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Marcos Vinicius não é exceção: assassinatos de jovens crescem 7,4% em relação a 2015

28 de junho de 2018

O número aumentou em conjunto com o genocídio dos negros, que teve salto de 23,1%; Sergipe é a região com os dados mais alarmantes

Texto / Anna Laura Moura
Imagem / Fernando Frazão / Agência Brasil

O caso do menino Marcos Vinicius da Silva, morto aos 14 anos na favela da Maré, gerou comoção nacional e levantou um importante debate. As últimas palavras do garoto, antes de vir a óbito, foram: “eu sei quem atirou em mim, mãe. (…) Foi um blindado”. Essa declaração, além de extremamente grave, levanta uma questão importante: o que está acontecendo com a juventude negra brasileira?

Divulgado há algumas semanas, o Atlas da Violência 2018 trouxe dados importantes para fomentar essa discussão: 33.590 jovens foram mortos no Brasil em 2016. Houve também aumento desse indicador entre negros, cujo registro de homicídios subiu 23,1% entre 2006 e 2016.

O estado de Sergipe lidera o ranking de mortes, mas o Rio de Janeiro não está muito longe. Aos poucos, a sociedade perde sua juventude e sua população negra – por diversas vezes, ambos são um corpo só, tal qual Marcos Vinicius. Essa tragédia traz à tona um ponto sobre o qual precisamos urgentemente falar sobre, que diz respeito ao que interrompeu a trajetória de Marcos.

Racismo institucional

Monique Cruz, pesquisadora da área de violência institucional e segurança pública da ONG Justiça Global, afirma que o racismo institucional é um dos motivos por ceifar a vida de Marcos e de todos esses jovens negros.

“Pessoas negras são tão suscetíveis a cometer crimes como quaisquer outras. Contudo, é importantíssimo considerar que todas as sociedades, independente do lugar do mundo, terão formas de identificar as ações e comportamentos”, explica. Para ela, a sociedade capitalista sempre tem formas específicas de punição que abrangem as questões econômicas e morais.

O que deve ser discutido é se a desigualdade pode levar as pessoas a cometerem crimes. Não à toa, a maior parte das pessoas privadas de liberdade está presa por furto ou crimes previstos na Lei de Drogas. “É uma questão importante dos nossos tempos”, diz Monique.

Sheila de Carvalho, do Conselho Municipal de Políticas Sobre Drogas, aponta para outro dado do Atlas da Violência. Enquanto o homicídio de pessoas negras aumenta, o de não-negras abaixa – trata-se de redução de 6,8%. “Isso só mostra, que temos, claramente uma operação para matar pessoas negras. Isso está nítido”, denuncia, ao ressaltar que esses são os alvos prediletos da violência estatal.

Para Sheila, o motivo pelo qual pessoas negras estão mais imersas ao crime é por estarem mais suscetíveis à pobreza e baixa renda, o que os leva à medidas extremas.

Guerra às drogas

O crime é socialmente construído, de acordo com Monique. “O samba, que é uma das principais expressões culturais brasileiras, já foi crime. O álcool nos EUA já foi proibido, ou seja, existe uma escolha política e moral das sociedades para dizer o que é crime. É o que acontece hoje com substâncias como maconha, cocaína, crack, entre outras. Isso é diferente do álcool e da nicotina, que matam milhares de pessoas todos os anos, mas são legalizadas”, compara.

Ao seguir esta lógica, a guerra às drogas, além de ser um combate moral, ainda serve como aval para o extermínio de pessoas negras e pobres.

“Falamos da famosa seletividade penal, que não se trata de pessoas negras terem personalidade voltada ao cometimento de crime. Isso existe, justamente, porque as relações sociais e de poder se constroem com base no racismo estrutural. Esse regime não só condenou muitas pessoas à miséria, como seus descendentes não possuíram a devida reparação. A consequência é que pessoas negras são consideradas criminosas”, detalha Monique.

“Precisamos romper com essa gestão da morte realizada pelo Estado, que acaba decidindo quem vai viver e quem vai morrer”, descreve Sheila. “A guerra às drogas nada mais é do que uma arma que fomenta mortes como a de Marcos Vinicius, uma criança que apenas ia para a escola”.

Fake news e a criminalização da vítima

Recentemente surgiram fotos do menino Marcos Vinicius sendo vinculado à uma criança traficante segurando uma arma, e claramente não eram a mesma pessoa. É de praxe nos depararmos com fake news desse tipo, a fim de criminalizar e de certa forma “justificar” o assassinato do menino.

“Essa é a forma da sociedade racista e reacionária colocar em prática a máxima ‘bandido bom é bandido morto’. Aconteceu com Marielle. Essa prática da criação das fake news é velha conhecida dos movimentos de mães e familiares de vítimas do terrorismo de Estado”, reforça Monique.

É natural afirmar que a vítima resistiu à abordagem policial violentamente e que por isso foi morta. Assim, cria-se a versão de que aquela pessoa fora executada com um suposto motivo. “O fato de se afirmar que aquele indivíduo é criminoso justifica a morte”, conta.

“Ainda que Marcos Vinicius fosse um conflitante com a lei, não justifica ele ter sido morto por um helicóptero à paisana. Isso é desumano”, protesta Sheila.

A juventude deve ser vivida por descobertas e experiências, pois consiste em um momento da vida para se questionar a realidade quando se atinge a maturidade.

“O primeiro caminho é garantir políticas públicas que permitam isso para todas as juventudes, principalmente as pobres – que, no Brasil, são negras”, conclui Monique.

Sheila de Carvalho segue na mesma linha. “Precisamos também banir qualquer uma dessas propostas com cunho militar”, finaliza, ao enfatizar que acredita que a intervenção militar apenas gerará mortes em vez de melhorias.

 

 

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