam. A minha questão é: Quando vamos dialogar de verdade e mudar a polícia brasileira?”, indagou.