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Marcha da Maconha coloca em destaque pauta antirracista

25 de maio de 2018

Edição de dez anos do ato aborda aspectos diversos além da descriminalização do uso da erva, como o encarceramento em massa e como a política antidrogas afeta de modo definitivo a população negra

Texto / Amauri Eugênio Jr.
Imagem / Ludmilla Souza / Agência Brasil

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A Marcha da Maconha São Paulo, cuja próxima edição é de dez anos, acontecerá no próximo sábado (26) e terá como o já tradicional local de concentração o vão livre do MASP. Até a publicação desta reportagem, o evento criado no Facebook para o ato tinha 15,1 mil pessoas confirmadas e 22,6 mil interessadas.

As pautas defendidas pelos diversos coletivos que compõem a organização do ato passam, invariavelmente, pelo desencarceramento em massa, que atinge a população negra em particular.

Segundo dados do Infopen 2017 (Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias), do Ministério da Justiça, cerca de 726 mil indivíduos estão presos no Brasil, sendo que a população carcerária é composta por 64% de pessoas negras e mais da metade dos detentos tem entre 18 e 29 anos. A quantidade total de pessoas encarceradas coloca o Brasil como o terceiro país no nada positivo ranking de países com mais pessoas presas.

Ainda, este cenário torna-se ainda mais dramático ao considerar-se a Lei Antidrogas, em vigor desde 2006 no Brasil. De acordo com o Infopen, 26% dos presidiários estão detidos em decorrência do tráfico de drogas, ao passo que 62% da população carcerária feminina é composta por pessoas inseridas nesse mesmo contexto.

Em entrevista ao Alma Preta, a assessoria do Amparar (Associação de Amigos e Familiares de Presos) compara a Lei Antidrogas a outro mecanismo legal usado nos primeiros anos pós-escravidão contra a população negra. “Todos esses números servem para mostrar que a nova Lei Antidrogas veio na perspectiva de encarcerar e não em nenhuma outra. Dessa forma, a gente lê essa lei era a Lei de Vadiagem. Ou seja: ela foi criada para o Estado ter prerrogativa para prender pessoas à revelia, mas não são quaisquer pessoas: são as que compõem a população negra, jovem e, principalmente, da periferia.”

Juliana Paula, integrante do Coletivo Dar e bloc feminista da marcha, vai na mesma linha da assessoria da Amparar. “Vemos diariamente que pessoas brancas e de classes sociais mais elevadas são tratadas como usuárias, não importando o tamanho do flagrante, enquanto os Rafaeis Braga são condenados por portar quantidades insignificantes de drogas. Também não é novidade na quebrada, os flagrantes, na verdade, são forjados pela polícia. A guerra às drogas é a forma sofisticada de controlar, prender e matar corpos negros diariamente no Brasil e no mundo.”

De acordo com a jornalista e ativista dos direitos humanos Rebeca Lerer, a política de repressão ao porte de substâncias ilícitas está relacionada a fatores como CEP e cor da pele da pessoa-alvo. “Esse é um fator que contribui não só para o encarceramento, mas para abusos policiais, que acabam acabam se concentrando em áreas de favelas e periferias, que têm a maioria da população negra. Essa política de drogas que reprime o varejo de substâncias ilícitas nas favelas e periferias que o abriga acaba atingindo desproporcionalmente a população que se concentra nesses territórios.”

Imagem: Agência Brasil

A cor da proibição

Outro aspecto que chama a atenção no que diz respeito à Lei Antidrogas é o caráter subjetivo inerente ao que é considerado como porte para uso pessoal e porte relativo ao tráfico. Logo, cabe aos agentes públicos responsáveis pela autuação – leia-se policiais – interpretarem quem é usuário e quem é traficante.

“Basicamente, isso passa por um filtro de seletividade penal em que as pessoas negras e da favela são mais lidas e entendidas como traficantes, enquanto pessoas brancas não são. A gente entende a Lei Antidrogas serve para o Estado continuar com prerrogativa escravocrata e agora há justificativa legal para prender a população negra”, ressalta a assessoria do Amparar.

Rebeca Lerer aponta para um aspecto relativo ao papel do Estado, que em vez de coibir a chegada de substâncias ilícitas de outros países por meio de trabalho de inteligência em fronteiras, o faz com atuação ostensiva nos locais onde são comercializados – coincidência ou não, em regiões periféricas.

“Todo esse poder de fogo está voltado para o final dessa cadeia produtiva e para esses lugares, que já sofrem historicamente com a omissão do Estado e lidam com problemas de mobilidade urbana, saneamento, habitação, acesso à saúde, educação e direitos sociais. Existe a omissão do Estado e quando se faz presente nesses locais, é por meio de policiamento ostensivo, o que gera clima de maior insegurança. Dá certo para o que é proposto a fazer”, pontua a ativista.

Qual é o objetivo?

Ainda que o senso comum induza a sociedade civil a achar que a demanda principal da Marcha da Maconha é pelo uso irrestrito da substância, à revelia dos problemas sociais que acabam sendo associados a ela.

Para Juliana, legalizar o consumo de maconha e demais entorpecentes é uma maneira de combater o tráfico, pois a justificativa para associá-las ao tráfico é uma das estratégias mais usadas para justificar o encarceramento em massa e a quantidade elevada de mortes. “Legalizar apenas uma droga, além de não ter coerência alguma, não resolve a questão, pois o tráfico é também uma das formas de sustento e sobrevivência para muitos jovens da periferia que, quando mortos, são rapidamente substituídos por outros e outros, em um ciclo no qual polícia ou grandes traficantes não valorizam suas vidas ou se importam com seus futuros.”

Além disso, a questão diz respeito à mudança de paradigma na análise do consumo de entorpecentes, a começar que a violência vem da criminalização das drogas, não das substâncias por si só. “A gente defende também a desmilitarização das polícias e da sociedade, como na política e em escolas. A gente defende a limitação de prisões preventivas, que são usadas à revelia. Outro ponto defendido é a autonomia de comunidades para a resolução não-violenta de conflitos e a abertura do cárcere para a sociedade civil, como a inclusão de assistência humanitária no rol do artigo XI da LEP [Lei de Execução Penal]”, completa a assessoria da Amparar.

Saiba mais

A concentração da Marcha da Maconha São Paulo 2018 – 10 anos acontecerá sábado (26), a partir das 14h, no vão livre do MASP (avenida Paulista, 1.578, São Paulo).

 

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