Durante inauguração de memorial em homenagem aos filhos mortos, o grupo ainda busca uma investigação justa dos Crimes de Maio
Texto e foto / Vinicius Martins
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Espaço de luta contra a escravidão na zona sul de São Paulo, o antigo Quilombo do Jabaquara hoje abriga o Centro Cultural Jabaquara. Sua história simbólica para negras e negros brasileiros recebeu neste mês mais uma razão para reafirmar seu passado de resistência. O local agora guarda o “Memorial dos Crimes de Maio e do Genocídio Democrático”, inaugurado pelas Mães de Maio no último dia 12 para homenagear vítimas das chacinas de maio de 2006 e demais mortos pela violência crônica do Estado brasileiro.
Além das Mães de Maio, o evento reuniu a Rede Nacional de Mães e Familiares com integrantes de outros estados – como Bahia e Rio de Janeiro -, que perderam filhos e filhas através da violência policial. Participaram também o Bloco Afro Ilú Obá De Min de Mulheres Negras e a Exposição “Corpa Negra”, de Carolina Teixeira. No aniversário de dez anos dos Crimes de Maio, as mães que perderam seus filhos em 2006 ainda seguem na luta pela memória e por uma investigação justa dos acontecimentos passados.
Débora Maria da Silva, fundadora e líder das Mães de Maio, perdeu o filho Edson Rogério Silva dos Santos, de 29 anos, no dia 15 de maio de 2006 na Baixada Santista. Edson Rogério parou para abastecer sua moto em um posto de gasolina enquanto voltava para casa, quando foi morto a tiros por desconhecidos.
Para Débora, a inauguração da placa em referência às vítimas da violência de Estado significa resistência para a população negra, pobre e periférica e que é necessário se manter firme na luta contra o genocídio. “Não podemos aceitar que o Brasil seja uma máquina de moer gente, uma máquina de moer preto. O genocídio do nosso país tem cor e classe social”, afirma.
Entre a emoção de relembrar seus filhos e a posição firme de luta, diversas mães contaram suas histórias ao lado da placa que simboliza o memorial. A baiana Rute Fiúza recordou o caso de seu filho Davi Fiúza enquanto discursava. Desaparecido desde o dia 24 de outubro de 2014, o adolescente de 16 anos foi vítima de uma ação policial até hoje não solucionada. Sem um posição da Polícia Militar e do Ministério Público da Bahia (MP-BA), Rute não tem pistas sobre o corpo de seu filho. “Eu nunca deixei de ir ao IML com a esperança de que um dia eu vou dar um funeral ao meu filho, nem que seja pra enterrar uma perna dele”, afirma.
Os casos de Edson Rogério e de Davi Fiúza complementam as estatísticas que se repetem ano a ano na segurança pública brasileira, sobretudo quando analisados pela ótica racial. Segundo a Human Rights Watch, nos primeiros nove meses de 2014, a polícia militar do estado de São Paulo matou 505 pessoas. Dados do Grupo de Estudos sobre Violência e Administração de Conflitos, da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), apontam que de 2009 a 2011, a letalidade da Polícia Militar da cidade de São Paulo contra negros é três vezes maior do que a letalidade contra brancos. No panorama nacional, são registrados cerca de 56 mil homicídios, sendo 30 mil jovens de 15 a 29 anos. A Anistia Internacional estima que 77% desse montante seja composta por negros.
Crimes de maio
Em maio de 2006, o Primeiro Comando da Capital (PCC) articulou rebeliões em 74 penitenciárias do Estado de São Paulo. A ação seria uma represália à tentativa do Governo do Estado de São Paulo em transferir 765 presos para Presidente Venceslau, unidade de segurança máxima no interior paulista. A intenção da Secretaria de Administração Penitenciária do governo de Cláudio Lembo (PSDB) era evitar a revolta premeditada pelos presos.
Além das rebeliões, a organização criminosa organizou ataques contra delegacias, policiais, viaturas e prédios públicos em todo o estado de São Paulo na sexta-feira, 12 de maio de 2006.
Nos dez dias seguintes, grupos de extermínio (com a participação de agentes do Estado), saíram às ruas para responder aos ataques articulados pelo PCC. O número de mortos varia de 261 a 600 mortos, de acordo com vários grupos e instituições diferentes, entre inocentes, policiais e membros do PCC.
Grande parte das mortes cometidas pelos grupos de extermínio nunca foram esclarecidas, tendo seus processos com apurações inconclusivas e arquivadas pela justiça. De acordo com relatório do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH), estima-se que 564 pessoas morreram e 110 ficaram feridas. Ao todo, 60% dos mortos receberam tiros na cabeça, 50% levaram ao menos três tiros, 10% mais de oito tiros, 60% foram atingidos na cabeça, 27% receberam tiros perto da nuca e 57% foram alvejadas pelas costas.
Os homícidios aconteceram até o fim de maio daquele ano e cessaram após suposto acordo firmado entre o governo paulista e o PCC, fato negado pela administração da época, conduzida pelo ex-governador Cláudio Lembo.
Pedido de federalização
Em 2010, a Procuradoria-Geral da República recebeu solicitações para federalizar as investigações das diversas chacinas ocorridas há dez anos atrás. Neste mês, o Procurador-Geral, Rodrigo Janot, recomendou que o caso do Parque Bristol fosse encaminhado para avaliação do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Na ocasião, homens encapuzados atacaram cinco jovens que estavam no parque. Três dos garotos não sobreviveram aos tiros. Seis meses depois um dos dois sobreviventes foi assassinado. Segundo o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o processo foi arquivado “por falta de provas”.
Caso o STJ dê parecer favorável à federalização, as investigações seriam reabertas, mas dessa vez conduzidas pela Polícia Federal. Antes de deixar o cargo de secretário de Segurança de São Paulo, o atual Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, afirmou em entrevista para o portal G1 ter “absoluta convicção” de que o STJ não aceitará a transferência da competência das investigações para o âmbito federal.
O Brasil atualmente enfrenta processo na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos (OEA), para que as investigações sejam reabertas. Ainda não há um parecer sobre o caso, que pode ser julgado pela corte da organização em breve. Débora Maria afirma que a posição do ex-secretário de segurança de SP é fascista e que isso pode fortalecer o parecer da OEA a favor das investigações no âmbito federal:
A consequência do arquivamento de diversos processos relacionados aos Crimes de Maio se traduz em apenas duas punições. Em 2011, o policial militar Ronivaldo dos Santos Ribeiro foi condenado a seis anos de prisão pela morte de Alex Trindade Secco em maio de 2006 na zona norte de São Paulo. O outro policial militar condenado foi Alexandre André Pereira da Silva. Em 2014, ele recebeu a sentença de 36 anos de prisão pela morte de três jovens na também na zona norte paulista. Os dois agentes recorreram das sentenças e aguardam em liberdade o desfecho dos processos.