No bairro de Jatiúca, parte alta do litoral de Maceió, em Alagoas, estado que abrigou o Quilombo dos Palmares, uma praça virou alvo de intensas discussões entre o movimento negro e a gestão pública. Desde o último 21 de janeiro, ativistas do estado denunciam um caso de racismo simbólico caracterizado na mudança do nome da Praça Dandara dos Palmares para Praça Nossa Senhora da Rosa Mística. A ação, informada no Diário Oficial, foi desconsiderado pela prefeitura após reinvindicação popular. Na última semana, no entanto, a mudança novamente veio à tona por meio de uma proposta do legislativo gerando a reação de mais de 67 entidades que repudiaram a ação em carta aberta.
A primeira ação de apagamento da homenagem à ativista e companheira de lutas do líder do maior quilombo das Américas, Zumbi dos Palmares, foi iniciativa do vereador Luciano Marinho (MDB) por meio do Projeto de Lei nº 7.473. Após apresentação de queixa de entidades como o Instituto Negro de Alagoas (INEG), que acionou o Ministério Público, o prefeito de Maceió, João Henrique Caldas (PSB), tornou sem efeito a sanção da lei, que acabou recebendo veto total no mesmo dia em que a alteração do nome da praça foi anunciada.
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Para a surpresa das articulações negras na capital alagoana, um mês depois da primeira ação, uma segunda tentativa foi apresentada. No dia 24 de fevereiro, o vereador Leonardo Dias (PSD), que tem como biografia em página nas redes sociais “católico, conservador, ativista político e fundador de Movimentos de Rua”, encabeçou uma nova proposta, ainda pedindo a mudança do local para homenagear a líder. Nas duas ações, o movimento negro local afirma não ter sido comunicado e alega que os projetos foram encaminhados para votação sem consulta pública, o que coloca em cheque a democracia na cidade.
Para o Instituto Negro, a luta objetiva garantir não só o nome da líder importante para a história negra do país, como cobrar a revitalização e preservação dos espaços da memória preta da cidade. A articulação acredita que reconhecer a importância de quem fez e faz esse país, para que as próximas gerações não reproduzam a lógica colonial. O nome da praça é resultado da sanção da Lei Municipal nº 4.423/95 e desde a sua criação, há 25 anos, é tida como espaço de reconhecimento da trajetória de líderes negros.
“Nós, enquanto Instituto do Negro de Alagoas, e enquanto movimento negro, percebemos essa insistência acerca da mudança de titulação da Praça Dandara enquanto uma contínua persistência do apagamento não só da nossa história, mas, dos nossos principais representantes de luta. É perceptível a dificuldade da sociedade em entender todo o contexto histórico e social dos debates negros. Há uma completa ignorância e falta de respeito pelas identidades que nos representam e que moldam a nossa memória e cultura”, pontua a historiadora e conservadora-restauradora, Mariana Marques.
Ainda segundo a integrante do INEG, em Alagoas já não existe uma quantidade significativa de espaços dedicados à memória histórica negra, e, os que tem, precisam de resistência para não serem aniquiidados. Ela ainda reafirma a necessidade de uma maior atenção por parte do governo com os símbolos da população negra na região e comprometimento com a preservação de uma narrativa histórica importante e pouco valorizada.
Pensamento compartilhado por outro ativista da articulação negra da cidade. Para o sociólogo e professor universitário Carlos Martins, outras políticas instituicionais já são executadas há muitos anos, todas com o intuito de eliminar o ‘sujeito negro’ e seus elementos culturais.
“O racismo no Brasil tem um aspecto genocida simbólico, como com a criação de leis que fortalecem a política de encarceramento, como a eliminação das manifestações culturais espontâneas de origens africanas, como a capoeira e o samba. O que está acontecendo aqui acompanha o mesmo viés, que é de eliminar a memória africana do país, como essa tentativa de mudar nomes do que é símbolo de conquista, de muita luta, de uma personalidade negra”, afirma Martins.
Fora o Instituto Negro de Alagoas, assinam a carta entidades como a Rede de Mulheres Negras de Alagoas, Centro de Educação Popular e Cidadania Zumbi dos Palmares, Fórum Afro de Maceió, Movimento dos Povos das Lagoas e o Museu Cultura Periférica.
Questionados pela Alma Preta Jornalismo, em nota encaminhada às assessorias, os vereadores Luciano Marinho e Leonardo Dias, até o fechamento da matéria, não justificaram os reais propósitos das ações apresentadas.